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Juliano Spyer

Livro abarca toda a história dos evangélicos de forma simples e direta

Obra oferece raro ponto de vista brasileiro sobre uma religião que avança sem paralelos no mundo contemporâneo

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Juliano Spyer

O universo dos cristãos evangélicos foi subestimado até recentemente por intelectuais que, como eu, cresceram alheios a contextos religiosos e muitas vezes interpretam as religiões apenas como instrumentos de manipulação política. Mas essa perspectiva já não serve para aqueles atentos à acelerada expansão do protestantismo no país.

Em 1970, os evangélicos constituíam 5% da população brasileira, mas 50 anos depois, representam cerca de um terço dos cidadãos. É por esse motivo que sugiro a leitura de "A História dos Evangélicos para Quem Tem Pressa", escrito pelo historiador e teólogo João Oliveira Ramos Neto e publicado pela editora Valentina.

Fiéis participam da edição 2023 da Marcha para Jesus, maior evento evangélico do país
Fiéis participam da edição 2023 da Marcha para Jesus, maior evento evangélico do país - Eduardo Knapp - 8.jun.23/Folhapress

Muitos são céticos em relação às abordagens simplistas do tipo "enriqueça em cinco passos" ou "aprenda a investir na bolsa assistindo a este tutorial". No entanto, "A História dos Evangélicos para Quem Tem Pressa" se destaca como uma exceção, especialmente para o público leigo que deseja desvendar a trajetória que conecta o monge Martinho Lutero no século 16 a personagens como o bispo Edir Macedo no século 20.

Além disso, o livro também atrairá evangélicos interessados em compreender sua própria denominação e as forças que unificam o intricado e diversificado cenário do cristianismo. Dessa forma, a obra se apresenta como uma introdução sobre o fenômeno ou um ponto de partida para aprofundar o conhecimento em áreas específicas relacionadas ao protestantismo.

Um dos méritos do trabalho de Ramos é a sua capacidade de ir além de uma série de anedotas, nomes e datas acerca do que ficou conhecido como Reforma Protestante. Os leitores encontrarão explicações sobre conceitos como calvinismo e batalha espiritual, que ajudam a compreender notícias envolvendo, por exemplo, igrejas que estimulam ataques a outras religiões, principalmente as de matriz afro.

É fundamental destacar que o livro foi escrito por um acadêmico brasileiro, o que é um privilégio considerando a ampla disponibilidade de obras em português escritas tendo em mente leitores estrangeiros que enxergam o mundo sob perspectivas e contextos diferentes dos nossos. A história dos evangélicos, conforme apresentada neste livro, desdobra-se aqui mesmo, nas cidades brasileiras das primeiras décadas do século 21.

O autor conquista logo no primeiro capítulo. Embora o livro seja conciso ao tratar de um fenômeno extenso e complexo, somos lembrados de que o termo "Reforma Protestante" foi proposto mais de um século após o período em que ocorreu, portanto, não foi um movimento planejado.

Seguindo a mesma proposta de examinar criticamente o assunto, a obra esclarece que Lutero não foi —como se ensina em cursinhos— um revolucionário que "protestou" devido à venda de indulgências (um tipo de "perdão" para entrar no Paraíso) promovida pelo papa com fins lucrativos.

A venda de indulgências teve um contexto específico e limitado. Lutero era um monge e não tinha intenção de romper com a Igreja Católica, mas de iniciar um debate teológico.

O termo "protestante" não está ligado a Lutero, mas sim aos estadistas da época. E em vez de "Reforma Protestante", talvez fosse mais apropriado dizer "reformas protestantes", uma vez que ocorreram pelo menos quatro focos distintos de tensão simultaneamente, cada um motivado por ideias diferentes.

O leitor evangélico mais exigente poderá se decepcionar com deslizes do autor, como quando ecoa uma posição preconceituosa em relação a igrejas surgidas no século 19, frequentemente tratadas como seitas.

É incorreto, por exemplo, dizer que cristãos adventistas não acreditem na trindade, ou seja, na noção de que Deus seja ao mesmo tempo Deus, o Filho (Cristo) e o Espírito Santo.

Mas Ramos fez algo mais difícil e raro do que escrever um texto erudito para especialistas: produziu um livro sobre um assunto relevante, escrito de maneira simples e direta, com ritmo de texto jornalístico, para conduzir o leitor por uma imersão no tema do cristianismo evangélico, como só os melhores professores fazem.

Isso é muita coisa considerando que o processo de "trânsito religioso" do catolicismo para o protestantismo no Brasil não encontra paralelos no mundo contemporâneo. O autor ajuda a dar sentido a esse fenômeno que, por inúmeras razões, molda e influencia a nossa realidade, das periferias das cidades até a bancada evangélica no Congresso Federal.

A História dos Evangélicos para Quem Tem Pressa

  • Preço R$ 39,90 (200 págs.); R$ 29,90 (ebook)
  • Autoria João Oliveira Ramos Neto
  • Editora Valentina
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