O universo dos cristãos evangélicos foi subestimado até recentemente por intelectuais que, como eu, cresceram alheios a contextos religiosos e muitas vezes interpretam as religiões apenas como instrumentos de manipulação política. Mas essa perspectiva já não serve para aqueles atentos à acelerada expansão do protestantismo no país.
Em 1970, os evangélicos constituíam 5% da população brasileira, mas 50 anos depois, representam cerca de um terço dos cidadãos. É por esse motivo que sugiro a leitura de "A História dos Evangélicos para Quem Tem Pressa", escrito pelo historiador e teólogo João Oliveira Ramos Neto e publicado pela editora Valentina.
Muitos são céticos em relação às abordagens simplistas do tipo "enriqueça em cinco passos" ou "aprenda a investir na bolsa assistindo a este tutorial". No entanto, "A História dos Evangélicos para Quem Tem Pressa" se destaca como uma exceção, especialmente para o público leigo que deseja desvendar a trajetória que conecta o monge Martinho Lutero no século 16 a personagens como o bispo Edir Macedo no século 20.
Além disso, o livro também atrairá evangélicos interessados em compreender sua própria denominação e as forças que unificam o intricado e diversificado cenário do cristianismo. Dessa forma, a obra se apresenta como uma introdução sobre o fenômeno ou um ponto de partida para aprofundar o conhecimento em áreas específicas relacionadas ao protestantismo.
Um dos méritos do trabalho de Ramos é a sua capacidade de ir além de uma série de anedotas, nomes e datas acerca do que ficou conhecido como Reforma Protestante. Os leitores encontrarão explicações sobre conceitos como calvinismo e batalha espiritual, que ajudam a compreender notícias envolvendo, por exemplo, igrejas que estimulam ataques a outras religiões, principalmente as de matriz afro.
É fundamental destacar que o livro foi escrito por um acadêmico brasileiro, o que é um privilégio considerando a ampla disponibilidade de obras em português escritas tendo em mente leitores estrangeiros que enxergam o mundo sob perspectivas e contextos diferentes dos nossos. A história dos evangélicos, conforme apresentada neste livro, desdobra-se aqui mesmo, nas cidades brasileiras das primeiras décadas do século 21.
O autor conquista logo no primeiro capítulo. Embora o livro seja conciso ao tratar de um fenômeno extenso e complexo, somos lembrados de que o termo "Reforma Protestante" foi proposto mais de um século após o período em que ocorreu, portanto, não foi um movimento planejado.
Seguindo a mesma proposta de examinar criticamente o assunto, a obra esclarece que Lutero não foi —como se ensina em cursinhos— um revolucionário que "protestou" devido à venda de indulgências (um tipo de "perdão" para entrar no Paraíso) promovida pelo papa com fins lucrativos.
A venda de indulgências teve um contexto específico e limitado. Lutero era um monge e não tinha intenção de romper com a Igreja Católica, mas de iniciar um debate teológico.
O termo "protestante" não está ligado a Lutero, mas sim aos estadistas da época. E em vez de "Reforma Protestante", talvez fosse mais apropriado dizer "reformas protestantes", uma vez que ocorreram pelo menos quatro focos distintos de tensão simultaneamente, cada um motivado por ideias diferentes.
O leitor evangélico mais exigente poderá se decepcionar com deslizes do autor, como quando ecoa uma posição preconceituosa em relação a igrejas surgidas no século 19, frequentemente tratadas como seitas.
É incorreto, por exemplo, dizer que cristãos adventistas não acreditem na trindade, ou seja, na noção de que Deus seja ao mesmo tempo Deus, o Filho (Cristo) e o Espírito Santo.
Mas Ramos fez algo mais difícil e raro do que escrever um texto erudito para especialistas: produziu um livro sobre um assunto relevante, escrito de maneira simples e direta, com ritmo de texto jornalístico, para conduzir o leitor por uma imersão no tema do cristianismo evangélico, como só os melhores professores fazem.
Isso é muita coisa considerando que o processo de "trânsito religioso" do catolicismo para o protestantismo no Brasil não encontra paralelos no mundo contemporâneo. O autor ajuda a dar sentido a esse fenômeno que, por inúmeras razões, molda e influencia a nossa realidade, das periferias das cidades até a bancada evangélica no Congresso Federal.
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