Descrição de chapéu Obituário Flávia Natércia da Silva Medeiros (1973 - 2023)

Mortes: Autodidata, explicou a ciência para o grande público

A bióloga e jornalista Flávia Natércia aprendeu a escrever sozinha aos 4 anos e se tornou a aluna mais nova da Unicamp de 1989

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A mãe da bióloga Flávia Natércia ainda se lembra da véspera do aniversário de 4 anos da filha. A professora do jardim de infância a esperava no portão da escola, com expressão ansiosa e um bilhete na mão. "Amanhã é meu aniverçario e minha mãe vai me dar muita felissidade", estava escrito.

Os erros de grafia eram meros detalhes. A frase tinha sentido completo e havia sido escrita sem ajuda nem supervisão de nenhum adulto, um grande feito para alguém com sua idade. Nenhuma criança da sala estava aprendendo a escrever —algo que só ia ocorrer dali a dois anos.

Sua mãe, Antonieta Natércia, achava que Flávia só sabia ler palavras separadas. Ela havia aprendido sozinha a partir de brincadeiras que fazia com a mãe, com um quebra-cabeças de letras. Era um método experimental pensado a partir de alguns conceitos de Paulo Freire e de livros de pedagogia, disse a mãe.

Mulher sorri e assina primeira página de livro, com cartaz dizendo 'Racista eu?' atrás dela
Flávia Natércia da Silva Medeiros (1973 - 2023) - Luiz Berenguer

Antonieta andou durante horas pelas ruas do Rio de Janeiro para encontrar um presente à altura daquela primeira frase escrita. A menina já havia pedido uma máquina de costura, mas atender esse desejo seria uma imprudência.

"O que seria felicidade para ela, naquela idade?", questionou. A partir de então, todos os dias a mãe comprou um pequeno livro de histórias infantis para ela, muitos da coleção "Conte um Conto" da editora Moderna. A filha tinha "uma curiosidade febril", ela disse.

Quando tinha 12 anos, Flávia voltou um dia da escola muito triste. Havia apresentado um texto sobre Karl Marx, que continha noções básicas de socialismo e comunismo, e o professor duvidou que a aluna tivesse escrito o texto —de novo, um tema avançado demais para sua idade. A avaliação acabou sendo revista pelo professor.

Aos 15, chegava à universidade. Fluente em francês, já tinha lido Albert Camus e Jean-Paul Sartre no original. Era a estudante mais jovem da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), mas não se sentia especial. "As pessoas acham que sou um fenômeno, mas não é nada disso", disse ela em entrevista ao jornal da universidade, à época.

Graduou-se em ciências biológicas, fez mestrado em ecologia na Unicamp e, logo em seguida, o trainee da Folha. Foi repórter do jornal, da revista Superinteressante e de várias revistas especializadas em ciência. Em paralelo ao trabalho de jornalista, fez um doutorado em comunicação social e pós-doutorado em divulgação científica.

No ano passado, lançou o livro "Racista, Eu?" (Editora do Brasil), que discute a forma como o racismo pode ser tratado nas escolas, em coautoria com a editora Cristina Astolfi e a educadora Silvia Panazzo. Ao longo da vida, ela explicou grandes descobertas científicas ao grande público, como o sequenciamento do código genético humano e a fabricação de plantas transgênicas.

Flávia morreu aos 50 anos no Rio de Janeiro, no dia 12 de agosto, após sofrer um AVC (Acidente Vascular Cerebral), que não foi diagnosticado no posto de saúde onde ela foi atendida, nem tratado com urgência. Ela deixa a mãe e o irmão, Diego Pablo.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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