Descrição de chapéu Obituário Alzira Abreu de Oliveira (1930 - 2023)

Mortes: Avó fantástica, viveu eternamente até o último dia

Alzira de Oliveira, a Zilinha, gostava de rezar terço e tomar cachaça

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São Paulo

Alzira perdeu as impressões digitais cedo na vida, por causa do trabalho em lavouras de laranja. Nascida em Santana, a 252 km da capital mineira, não chegou a estudar e, sem conseguir assinar o próprio nome, só conseguiu emitir a carteira de trabalho. Isso porque o RG exigira uma digital.

Isso nunca a impediu, no entanto, de ser uma pessoa antenada. "Ela ficava revezando entre TV Aparecida e TV Câmara, então imagine aquilo de abençoar a água e logo depois saber do discurso da Dilma [Rousseff] no impeachment", conta a neta Jéssica Oliveira, 31.

Além disso, é claro, era uma senhora muito curiosa. "E fofoqueira. Olhava a rua pelo buraco da caixa de correio, ou pela fresta do portão. E ainda achava que era invisível, mas quem passasse, veria uma velha no portão."

Alzira é idosa, tem cabelos pretos, é branca, usa brincos, blusa azul, está num bar, segura um copo de batida alcoólica. está num bar ao ar livre, é possível ver outras pessoas no fundo da foto e guarda-sóis abertos e fechados
Alzira Abreu de Oliveira (1930-2023) - Arquivo pessoal

A palavra para a neta tem um significado quase mágico. "Quando nasci, ela já era idosa", afirma Jéssica. A ponto de, no velório, uma prima perguntar se Zilinha, como era conhecida, tinha algum plano funerário. "Pagou por muitos anos, mas percebeu que não morria nunca, aí parou de pagar."

Alzira foi a última dos 11 irmãos a se casar. Mudou-se de Minas Gerais com o marido, Geraldo, duas filhas e uma enteada para Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Lá, ele abriu uma bodega.

Recentemente, Alzira puxou da memória uma história que mostrava sua rigidez quando o assunto era dignidade. Quando já viviam no Rio de Janeiro, disse a neta, foi levada por um cunhado para trabalhar durante a semana como doméstica para uma família, sem poder sentar à mesa para comer e apertada num quarto de empregada.

"Ela contava bem sem paciência, dizendo 'onde já se viu? Lavar calcinha de outra pessoa'. No dia seguinte, ela acordou bem cedinho e foi embora, nunca deu satisfação para ninguém."

Após a morte do marido, foi morar com a filha Irani e ajudou a criar parte dos netos. Seu feijão com arroz era famoso, mas o segredo pegava de surpresa os convidados: óleo, em quantidades que exigiam esforço na hora de lavar a louça.

Uma das possíveis táticas para a longevidade era acordar e dormir junto com o Sol, sem esquecer de rezar os terços. Outra era beber cachaça, escondida em garrafas de plástico atrás da geladeira.

Em 30 de junho, Alzira caiu de dois degraus enquanto espiava uma obra na rua. Internada no dia seguinte, perdeu a valiosa autonomia que teve por 93 anos, e relatava irritação aos parentes durante as visitas.

A neta Jéssica imagina que um anjo perguntou se ela toparia fazer a cirurgia e passar por seis meses de recuperação, ou se achava que já estava preparada para partir. Ela morreu em 5 de julho em decorrência de uma embolia gordurosa. Deixa três filhas, sete netos e oito bisnetos.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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