Descrição de chapéu Folhajus

Disputa familiar pode levar à reintegração de posse de terreiro de 57 anos em São Paulo

Briga teve início após a morte da fundadora da casa em Cangaíba, na zona leste

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São Paulo

O terreiro Abassá Oxúm Oxóssi, casa de candomblé de vertente bantu fundada em 1966, é alvo de uma reintegração de posse. O templo, localizado em Cangaíba, na zona leste de São Paulo, está no centro de uma disputa entre familiares. Entre a sexta (6) e o sábado (7), a casa realizou atividades ininterruptas para evitar a entrada de oficiais de justiça.

"Como estávamos em atividades, eles [oficiais e policiais] não poderiam entrar. Paramos um pouco hoje [domingo, 8] porque a lei não permite reintegração de posse aos domingos e amanhã vamos começar cedo, porque eles vão voltar", disse Kátia Luciana Alves Sampaio.

A disputa começou em 2016 após a morte da fundadora da casa, Mãe Caçulinha, responsável por formar mais de 800 filhos de santo nas décadas em que dirigiu o terreiro. Em testamento, ela pediu que seus trabalhos fossem continuados por cinco anos por seus filhos de santo, sem especificar o que deveria acontecer depois desse prazo.

Os filhos de santo, entretanto, se afastaram do terreiro. Os filhos biológicos de Mãe Caçulinha pediram, então, que uma das netas da antiga sacerdotisa, Kátia Luciana Alves Sampaio, única da família a seguir o candomblé, mantivesse os trabalhos da avó.

imagem do terreiro durante culto
Oxúm Oxóssi, localizado em Cangaíba, na zona leste de SP - Arquivo pessoal

Os familiares também autorizaram em 2018 que Sampaio, que havia perdido o emprego, morasse no local. Mas, após descobrirem que o imóvel acumulou R$ 47 mil em dívidas de IPTU, eles decidiram entrar na Justiça contra ela.

No processo, os tios e primos juridicamente herdeiros do terreno dizem que Sampaio usurpou a posse do local, que não o utiliza mais como templo religioso e tampouco zela pela sua manutenção. Também a acusam de usar o local para abrir uma empresa e dizem que o templo reúne goteiras e tem sido invadido.

Sobre a dívida, Sampaio diz que pediu autorização aos familiares para que pudesse requerer a imunidade de IPTU a que os templos religiosos têm direito, mas que os familiares não aceitaram. Ela alega que a empresa produz artesanatos de arte africana usados também para a manutenção do templo.

Mãe Caçulinha, fundadora do Abassá Oxúm Oxóssi
Mãe Caçulinha, fundadora do Abassá Oxúm Oxóssi - Reprodução/ Instagram

Sampaio se denomina Mametu Kutala da casa, o que na hierarquia do candomblé bantu significa mãe de santo herdeira da casa.

A neta de Caçulinha diz ainda que o processo de mudança de um terreiro necessita do aval dos orixás. Ela afirma que o terreno onde fica o barracão foi concedido a sua avó como um presente a Oxum por uma pessoa que queria agradecer a benevolência da deusa dos rios. Diz ainda que ofereceu outro espaço a Oxum, mas que a divindade não quer sair do local. Caso ela desejasse, afirma Sampaio, os rituais de dessacralização do espaço deveriam ser feitos com respeito ao tempo dos orixás.

Sampaio acusa os parentes de intolerância religiosa. Também alega que tem sido assediada por eles, que a procuram em horários de atendimento espiritual e chegaram a levar corretores e colocar placas de "vende-se" em frente ao terreiro.

Um projeto de lei proposto em maio deste ano pela deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP) procura transformar o espaço em patrimônio material e imaterial.

Os familiares negam as acusações de intolerância religiosa e afirmam que Sampaio se fechou ao diálogo com a família. "Minha avó queria que os trabalhos continuassem, mas de forma ordeira", afirma Ana Paula de Souza Alves Costa, outra neta de Caçulinha, umas das herdeiras jurídicas do espaço.

Em setembro, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que, embora a situação não caracterizasse esbulho, o imóvel deveria ser reintegrado aos tios e primos de Sampaio.

Os advogados dela, entretanto, protocolaram recursos no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no STF (Supremo Tribunal Federal).

No recurso no STF, do qual participam também membros da comunidade do Abassá, os advogados afirmam que os desembargadores do TJ-SP nem sequer citaram as petições que comprovam que o templo continua em funcionamento.

No STF, pedem que se analise uma possível violação constitucional à dignidade humana, além de violação dos atos litúrgicos.

"Já vamos para a terceira semana que pedimos a derrubada desta liminar. É uma casa de candomblé que tem direitos assim como evangélicos, católicos", afirma Sampaio.

Colaborou Carlos Petrocilo

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