Descrição de chapéu DeltaFolha Rio de Janeiro

Falta de segurança deixa 1 a cada 4 CEPs do Rio sem entrega dos Correios

Número de áreas bloqueadas na capital fluminense cresce 33% em 5 anos, na contramão de São Paulo; sindicalista diz que violência é constante

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O número de CEPs sem entrega domiciliar pelos Correios, em razão da falta de segurança urbana, cresceu 32,8% no Rio de Janeiro em cerca de cinco anos e, atualmente, esse tipo de restrição atinge 1 a cada 4 CEPs da capital fluminense.

Em número absolutos, os CEPs "bloqueados" na cidade maravilhosa passaram de 5.220, em 2017, para 6.934 no segundo semestre de 2023, conforme levamento feito pela Folha que envolve mais de 1 milhão de endereços em todo o país.

O Rio é a capital brasileira com a maior quantidade de CEPs com problemas na entrega domiciliar dos Correios e a 10º do ranking nacional, liderado pela cidade de São Vicente, no litoral paulista, com 62,3% de endereços sem entrega.

Polícia Federal inspeciona veículo dos Correios no Rio - Fabiano Rocha - 24.nov.2020/Agência O Globo

Somados aos locais com entrega especial, modalidade que geralmente emprega escolta armada e tem prazos maiores, o número de CEPs na cidade com alguma restrição fica em torno de 43%, de um total de 26.283 endereços na cidade.

Na contramão do Rio, a capital paulista zerou o número de endereços sem entrega domiciliar. Em 2017, São Paulo tinha 6,5% (3.616) nessa categoria, de um total de 55.646 CEPs na cidade e, agora, não há mais registro de lugares com esse tipo de bloqueio.

Como em ambas capitais o número de entregas normais é praticamente o mesmo nesses períodos, a mudança ocorre dentro das entregas especiais. No Rio, elas foram de 24% para 16,5% do total. Em SP, cresceram de 27% para 32,2%. Assim, na primeira, parte das entregas especiais virou sem entrega. E, na segunda, os endereços sem entrega passaram a ser atendidos pela entrega especial.

De acordo com análise feita pelo Instituto Fogo Cruzado e pelo Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos) da UFF, a pedido da Folha, a maioria dos endereços com restrição na capital fluminense está fora das áreas controladas pelas milícia ou por outras facções criminosas, como Comando Vermelho e ADA (Amigos dos Amigos).

São comparados nesse estudo os dados dos Correios obtidos pela reportagem e as informações do Mapa dos Grupos Armados do Rio.

"O que foi mais surpreendente para nós é que o resultado mais expressivo envolvendo ‘sem entrega’ ou ‘entrega especial’ não está exatamente relacionado com o controle territorial armado. A maior parte delas está em áreas não controladas", disse Daniel Hirata, coordenador do Instituto e do Geni.

Para o professor do Iesp/Uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Rogério Barbosa, que participou da análise dos dados, como as áreas com restrição de entrega estão em grandes blocos territoriais, nem sempre relacionados com o domínio de grupos armados, a definição dos Correios deve partir de estudos internos da empresa, como de um histórico das ações criminosas contra os Correios nessas áreas.

"Me parece que tem alguma coisa especial acontecendo no norte da zona norte, vamos dizer assim, nessa região que faz divisa com Duque de Caxias e tudo mais."

Duque de Caxias, citada pelo pesquisador, também está na lista das dez cidades com mais restrições de entregas no país. Lá, 35% dos CEPs estão sem entrega. Na mesma região metropolitana (divisa norte) estão outras duas cidades desse ranking: São João de Meriti, com 47,1%, e Mesquita, com 41,3%.

A lista das cidades fluminenses inclui ainda São Gonçalo, com 35,7% de sem entrega, município que fica mais distante desse bloco território.

O presidente do sindicato dos trabalhadores do Correios do Rio, Marcos Sant'Aguida, disse que a violência contra os funcionários é uma constante e só diminui um pouco quando a empresa cria mecanismos para dificultar a ações dos criminosos, como uso de escolta ou postos avançados de entrega.

Ainda segundo ele, o caso mais grave ocorreu em 2019, quando um trabalhador morreu a tiros, em Duque de Caxias, durante tentativa de roubo. Para ele, os CEPs bloqueados não estão em áreas dominadas porque os "donos dos morros" não permitem esse tipo de crime por lá.

"Na comunidade eles não vão fazer isso porque os traficantes não permitem. Então, são próximos das comunidades que eles agem, nas ruas paralelas. Porque aí fica mais fácil roubar e entrar na comunidade", disse.


Cidades com maior percentual sem entrega no país

  1. São Vicente (SP) - 62,3%
  2. Diadema (SP) - 59,3%
  3. São João de Meriti (RJ) - 47,1%
  4. Mesquita (RJ) - 41,3%
  5. São Gonçalo (RJ) - 35,7%
  6. Guarujá (SP) - 35,5%
  7. Duque de Caxias (RJ) - 34,7%
  8. Praia Grande (SP) - 33,9%
  9. Santos (SP) - 26,3%
  10. Rio de Janeiro (RJ) - 26,2%

Para Douglas Melo, diretor de comunicação do Sindicato dos Correios de SP, o fim dos endereços sem entrega não significa necessariamente que a segurança nessas regiões tenha melhorado para os trabalhadores. Pelo contrário, há áreas de alto risco sem escolta para acompanhá-los.

"Eu mandei até um ofício para a empresa solicitando a realização de um novo mapeamento de áreas de risco, onde tem maior incidência de assaltos. E se essa região não tiver escolta armada, que a empresa faça entrega interna. Daqui a pouco vai acontecer uma tragédia", disse o diretor.

Entrega depende de segurança do poder público, diz empresa

Segundo os Correios, para que a entrega de encomendas e cartas seja realizada, é necessário que o poder público local garanta as condições de segurança. Em locais sem essas condições, a empresa afirma que tem buscado alternativas para realizar essas entregas sem arriscar a segurança do seu pessoal.

"Existem CEPs com entrega normal, entrega diferenciada e entrega interna. Mudanças na classificação dos CEPs ocorrem, já que os Correios realizam avaliação dessa classificação trimestralmente e, em casos pontuais, rotineiramente", diz nota enviada à reportagem.

Ainda segundo a empresa, as avaliações de risco são feitas com base em uma metodologia vinculada diretamente à situação da segurança pública local. "Por se tratar de assunto relacionado à segurança, assim como outras empresas, os Correios não detalham esses critérios."

Em 2023, os Correios dizem estar investindo R$ 200 milhões em recursos de segurança como escolta armada, câmeras e vigilantes em todo o Brasil. "Com relação às medidas defensivas, são ações como escolta armada, entrega interna, entrega em dupla, monitoramento de veículos e gerenciamento de riscos."

"Ressaltamos que o número de CEPs em questão representa apenas uma pequena parte do total do país, que possui mais de um milhão de CEPs cadastrados no Diretório Nacional de Endereços (DNE)."

A Secretaria de Estado de Polícia Militar do Rio de Janeiro informou que as ações da corporação são pautadas por indicadores como dados estatísticos, avaliação da área de inteligência e planejamento prévio. "As forças de segurança atuam em regiões com grande concentração de criminosos, inclusive de outros estados, que atuam na prática de roubos de cargas e veículos, gerando prejuízo à população."

Segundo a pasta da gestão Cláudio Castro (PL), na zona norte da capital fluminense houve uma redução de 19,21% nos índices de roubos de cargas, "na comparação entre os meses de janeiro e agosto deste ano, com o mesmo período do ano passado".

Ainda segundo a pasta, para aumentar sensação de segurança da população, a corporação tem ampliado o policiamento especializado em várias regiões, com a região da zona norte e nas vias expressas, como a avenida Brasil e a Linha Amarela.

"Além disso, o comando da Corporação, com apoio do Governo do Estado, tem investido amplamente em tecnologia, logística e treinamento contínuo da tropa para ampliar a segurança do policial militar em sua atuação e da população."

A Secretaria da Segurança Pública paulista informa que as forças de segurança atuam diariamente para combater a criminalidade em todo o estado sem qualquer restrição de área ou local onde precise entrar e agir." O policiamento segue reforçado em toda a Baixada Santista por meio da Operação Impacto Litoral, com reforço do efetivo para combater a criminalidade, afirma a pasta da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos).

"A Polícia Militar realiza ações de patrulhamento, fiscalização e resposta a ocorrências constantes, desempenhando um papel importante ao auxiliar no processo de entrega de encomendas até as residências das pessoas. A presença e vigilância da PM nas áreas urbanas contribuem para a segurança dos entregadores e, consequentemente, para o efetivo transporte das mercadorias."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.