Assassinatos e estupros de mulheres na Amazônia Legal superam média nacional e desafiam combate

Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indica alta de 30% em relação ao resto do país

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São Paulo

A taxa de mortes violentas de mulheres na Amazônia Legal superou em 34% a média nacional em 2022. A região composta por nove estados tem 5,2 casos a cada 100 mil mulheres, e o índice para todo o Brasil chegou a 3,9 a cada 100 mil.

Os registros de estupro também foram mais numerosos, com 49,4 vítimas para cada 100 mil pessoas, 33,8% a mais do que a média nacional.

No total de mortes violentas intencionais, a taxa na região registrou uma diferença ainda maior, de 45%. Foram 33,8 mortes a cada 100 mil pessoas, contra 23,3 na média do país. Em municípios considerados urbanos, a taxa na Amazônia Legal atinge 35,1 mortes a cada 100 mil habitantes.

É o que mostram dados do estudo Cartografias da Violência na Amazônia, feito em parceria entre o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto Mãe Crioula e divulgado nesta quinta-feira (30). O material será apresentado na COP28, em Dubai.

A categoria mortes violentas intencionais corresponde à soma das vítimas de homicídio doloso (incluindo os feminicídios), latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora.

mulher fotografada de costas (só é possível ver o tronco) e, ao fundo, vegetação. não é possível identificá-la cabeça e
Alta de feminicídios e estupros desafia combate a crimes contra a mulher na Amazônia Legal - Mathilde Missioneiro - 5.nov.2021/Folhapress

A Amazônia Legal é composta por Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. As unidades que lideram a lista de homicídios são Rondônia, com 11,1 mortes a cada 100 mil mulheres, Roraima (10,4) e Amapá (6).

Segundo o relatório, as raízes da violência contra a mulher na região remontam às diferentes frentes de exploração da Amazônia, como borracha e garimpo.

O documento mostra que a ocupação do território, historicamente violenta, era predominantemente masculina, e ganhou um reforço no começo do século 20. A presença de mulheres estava ligada a funções auxiliares, como cozinhar para os homens, ou à exploração sexual, o que pode indicar um histórico violento construído junto com a própria colonização.

O modelo de extrativismo, de acordo com pesquisadores, está baseado na ideia de que o homem se desloca para um local, extrai os recursos de que precisa e volta para o lar e a família.

Atualmente, o maior desafio é formar redes de proteção que consigam proteger mulheres em um território vasto e de desafios logísticos para políticas de prevenção e atendimento.

A pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Betina Barros aponta que não é possível fazer relações diretas de causa e efeito para o problema de violência e criminalidade, mas destaca algumas hipóteses a partir dos dados.

"Quando olhamos as redes de proteção numa região como a Amazônia Legal, percebemos que muitas mulheres vítimas de violência estão interiorizadas, num espaço de difícil acesso. São comunidades que, em tempos de chuva, não há rodovia, precisa-se de embarcação, de aeronave. É uma rede menos acessível."

Já a taxa de mortes violentas intencionais contra contra indígenas é 11% mais alta na Amazônia Legal do que a média nacional, com 13,1 mortes a cada 100 mil indígenas, segundo informações do Datasus, do Ministério da Saúde reunidas no estudo. O que pode estar por trás do problema é a disputa tão antiga quanto atual de fronteiras econômicas.

"Temos terras demarcadas que não são respeitadas, estímulo de governos locais que acabam por sabotar processos de demarcação. Muita terra na Amazônia é irregular, com processo de grilagem em curso. Há exploração agropecuária e mineral, e isso leva a conflitos. E quem está nesses espaços? Indígenas, além de ribeirinhos e quilombolas", afirma Rodrigo Chagas, pesquisador sênior do Fórum.

Segundo o Censo de 2022, 51% dos 1,7 milhão de indígenas brasileiros vivem na região.

Os especialistas destacam que as mudanças na dinâmica do crime na Amazônia, com maior presença de facções de tráfico de drogas, agravam a violência contra grupos minoritários.

"A análise de assassinatos não pode descartar a presença de organizações criminosas nesses territórios. O aumento no número geral de mortes impacta, obviamente, no assassinato de mulheres que estão nessas disputas, seja por vínculos familiares ou por atuação direta no tráfico de drogas", diz Betina.

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