Datafolha: 6 em 10 se acham atraentes; homens pretos têm maior índice, e mulheres pretas, o menor

Pesquisa aponta que maior variação acontece quando se analisa recorte de gênero e de cor de pele

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São Paulo

Seis em cada dez brasileiros afirmam que se consideram atraentes. É o que aponta a pesquisa Datafolha sobre os efeitos do racismo nos relacionamentos amorosos e nas amizades. Outros 33% dos entrevistados afirmaram que não se consideram atraentes, e 5% das pessoas disseram não saber.

A pesquisa Datafolha é inédita e faz parte da série Afeto em Preto e Branco. Foram entrevistadas presencialmente 2.005 pessoas, com 16 anos ou mais, em 111 municípios de todas as regiões do país. O levantamento foi realizado de 9 a 17 de outubro de 2023 e tem margem de erro geral de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

O levantamento já apresentou dados sobre relacionamentos inter-raciais e sobre a influência da cor de pele nas relações.

Quando analisada apenas a cor da pele, os índices variam pouco: 64% dos entrevistados autodeclarados pretos disseram que são atraentes. Entre os brancos, foram também 64%, e entre os pardos, 62%.

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Jornalista e empreendedor Djalma Campos, 52, morador em São Paulo; construção da sua autoimagem positiva passou por um longo processo após sofrer racismo na infância - Julia Rodrigues/arquivo pessoal

As diferenças mais acentuadas surgem quando é feito o recorte por gênero. Os homens pretos são o destaque e apresentam o maior percentual: 72% deles dizem se sentir atraentes, enquanto 25% não se consideram. Homens brancos (65%) e pardos (64%) aparecem na sequência de aprovação da própria imagem.

As mulheres brancas registram 63% com respostas afirmativas sobre se sentirem atraentes. Entre as autodeclaradas pardas, o índice cai para 60%, e entre as mulheres pretas, 58%.

Nesses estratos, a margem de erro varia de 4 a 8 pontos percentuais para mais ou para menos.

O jornalista e empreendedor Djalma Campos, 52, morador de São Paulo, é um desses homens pretos que atualmente se sentem atraentes e bonitos. Mas nem sempre foi assim.

"Até o começo da adolescência, eu não me considerava um garoto bonito e muito menos atraente. Toda a atenção do meu período de adolescência estava direcionada para as pessoas brancas, tanto na escola quanto na rua onde eu morava", conta.

Na percepção dele, nos anos 1980 e 1990, a sociedade era ainda mais racista que hoje em dia. Uma colega de turma, diz, passou a demonstrar interesse e a conversar depois da aula. Mas as palavras dela nunca saíram de sua cabeça.

"Um dia, numa rua ao lado da escola, ela se sentou ao meu lado, me beijou no rosto e disse que não poderia ser vista comigo. Falou que os negros eram considerados pessoas feias. Nunca esqueci o nome dela. Mas o tempo ajudou a desbotar esta história. O país não via a gente como pessoas bonitas. Negros retintos como eu eram sinônimo de feiura e também de pessoas violentas", afirma Campos.

O ponto de virada para a construção de uma autoestima positiva também se deu na adolescência quando passou a ser o DJ das festas dos colegas. Começou a ler livros sobre negritude, ver filmes com pessoas negras e a ouvir músicas com essa temática.

"Nas festas de família, os discos e músicas de Jorge Ben e Fundo de Quintal funcionavam como pílulas de fortalecimento da autoestima. Nunca tinha escutado tão claramente uma música falando que negro era lindo, como ouvi na voz de Jorge Ben", relembra.

Os irmãos começaram a se formar em boas universidades e isso também ajudou no processo, segundo Campos.

"Com mais conhecimento e com pessoas para me espelhar, a minha autoestima despertou para sempre. Quanto mais eu aprendia sobre minha história, mais bonito eu me sentia. Hoje, creio que consegui passar para meus filhos, de 14 e 16 anos, elementos que os tornaram negros com uma força de autoestima intensa, que eu mesmo demorei para encontrar. Mas, os dois parecem já ter nascido com o 'chip' de autoestima embutido em suas cabeças", afirma.

Luciene Lacerda, psicóloga aposentada da UFRJ, criadora da campanha 21 Dias de Ativismo contra o Racismo, cocriadora do Neabi (Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas) na UFRJ e doutoranda em Educação na UFRJ, diz que a mudança que se vê na autoestima parte de um reforço positivo.

"É um reforço positivo contínuo que se fez, muito por parte do movimento negro, muito de quem considerava que a democracia neste país, de fato, deveria acontecer, que é legitimar todas as pessoas e raças do país", explica.

Segundo ela, na década de 1990, muitas pessoas davam aos filhos nomes africanos.

"Para reforçar a história, para reforçar de onde nós viemos. O meu filho, por exemplo, se chama Luan Tambo. Luan é um nome indígena que quer dizer o guerreiro da Lua e, em iorubá, quer dizer o que vem do Sol. E o Tambo, em mali, quer dizer terra. Então, essa é uma constante que se fez ao longo desse tempo, de reforçar a história", diz.

Para a psicóloga, sempre que aparece no dia da Consciência Negra o símbolo de um escravizado com algemas, há de novo o reforço de que ele veio da escravização e não da África, e não de uma cultura que já estava estabelecida, que formou tantas pessoas.

"Antigamente, os desenhos de pessoas negras eram todos com várias distorções, que não pareciam pessoas. E hoje em dia, há o reforço de que os livros escolares não podem reforçar o racismo. O racismo não tenta só fragilizar a subjetividade de uma pessoa negra, mas também dá um reforço para pessoas não negras de algum tipo de hierarquia como ser humano", afirma Lacerda.

"Essas questões que envolvem as campanhas publicitárias, os livros, por exemplo, elas reforçam o tempo todo para todo mundo, e não só para pessoas negras, de fato, quem são. Essas questões de valorização não servem só para as pessoas negras, servem para uma sociedade democrática e longe de discriminações", avalia.

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