Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Milícias recorrem a criptomoeda, manicure e reciclagem para lavar dinheiro do crime

Homem ligado a miliciano fez operação de R$ 168 milhões em bitcoin, aponta polícia do RJ

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Rio de Janeiro

Investigações da Polícia Civil fluminense apontam que as milícias que atuam no Rio de Janeiro têm recorrido cada vez mais ao uso de criptomoedas para lavar o dinheiro obtido com extorsões e outras atividades criminosas.

Além disso, os grupos também têm usado aplicativos e serviços online para mascarar a origem de seus bens, segundo os agentes.

"Apuramos outras tipologias de lavagem, entre elas a contratação de serviço de manicure por aplicativo na zona sul do Rio, por exemplo, serviços de beleza express. Uma empresa pode afirmar que que fez 50, 100 unhas em um dia, sem comprovar. Reciclagem de lixo também", disse a delegada Ana Paula de Faria, que atuou no combate à lavagem.

Ainda de acordo com ela, o miliciano costuma abrir empresas para tentar lavar o dinheiro. "Ele quer ser visto como um empresário pela sociedade, não como um criminoso."

Com a mudança, áreas antes mais usadas para esse objetivo perderam espaço. Entre outras opções, a lista inclui a abertura de lojas, a compra de produtos de luxo —como quadros e cavalos— e o envio ilegal de dinheiro para o exterior, o chamado dólar-cabo.

Exatamente por ter substituído esta modalidade, o uso de criptomoeda pelas milícias ganhou o apelido de cripto-cabo. Para os investigadores, essa nova categoria começou a ser usada pelos grupos criminosos fluminenses ainda de forma incipiente há cinco anos.

Os indícios do uso de lavagem de dinheiro via criptoativos por parte dos milicianos aparece em desdobramentos de investigações sobre a morte da vereadora Marielle Franco (Psol) e do seu motorista Anderson Gomes, mortos em 2018.

Na ocasião, a polícia investigava a possível participação de milicianos das comunidades de Muzema e de Rio das Pedras, ambas na zona oeste carioca, nos assassinatos. Os agentes descobriram então que os criminosos tinham colocado R$ 2 milhões em uma empresa que investia em bitcoins.

Além das milícias, outras facções criminosas também utilizam os criptoativos para lavar o dinheiro de atividades ilegais. O Ministério Público de São Paulo, por exemplo, aponta que o PCC já movimentou mais de R$ 100 milhões dessa forma.

Responsável por implementar o Núcleo de Operações com Criptoativos da Coordenação Geral de Combate ao Crime Organizado do Ministério da Justiça, o delegado Vytautas Zumas considera que essa modalidade oferece vantagens para os criminosos.

"No chamado cripto-cabo, com o uso de criptoativos, basta um telefone e internet para realizar uma remessa além das fronteiras", afirma ele.

Para Zumas, falta capacitação para os policiais entenderem melhor o sistema que possibilita o uso de criptomoedas ."O sistema de moedas virtuais é hoje mais utilizado por criminosos para o dinheiro ilícito. Eles conseguem a qualquer hora realizar uma transferência imediata para uma pessoa que esteja em qualquer lugar do mundo, de forma direta, sem a intermediação de uma instituição financeira."

Suspeito de milícia faz transferência de bitcoin
Suspeito de milícia faz transferência de bitcoin e envia print a Tandera, um dos chefes da milícia, de acordo com Promotoria - Reprodução/Promotoria

A Abcripto (Associação Brasileira de Criptomoeda) disse que "a criptoeconomia é tão segura que, de todo o volume transacionado em criptoativos no mundo, estamos falando de um índice de menos de 1% que é usado ilicitamente –isso é muito menos do que o petróleo e outros ativos, por exemplo".

A associação afirma também que há leis que regulamentam o setor. "A lei dispõe de mecanismos, dispositivos e punições no combate à prática de crimes com criptoativos, incluindo lavagem de dinheiro e pirâmides financeiras", afirmou.

No Rio, a delegacia de lavagem de capitais foi criada em 2019. Desde 2021, ela já solicitou o bloqueio na Justiça de R$ 229 milhões que pertenciam a milicianos. Em um desses casos, um dos suspeitos teria movimentado R$ 93 milhões por meio de criptoativo.

As contas pertencem a Cléber Oliveira da Silva, que foi preso em junho. De acordo com a polícia, ele seria o responsável por lavar o dinheiro de Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, apontado como o líder da maior milícia do Rio.

Leonella Vieira, advogada de Zinho, nega o envolvimento do cliente no caso. O advogado de Silva não quis falar com a reportagem.

Silva declarou ter quadruplicado a renda de uma rede de postos de gasolina na pandemia —época em que havia redução da mobilidade urbana e unidades fecharam. O processo está sob sigilo.

Além disso, as notas fiscais teriam indicado que a venda a supostos clientes de combustível foi superior aos valores adquiridos pelos postos.

A modalidade também teria sido utilizada também por Marcelos Morais dos Santos, de acordo com a Promotoria do Rio. Ele é suspeito de ser o operador financeiro de Danilo Dias Lima, o Tandera, principal rival de Zinho pelo controle das milícias no Rio, segundo a polícia.

Santos atualmente está foragido, e o processo está em sigilo. A Folha não conseguiu contatar a defesa de nenhum dos dois suspeitos.

Segundo o Ministério Público, Santos abriu uma empresa em 2018 para receber o dinheiro obtido pela milícias com extorsões. Comprovantes mostrariam que entre setembro de 2022 e março de 2023 foram remetidos ao menos R$ 168 milhões dessa empresa para operações no mercado de bitcoins.

Em uma filmagem feita pela polícia, Santos foi flagrado em abril de 2020 em uma reunião entre líderes milicianos, entre eles Tandera, armado com um fuzil, e pré-candidatos à prefeitura de Nova Iguaçu, Queimados e Seropédica —todos municípios da Baixada Fluminense, área com forte presença das milícias.

Sem mandado de prisão na época, Santos divulgou uma nota dizendo que havia sido coagido a comparecer.


Série de reportagens da Folha descortina o poder das milícias no RJ

Por dois meses, a reportagem da Folha percorreu 60 áreas da zona oeste do Rio de Janeiro e da Baixada Fluminense perguntando a moradores e comerciantes se queriam falar sobre os milicianos. Mais de 130 entrevistas foram realizadas, incluindo especialistas e moradores. O resultado está na série de reportagens Milícia no RJ.

As reportagens mostram como esses grupos criminosos se mantêm, com relatos de extorsões sofridas por empresários, vassoureiros e prostitutas.

A repórter Bruna Fantti também explica como ocorreu a união da milícia com o tráfico e por que as áreas controladas por esses grupos lideram a expulsão de moradores de suas residências, entre outros temas.

A série retrata ainda outras vítimas da milícia, como mães que perderam filhos e mulheres que ficaram viúvas de criminosos por terem seus maridos mortos em disputas por território.

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