As cores da bandeira do reggae ganham o bairro Rua Nova, quilombo urbano de Feira de Santana (BA), a 100 km de Salvador. Na comunidade considerada berço do ritmo na cidade, gerações de meninos e meninas aprenderam a tocar instrumentos e dançar nos projetos sociais mantidos pelo músico Jorge de Angélica.
Jorge Rodrigues nasceu no bairro Kalilândia. Passou os primeiros anos de vida em uma chácara em que a mãe trabalhava. Já adolescente, se mudou com a família para Rua Nova, onde aprendeu a tocar percussão nas casas de terreiro do bairro e teve os primeiros contatos com a arte.
Aos 13 anos, fundou o primeiro afoxé da cidade, Pomba de Malê. Pelo grupo, passaram centenas de crianças e jovens que aprenderam a cantar e tocar percussão. "A Rua Nova tem energia, atabaques e agogôs", diz a canção.
O nome artístico em homenagem à mãe, a líder religiosa Ana Maria Angélica, veio com sua inserção no reggae. Sua primeira banda foi a Gana, aos 16, em parceria com o músico Dionorina. Depois, a dupla se uniu a Dilsan e lançaram a Trilogia do Reggae, gravando CDs e saindo em turnês pelo país.
"O povo o chamava de louco", afirma a filha Jocilene Souza de Araújo, 26, a cantora Jôh Ras.
Em mais de quatro décadas de carreira, Jorge de Angélica cantou sobre paz, amor e problemas sociais. Mesmo sem saber ler e escrever, compôs músicas expondo o que vivenciou nas comunidades periféricas. "Eu não canto, eu lamento", dizia.
Na micareta da cidade, era atração indispensável. Comandava um trio elétrico durante mais de oito horas, cantando sem parar. "Era impressionante. Pulava de um lado pro outro, não parava e não ficava rouco", afirma a filha. O artista também se apresentou no Carnaval de Salvador e fez turnês por estados como São Paulo e Amazonas.
Era comum ver uma roda de crianças ao seu redor, aprendendo a tocar ou escutando ensinamentos. Nos últimos anos, manteve o projeto "Mão Angelical Jesus com Gente", que oferecia aulas de violão, dança e capoeira.
Sem histórico de doenças e uma vida ativa, Jorge de Angélica morreu no dia 30 de outubro, aos 64 anos, vítima de insuficiência renal. Seu velório foi embalado por um coral de fãs e amigos cantando "o negro do Pomba quando sai da Rua Nova, ele traz na cinta uma cobra coral", trecho de uma de suas músicas.
Jorge deixa fãs, alunos, a esposa Dalva, 76, a mãe Angélica, 89, e a filha Jôh. "O bairro ficou com um vazio", diz a filha.
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