Descrição de chapéu Obituário Dora Burd Pascowitch (1927 - 2023)

Mortes: Livre, sempre foi meio despreocupada com tudo e com todos

Dora Burd Pascowitch viveu muitas histórias engraçadas e inusitadas

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Joyce Pascowitch
São Paulo

Dorinha sempre foi do barulho. Desde que eu a conheci, quando nasci, sempre foi irreverente, engraçada meio despreocupada com tudo e com todos. Mãe de quatro filhos, ela se casou cedo com meu pai, Bernardo Leão, e levava uma vida de princesa, com roupas elegantes, viagens etc. e tal.

Os quatro filhos estudavam no Colégio Rio Branco, tinham aulas particulares de inglês, francês, piano, as meninas, de balé, meu irmão, judô, história da arte, de tudo. Dias ocupados, férias em Guarujá e no Rio, aquelas coisas daqueles tempos.

Sempre que a gente chegava a algum hotel eu percebia na hora de preencher a ficha na recepção que minha mãe nunca mudava de idade: tinha sempre 35 anos. A vida inteira. Como profissão ela colocava pianista, apesar de nunca ter sido uma, mas tocava um pouco e devia achar que isso era chique. Ela gostava disso.

Dora Burd Pascowitch (1927 - 2023)
Dora Burd Pascowitch (1927 - 2023) - Arquivo pessoal

Conforme crescíamos, acostumamos a receber elogios por causa do jeito da minha mãe, da maneira como encarava o mundo, como lidava com as pessoas. Nunca se formou em uma universidade, mas se gabava de ter sido eleita miss Rio Pardo, aquela pequena cidade no Rio Grande do Sul onde nasceu e onde meus avós moravam antes de virem para São Paulo.

Minha mãe estudou no Instituto de Educação em Porto Alegre, era bastante namoradeira, bonita, e quando conheceu meu pai, também gaúcho do Rio Grande, decidiu que era com ele que se casaria. Sempre foi dona de seu nariz e acho também que sempre acabou fazendo o que quis.

Dorinha ficou viúva muito cedo, em 1980, antes de completar 53 anos. Quando ela tinha alguma briga com meu pai ou desconfiava de alguma coisa, ela ia a alguma joalheria famosa, comprava alguma coisa bem cara e mandava a conta para ele pagar. Segundo minha irmã Suzana, ela depois convocava os quatro filhos para explicar o que estava acontecendo. Eu, sinceramente, não me lembro de nenhuma vez, mas não costumo lembrar de nada mesmo.

Mas das coisas engraçadas, irreverentes, inusitadas, dessas sempre me lembro. Como uma vez que ela foi fazer compras na Casa Santa Luzia, num sábado de manhã, e quando seu genro Moshe, meu cunhado, que ela considerava como filho, encontrou com ela e falou: "Dona Dora, você saiu assim de casa?" Ela não tinha se dado conta de que estava com uma máscara de beleza no rosto, um creme espesso branco e que ninguém tinha ousado falar isso para ela, nem os porteiros do prédio dela nem os vendedores ou gerente do Santa Luzia.

Dorinha era sedutora e só gostava de se consultar com médicos que fossem bonitos. Critério no mínimo inusitado. Nos últimos tempos, ela foi internada algumas vezes no hospital Albert Einstein por causa de infecções urinárias, comuns nessa idade avançada. Na última internação, no início de novembro, acabou não conseguindo voltar para casa e para os nossos almoços de domingo em família, uma verdadeira festa onde tinha que levantar a mão para pedir licença para falar, de tanta conversa cruzada.

Eu por aqui já estou com muita saudade e sei que meus irmãos Suzy, Betty e José, Moshe, meu cunhado, Celina, minha cunhada, meus sobrinhos Roberta, Daniela, Débora, Bernardo, Daniel e a bisneta dela, Bruna, também estamos sentindo muito sua falta. O bom disso é que ela passou muito tempo conosco, partiu aos 96 anos. E o triste é que foi tão engraçado, tão inusitado, tão gostoso que a saudade fica ainda maior.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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