Descrição de chapéu violência

Apenas 1 a cada 3 homicídios foi esclarecido no Brasil, aponta estudo

Pesquisa do Instituto Sou da Paz revela que MG e PR têm as maiores taxas de esclarecimento dessas mortes enquanto BA e RN têm as piores

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São Paulo

Se a impunidade é combustível para a prática de crimes, o Brasil tem tudo para manter sua liderança global em números absolutos de homicídios, como apontou relatório da ONU divulgado na semana passada.

Isso porque, em média, apenas 1 de cada 3 homicídios ocorridos no Brasil entre 2015 e 2021 foi esclarecido, de acordo com estudo inédito do Instituto Sou da Paz.

Cruzes fincadas em frente ao Congresso, em Brasília, por ativistas para protestar contra assassinatos na Amazônia
Cruzes fincadas em frente ao Congresso, em Brasília, por ativistas para protestar contra assassinatos na Amazônia - Pedro Ladeira - 21.nov.17/Folhapress

Intitulado "Onde Mora a Impunidade?", o estudo mostra que, em 2021, foram esclarecidos 35% dos 40.240 homicídios dolosos (aqueles com a intenção de matar) ocorridos no Brasil. Em 2015, foram elucidados 32% dos 52.463 homicídios do país.

Os melhores resultados em esclarecimento das mortes ocorridas em 2021 estão em Minas Gerais e no Paraná, ambos com taxa de 76% de elucidação. No outro extremo, com os piores resultados, estão os estados da Bahia e do Rio Grande do Norte, que esclareceram, respectivamente, 15% e 9% de seus homicídios de 2021.

"Quando o Estado não investiga de forma correta e não responsabiliza os autores de uma morte, dá o recado de que esses crimes não são importantes. Isso é um incentivo para que eles continuem acontecendo", explica a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo.

Segundo ela, esclarecer os homicídios é essencial para que a população brasileira confie na segurança pública e no sistema de Justiça. "Quando o Estado não dá resposta, a sociedade perde a confiança nas instituições, lançando mão, muitas vezes, de formas não republicanas de resolução de conflitos."

Ela se refere a práticas como o linchamento —que mais que dobrou no estado de São Paulo entre 2020 e 2021— e o justiçamento, expresso em casos como o do grupo de moradores de Copacabana, no Rio, que passaram a se organizar para caçar supostos criminosos.

Com a terceira maior população prisional do planeta, o Brasil tem 642.638 pessoas presas em regime fechado, das quais 11% estão atrás das grades por causa de homicídios. A maioria dos presos do país foi acusada de crimes contra o patrimônio (40%) ou por aqueles relacionados a drogas ilícitas (21%).

"A literatura em criminologia aponta que uma das ações mais eficazes na redução de homicídios é prender os homicidas. Mas esse entendimento não está consolidado na cabeça dos policiais nem dos governadores", afirma Arthur Trindade, professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal. "A roda dessa história só vai se mover no Brasil quando tivermos um índice nacional de resolução de homicídios."

Trindade explica que as informações sobre homicídios estão divididas em sistemas de dados de três instituições diferentes: a Polícia Civil, que investiga a autoria dos assassinatos, o Ministério Público, que denuncia quem foi apontado pelas investigações como autor, e o Tribunal de Justiça, que julga os casos.

"Essas instituições são como três planetas distintos, que só vão se alinhar se houver um esforço coordenado, o que nunca aconteceu", critica ele.

A Polícia Civil do Rio Grande do Norte, pior estado em esclarecimento de homicídios segundo o estudo, disse que passa por uma reestruturação, com aumento de efetivo e aquisição de equipamentos. A nota afirma também que as polícias civis dos estados se articulam para a criação de um Índice Nacional de Elucidação de Homicídios.

Já a Polícia Civil da Bahia afirmou que passa por uma reestruturação."Investigações de homicídios seguem em constante avanço e aperfeiçoamento", disse a nota.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública afirmou que a redução de mortes violentas intencionais é um assunto prioritário, e que destina 80% dos repasses para ações que combatem esse tipo de crime. Procurados, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não responderam.

Para José Luiz Ratton, professor do departamento de sociologia da UFPE (Universidade Federal do Pernambuco), falta coordenação do trabalho policial com estratégias de segurança dos estados e do governo federal.

Ratton foi responsável por um plano de redução de homicídios, o Pacto Pela Vida, que derrubou as taxas pernambucanas em 33% entre 2008 e 2013.

"Não é possível pensar que o país tenha 40 mil homicídios ao ano e não tenha como estratégia central prevenir e dissuadir homicídios. É preciso qualificar os dados sobre isso e incorporar o que tem de mais contemporâneo em termos de integração dos sistemas."

Para calcular as taxas de esclarecimento de homicídios referentes a crimes ocorridos em 2020 e em 2021, o Sou da Paz solicitou aos Ministérios Públicos e Tribunais de Justiça de todos os estados, via Lei de Acesso à Informação, dados sobre a ocorrência de homicídios dolosos que geraram denúncias criminais no mesmo ano do crime ou no ano seguinte.

Das 27 unidades da federação, 11 enviaram dados incompletos para os crimes ocorridos em 2021, e ficaram de fora do estudo. "Estamos melhorando a coleta de dados de elucidação, mas não sua transparência. Essa é uma produção da informação para fins burocráticos, sem se pensar efetivamente na qualidade do monitoramento e do acompanhamento dos casos", avalia Ludmila Ribeiro, pesquisadora do Crisp (Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública) da Universidade Federal de Minas Gerais.

Para o delegado Rodolfo Laterza, presidente da Adepol (Associação dos Delegados de Polícia do Brasil), é impreciso medir a efetividade do trabalho policial de investigação a partir das denúncias oferecidas pela Promotoria. "Muitas vezes, o inquérito é encaminhado para o Ministério Público com resolutividade, mas o Ministério Público, por inúmeras razões, não oferece a denúncia."

No período analisado, de 2015 a 2021, o número total de homicídios caiu 23%. Mas isso não aumentou a proporção de casos solucionados. "O que a literatura internacional mostra é que, quando se tem mais homicídios, fica mais difícil de elucidar os casos porque é preciso dividir esforços", aponta a pesquisadora da UFMG.

Para ela, Minas Gerais conseguiu um bom desempenho no levantamento graças a um modelo de gestão de dados implementado pela Polícia Civil que direciona maiores esforços aos casos considerados mais difíceis.

Segundo Trindade, há homicídios mais fáceis de resolver, em que a autoria é mais facilmente identificável. "A dificuldade da polícia, nestes casos, é operacional: chegar o mais rápido possível nas informações enquanto as provas estão quentes e as pessoas, dispostas a cooperar."

A série histórica do índice do Sou da Paz mostra que 2 a cada 3 homicídios esclarecidos foram elucidados no mesmo ano da morte.

Outros homicídios, diz ele, são de difícil elucidação. Em geral, são aqueles em que vítima e autor não se conheciam e, em grande parte, aqueles ligados a facções criminosas e a mercados ilícitos.

"É difícil investigar esses homicídios porque há pressão nos territórios dominados por facções para que a informação não circule", explica Ratton.

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