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Lagoa onde mina rompeu está poluída, mas ainda tem papel importante na Grande Maceió

Complexo lagunar banha vários municípios e era habitat natural do sururu, molusco típico de Alagoas

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Maceió

O complexo lagunar Mundaú-Manguaba é elemento central na geografia, cultura, economia e história da região metropolitana de Maceió.

Embora viva um processo de décadas de degradação e crescente poluição, é dele —ou do entorno dele— que milhares de pessoas ainda tiram seus sustentos.

Sua importância vai além da economia, contudo. Essas lagoas compõem boa parte da matriz cultural do estado batizado, afinal, em homenagem a essas formações geográficas.

Com o rompimento da mina 18 sob a lagoa Mundaú, no domingo (10), as águas tendem a ficar altamente salinizadas —desequilíbrio que põe em risco a fauna local, que faz parte do patrimônio imaterial do estado.

Dois pescadores em um barco na lagoa Mundaú
Com o desabamento da mina 18 da Braskem na lagoa Mundaú, a água pode ficar muito salgada, matando sururus e peixes, tirando o sustento dos pescadores - Josué Sexias - 6.dez.23/Folhapress

Pode haver ainda outros impactos, mas eles só devem ser conhecidos nos próximos meses, à medida que técnicos e cientistas realizam os devidos estudos.

O complexo lagunar é formado pelas grandes lagoas Mundaú e Manguaba, unidas por um estreito e sinuoso curso d’água. No meio desse rio que as une há o encontro com o mar. Por isso, a água salgada do oceano penetra nas lagoas de forma comedida, em doses naturalmente controladas pela geografia do local.

Ao banhar-se nas áreas próximas a essa intersecção, é possível perceber claramente essa condição específica. A água não é salgada como a do mar, tampouco doce como a do rio.

O sururu, patrimônio imaterial de Alagoas e alimento símbolo de Maceió, depende deste ambiente equilibrado para se reproduzir. É por isso que abundava na região.

Não mais. Há alguns anos o sururu escasseou-se. Chegou a sumir da lagoa por um tempo. Depois começou a aparecer um sururu diferente, com casca disforme e carne anêmica, sem seu amarelo característico. A Braskem nega que isso tenha relação com os problemas descobertos na atividade de mineração da empresa na região. Sabe-se, contudo, que a mineração da companhia se baseia na extração de sal-gema, e que o equilíbrio da salinidade das lagoas é fator determinante para a existência do sururu.

Agora, com o rompimento da mina e a provável salinização excessiva da lagoa, especialistas já alertam para uma possível extinção do sururu no local —o que deverá ser confirmado ou não nos próximos meses.
Não é à toa que o molusco é oficialmente um patrimônio imaterial de Alagoas. Era alimento das massas e permeava o imaginário do povo.

Até poucos anos atrás, o quilo não passava dos R$ 10. Era comida de boteco. Caldinho de sururu, fritada de sururu, sururu no coco, sururu de capote… De todo jeito come-se o molusco.

Dos botecos, ganhou a cultura. "Sururu de Capote", composição de Djavan para homenagear Maceió. "Manifesto Sururu", proposta antropofágica da cultura local. "Mostra Sururu", principal evento cinematográfico do estado.

Hoje, contudo, o sururu em Maceió está mais caro do que camarão e é vendido por cerca de R$ 40 o quilo. Com a escassez na Mundaú, é preciso trazê-lo da pequena lagoa de Roteiro, no município de mesmo nome, a 50 km de Maceió.

Virou comida de turista, iguaria à qual a população alagoana de baixa renda não tem mais acesso. Um patrimônio extraído do seu povo e entregue a quem puder pagar por ele.

Mas o processo de degradação do estuário vai além da possível extinção do sururu e de outros peixes e mariscos —como o siri de coral, outrora consumido aos montes e hoje vendido a preços proibitivos.

O complexo lagunar banha vários municípios da região metropolitana, como Coqueiro Seco e a histórica Marechal Deodoro, cidade natal do proclamador da República e primeira capital de Alagoas.

Por onde passam, as lagoas levam consigo importantes progressos econômicos, que provêm da pesca ou do turismo, além de carregarem componentes afetivos.

O entardecer na lagoa —na margem da qual há diversos restaurantes que lotam de locais e turistas— é dos espetáculos naturais mais bonitos que Maceió tem a oferecer. O sol serena no horizonte, abranda sua luz sobre os coqueiros, alaranja os bancos de areia, escurece os manguezais e esparrama seu reflexo nas águas sinuosas. Põe-se.

Assim, o descaso no complexo lagunar Mundaú-Manguaba é mais uma ameaça socioambiental e cultural enfrentada pelas populações locais.

Não se pode creditar à mineração toda a derrocada do ecossistema lagunar, há décadas castigado por várias formas de poluição.

Mas o despejo de cloreto de sódio oriundo do rompimento da mina 18 da Braskem é mais um golpe no combalido complexo. É difícil prever exatamente o quanto das lagoas pode ser afetado por esses sedimentos.

O que se sabe é que essa crise continua a extrair do povo alagoano alguns elementos definidores da sua cultura. Primeiro foram-se os bairros de Bebedouro, Mutange, Pinheiro e Bom Parto, com suas ricas histórias. Agora, arrasada a terra, contaminam também a água, tornando-a potencialmente infértil —de sururu, de vida e de cultura.

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