Descrição de chapéu carro elétrico

Mineradora busca lítio em área de reserva estratégica de água de SP

Sob temor de impacto ambiental, Rio Tinto conduz pesquisa sobre matéria-prima das baterias de celular e carro elétrico

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Imagem mostra um grande lago com braços de terra arborizados

Reservatório Cachoeira do França, em Juquitiba, que integra o Sistema São Lourenço da Sabesp Zanone Fraissat/Folhapress

Juquitiba (SP)

É seguindo o barulho das cachoeiras que se encontra o ribeirão escondido na mata fechada perto da estrada de cascalho numa área acidentada de Juquitiba, cidade da Grande São Paulo que fica a cerca de 60 km do centro da capital.

Atração para ecoturistas, o curso d’água tem atraído outro tipo de visitante. Funcionários de uma multinacional da mineração têm batido nas portas de chácaras em busca de autorização para coletar amostras de terra e água.

Eles investigam a presença de lítio, relataram moradores e agentes públicos locais. O metal procurado é utilizado para a fabricação de baterias de telefones e de carros elétricos.

Imagem mostra pequena cachoeira ao fundo, cercada de mata
Cachoeira do Monjolo, em Juquitiba, fica em área onde moradores receberam visitas de agentes pedindo autorização para coletar água e terra para investigar a presença de lítio - Zanone Fraissat/Folhapress

A anglo-australiana Rio Tinto obteve liberação da Agência Nacional de Mineração para conduzir pesquisas numa área de 20 quilômetros quadrados entre os municípios de Juquitiba, Ibiúna e São Lourenço da Serra, no limite entre as regiões metropolitanas de São Paulo e de Sorocaba.

Ao menos no caso de São Lourenço da Serra também há permissão para a busca conferida pela Cetesb, a companhia ambiental do governo paulista.

Os órgãos federal e estadual afirmam que não há impacto durante a etapa de pesquisa. Mas ambientalistas, especialistas em mineração, proprietários de terras e prefeituras locais dizem ver com preocupação as incursões da mineradora na região.

Eles querem saber o que fará a Rio Tinto caso suas pesquisas confirmem a viabilidade da exploração.

Além de ficar sobre o maior trecho contínuo do remanescente de mata atlântica do país, a região prospectada pela mineradora abriga o manancial que abastece o sistema produtor São Lourenço, um dos seis da Sabesp e que foi criado como reserva estratégica após a crise hídrica que durou de 2014 a 2016.

O São Lourenço capta água do reservatório Cachoeira do França, em Juquitiba, e atende 1,4 milhão de habitantes de sete municípios à oeste da Região Metropolitana de São Paulo: Carapicuíba, Barueri, Jandira, Itapevi, Cotia, Vargem Grande Paulista e Santana do Parnaíba, segundo a Sabesp.

Uma das características da mineração de lítio é a abertura de cavas a céu aberto, cujos tamanhos e quantidade dependem da distribuição no território e profundidade no local de exploração, segundo Bruno Milanez, professor da faculdade de engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Apenas para comparação, em uma das principais áreas de exploração de lítio no país, no Vale do Jequitinhonha (MG), a empresa Sigma possui 29 concessões distribuídas numa área de 200 quilômetros quadrados.

Além da supressão da vegetação, um dos impactos da exploração é o elevado consumo de água. "Qualquer mineração consome muita água e, como estamos falando de uma área de manancial, pode ser uma coisa problemática", diz Milanez.

Restrições ambientais tradicionalmente não inviabilizam a concessão de autorização para mineração no país, diz o geógrafo Luiz Jardim Wanderley, professor da Universidade Federal Fluminense. "Não conheço uma única mineração que não ocorra em área de preservação", diz.

Cesar Pegoraro, mobilizador da SOS Mata Atlântica para a questão hídrica, classifica como preocupante a abertura para busca de lítio na mancha mais significativa do bioma. "A análise preliminar é de que se a prospecção for positiva, o rito de licenciamento ficará bastante favorável ao empreendimento", diz.

Independentemente do licenciamento, nem sempre a busca pelo mineral resulta no interesse na exploração. É necessário que a quantidade de material compense o custo de extração e beneficiamento.

No caso do lítio, atualmente reservas com concentração entre 0,5% e 2,5% na rocha são consideradas economicamente viáveis, o que não é fácil de se encontrar, segundo Milanez.

A Rio Tinto apresentará entre abril e julho de 2026 os seus relatórios de pesquisa em que irá quantificar a substância pesquisada e a viabilidade econômica da exploração, segundo a Agência Nacional de Mineração.

"Nesta fase de pesquisa, não é permitida a extração mineral para fins comerciais, sendo que uma eventual retirada de material terá como objetivo exclusivo a caracterização físico-química e tecnológica da substância mineral", diz a agência, em nota.

Nas cidades de Juquitiba e São Lourenço da Serra, nas quais a reportagem conversou com alguns moradores –todos pediram sigilo sobre suas identidades– que receberam pesquisadores da Rio Tinto, as secretarias responsáveis pela área ambiental informaram terem negado à mineradora pedidos de prospecção em terras públicas municipais.

Silvana Santos, agente comunitária da Rio Tinto que tem visitado prefeituras e propriedades privadas na região, afirmou que as coletas estão ocorrendo somente com a anuência dos proprietários.

Ela também disse que a empresa não teria condições de responder oficialmente até a publicação da reportagem.

A Cetesb informou que a autorização para pesquisa mineral não está sujeita ao licenciamento ambiental por parte da companhia, ficando sujeita apenas à Agência Nacional de Mineração.

O órgão estadual ainda comunicou que somente há necessidade de autorização ambiental em caso de derrubada de vegetação, interferência em áreas de preservação permanente ou de proteção de mananciais, o que não ficou caracterizado pelas informações prestadas pela Rio Tinto.

"Ressaltamos que a atividade de mineração, não a de pesquisa, esta sim somente poderá ser implantada após a obtenção da Licença Prévia e da Licença de Instalação e que o início da exploração somente poderá ocorrer após a obtenção da Licença de Operação", afirmou a Cetesb, em nota.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.