Descrição de chapéu Todas trânsito

Mulheres têm aulas de direção com outras mulheres para enfrentar trânsito masculinizado e hostil

Em busca de autonomia, número de condutoras aumentou no estado de São Paulo de acordo com Detran-SP

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O número de mulheres que dirigem aumentou ao longo dos anos. Muitas delas vão em busca de autonomia e sentem a necessidade de poupar tempo ao se locomover com filhos ou ajudar parentes. O ambiente de trânsito, no entanto, ainda é masculinizado e hostil.

No estado de São Paulo, as mulheres representam 40% dos condutores, segundo levantamento do Detran-SP, —são 9.860.054 em 2023. "A gente percebe que é uma tendência cada vez maior para as mulheres serem inseridas no ambiente de trânsito", afirma Talita Rodrigues, Diretora de Habilitação do Detran.

Desde a infância, homens são estimulados a lidar com carros a partir dos brinquedos, o que reforça a ideia de que dirigir é uma atividade masculina. Enquanto isso, mulheres brincavam com bonecas e panelinhas. "O homem sempre foi visto nessa condição de motorista nato e adquiriu esse papel ao longo dos anos", afirma Rodrigues.

Se ao completar 18 anos, homens já iniciam o processo de tirar Carteira Nacional de Habilitação (CNH), as mulheres demoram mais e decidem aprender a dirigir por necessidade. Por trás disso existe um contexto familiar e uma demanda de locomoção com filho, ir ao trabalho ou ajudar algum parente.

Maria Gramosa instrutora e fundadora da Elas no Transito dando aula para Natália Veiga, que está em sua última aula de direção - Zanone Fraissat/Folhapress

Natália Veiga, 32, é uma dessas pessoas. Ela tirou a CNH em maio do ano passado para ganhar mais tempo e não ter que pegar três ônibus para ir trabalhar. Ela mora em Guaianases, zona leste de São Paulo, e trabalha no Itaim Paulista, na mesma região.

Mesmo depois de tirar a carta –que envolve provas teórica e prática e aulas em uma autoescola— a segurança para encarar o trânsito do dia a dia e levar a filha para a creche demorou a surgir.

Até que ela viu o carro do Elas no Trânsito, que dá aula para mulheres habilitadas, e entrou em contato para ter mais prática. O ensino, segundo a fundadora Maria Gramosa, é mais carinhoso e empático e voltado a coisas práticas como mudar de faixa, entrar no estacionamento ou desviar de buracos —o que, ela afirma, autoescolas tradicionais de primeira-habilitação não fazem.

Ela afirma que muitas mulheres a procuram o Elas no Trânsito, que foi fundado em 2015, se sentindo inseguras e com medo. Seu trabalho e de as outras duas instrutoras com quem trabalha envolve conversar com a aluna e tentar entender de onde vem esse sentimento.

"A maioria das mulheres fala que se sente bem conosco por sermos mulher, por entender o lado delas. Tem pessoas que sabem dirigir, o que precisam é de um incentivo de alguém ao lado", afirma Gramosa.

A instrutora diz que houve relatos de alunas que tentam dirigir com pai, irmão ou marido, mas se sentem incapazes depois que eles tentam ensinar algo sem técnica e paciência. "Infelizmente parece que a figura masculina, do lado de uma mulher dirigindo, impõe poder sobre ela", diz. "Eu sinto que existe um grande preconceito contra nós."

Quando elas conseguem, sozinhas, sair da garagem, e dirigir sozinhas, Gramosa diz que elas sentem "uma liberdade tremenda".

Foi essa sensação que motivou Diana de Oliveira, 37, a aprender a dirigir. Ela tirou a carta em 2019, mas ainda sentia medo. Voltou a ter aulas de direção em 2023. O seu filho, hoje com oito anos, também foi um incentivo para ela querer ter habilitação e agilizar o seu dia a dia. "Tinha que levar ele até a escola, médico, e de ônibus levava muito mais tempo", diz.

Oliveira procurou ajuda para perder o medo de dirigir, já que para ela a autoescola tradicional "é um treinamento para fazer a prova do Detran". Ela fez aulas com a Juliana Gaspardi, que trabalha na educação de trânsito desde 2022 e também tem um canal no YouTube em que posta vídeos com dicas de direção. A maioria de suas clientes é mulher de 30 anos para cima.

Gaspardi conta que maridos de alunas e até mulheres já duvidaram do seu trabalho e que já foi discriminada no trânsito. O mesmo aconteceu com Diana Oliveira. "Na minha visão temos dois tipos de motoristas, um que te dá passagem por ser mulher e por algum motivo te achar, digamos, 'bonita', e outro que te xinga, buzina e acha que mulher não sabe dirigir", diz ela.

As mulheres acabam recebendo um estigma de má condutora, mas os dados mostram o contrário. "A mulher é sempre considerada muito melhor condutora do que os homens. Em números absolutos, é disparado a quantidade de comparativos de infrações, óbitos, até na taxa de aprovação dos exames práticos", afirma Rodrigues, Diretora de Habilitação do Detran.

Exemplo disso são as multas. A inflação média por transitar em até 20% da velocidade da via é cometida duas vezes mais por condutores masculinos do que femininos. Foram 576.581 cometidas por mulheres e 1.281.192 cometidas por homens em 2023.

As mulheres também causam menos acidentes do que os homens. Em 2023 ocorreram 3.176 mortes de homens no trânsito e 662 de mulheres, que corresponde a 17%. "A mulher precisa ser entendida e observada como um importante agente em relação a todo esse universo de condução veicular", afirma Rodrigues.

Para ela, o homem tem uma interpretação agressiva do trânsito, o que está relacionado ao papel que ele desempenha na sociedade. "Ele tem essa masculinidade considerada tóxica em que precisa correr e aceitar riscos que a mulher normalmente não aceita".

Essa atitude seria manifestada em comportamentos como dirigir sob efeito de consumo de álcool, altas velocidades e o não uso do cinto de segurança. Uma pesquisa sobre como gênero afeta segurança no trânsito, baseado em dados da OMS de 2018, mostra que os homens têm mais acidentes fatais no trânsito na América Latina e Caribe do que as mulheres.

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com dois meses de assinatura digital grátis.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.