Prefeitura recusa privatização de praça no Pacaembu, onde empresa quer piscina de ondas

Recomendações de órgão municipal e minuta indicam negativa a cessão da Charles Miller, após mais de 2 anos sem resposta formal

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Imagem gerada em computador mostra vista aérea de novo projeto da praça Charles Miller, com uma piscina de ondas bem no centro da imagem, e quadras em frente a fachada do estádio do Pacaembu

Projeto urbanístico para a praça Charles Miller, com piscina de ondas, quadras e pista de skate; concessionária pretende incluir local na privatização do estádio, mas prefeitura tem parecer para recusar proposta Divulgação/Allegra Pacaembu

São Paulo

A Prefeitura de São Paulo prepara uma resposta formal em que recusará quase todos os pedidos da empresa que administra o estádio do Pacaembu para compensá-la por supostos prejuízos durante a pandemia de Covid-19. A concessionária pede, há mais de dois anos, uma reformulação do contrato com o município e sugeriu três formas de compensação.

A principal delas é a privatização da praça Charles Miller, em frente à arena. A decisão de recusar os pedidos atrapalha os planos da concessionária Allegra Pacaembu. A empresa tem um projeto para instalar no local o que anuncia como "a primeira piscina de ondas pública do mundo", cinco quadras esportivas, uma pista de skate, piscina infantil e brinquedos.

Na proposta da Allegra, metade da programação da piscina de ondas, por exemplo, seria cedida a atividades da prefeitura, e a outra metade seria paga. O acesso à praça seguiria aberto ao público, exceto para equipamentos como quadras de beach tennis e a pista de skate, nos horários com atividades pagas.

Imagem gerada em computador mostra vista aérea de novo projeto da praça Charles Miller, com uma piscina de ondas bem no centro da imagem, e quadras em frente a fachada do estádio do Pacaembu
Projeto da concessionária Allegra Pacaembu para a praça Charles Miller, com piscina de ondas, quadras e pista de skate - Divulgação/Allegra Pacaembu

Para a feira que ocorre quatro vezes por semana, a empresa propõe construir barracas fixas e que a frequência seja diária. O uso das barracas pelos feirantes seria gratuito. O estacionamento, que hoje ocupa a maior parte do espaço cobiçado pela empresa, seria subterrâneo.

Hoje, a praça funciona como estacionamento e recebe eventos, tanto de interesse privado quanto organizados pela prefeitura. Duas feiras de livro foram sediadas ali neste ano, por exemplo, e o local costuma ser ponto de partida e chegada para corridas de rua.

A concessionária afirma que teve um prejuízo total de R$ 22 milhões por três fatores: impossibilidade de realizar eventos durante a pandemia, erros no cálculo do tamanho do terreno e atrasos na emissão de licenças, autorizações e alvarás.

Além da entrega da praça, a empresa pedia medidas alternativas, como uma prorrogação de 15 anos no prazo de concessão e descontos em pagamentos da empresa aos cofres municipais previstos em contrato. A Allegra propôs que a prefeitura escolhesse uma das três opções, mas pedia preferência para a concessão da Charles Miller.

Em outubro, o Conselho Municipal de Desestatização e Parcerias decidiu que a prefeitura deve negar as três alternativas. A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) também elaborou uma minuta do termo de aditamento ao contrato de concessão, que encerraria a discussão entre empresa e prefeitura.

O conselho entendeu que a pandemia não deve ser motivo para aprovar um reequilíbrio econômico-financeiro no contrato, que a Allegra teve receita com a operação do estádio nos últimos anos, e que a responsabilidade por elaborar estudos no terreno é da concessionária —antes de concorrer na licitação, a empresa assinou um termo declarando ter pleno conhecimento das condições da área.

A recomendação tem como base pareceres de outros órgãos, como a Procuradoria-Geral do Município e a SP Parcerias, agência que regula as concessões da cidade. O conselho reconhece apenas o atraso na emissão de alvarás e concedem uma extensão de 128 dias no prazo as intervenções do estádio —ou seja, cerca de quatro meses a mais para entregar a reforma.

A minuta do aditamento do contrato contém uma cláusula que obrigaria a concessionária a se abster de reivindicar qualquer novo valor relacionado à pandemia e à divergência no tamanho do terreno.

Internamente, a prefeitura trata a ideia de privatização da praça como um assunto encerrado. A avaliação da gestão Ricardo Nunes é que, para ser aprovada, a ideia deveria ter sido debatida na fase anterior à privatização do estádio, ouvindo os moradores do bairro, o que não ocorreu.

"Tivemos por princípio, em todas as concessões, não conceder reequilíbrio por causa da pandemia", diz o secretário municipal de Governo, Edson Aparecido. "Todos os setores [da cidade] foram afetados, não podemos dar um tratamento diferenciado para as concessões públicas."

Desde agosto do ano passado, Nunes dá declarações públicas de que é contra a privatização da praça. A SP Parcerias, porém, fez um parecer favorável à concessão do local logo após o pedido. Nos pareceres mais recentes, a agência não se pronunciou sobre a praça, apenas sobre as receitas da concessionária e o cabimento dos pedidos.

O argumento da concessionária para conseguir a Charles Miller tinha como base o Projeto de Intervenção Urbana do complexo Pacaembu, aprovado por decreto. O projeto deixa a critério da prefeitura a possibilidade de incluir a praça na concessão. Há também a determinação para que a praça seja requalificada, de maneira a garantir o "aproveitamento para atividades esportivas e recreativas compatíveis com a sua preservação".

Um entrave para o projeto, porém, é que a praça é tombada como parte do conjunto que compõe a fachada histórica do estádio. Uma mudança tão drástica no cenário poderia encontrar resistência nos órgãos de preservação de patrimônio, que precisariam autorizá-la.

Feira ocupa espaço da praça Charles Muller na sexta-feira (24); local é alvo de disputa entre prefeitura e concessionária do estádio - Rubens Cavallari/Folhapress

Além disso, a principal associação de moradores do bairro é contrária à concessão da praça. Segundo Fábio Cabral, presidente da Viva Pacaembu por SP, o projeto prejudicaria atividades que são realizadas ali cotidianamente, como protestos, atos cívicos e atividades do Museu do Futebol (que ocupa um andar do estádio e não foi concedido), além da preocupação com o aumento da poluição sonora.

"Somos totalmente contrários à concessão da Charles Miller, é um espaço de uso comum do povo", diz Cabral. "Se eles [concessionária] foram prejudicados, se isso for provado, a prefeitura que pague uma indenização. Ela não pode entregar um bem público para isso."

A reinauguração do estádio está prevista para o mês de janeiro de 2024, com custo estimado de R$ 400 milhões. Na arquitetura, a principal mudança é a substituição do antigo tobogã —demolido há mais de três anos— por um prédio de nove andares (quatro subterrâneos e cinco acima do solo) onde haverá um hotel, restaurantes, lojas e escritórios. Haverá uma passarela aberta a pedestres ligando as ruas Desembargador Paulo Passaláqua e Itápolis.

Já a reforma da praça custaria R$ 37 milhões e teria potencial para render R$ 11,9 milhões por ano, segundo análise preliminar da agência reguladora municipal. A concessionária tem o direito de explorar o local por mais de três décadas, até no ano de 2054.

Informada sobre os pareceres e a minuta de aditamento do contrato, a Allegra Pacaembu disse o documento "é fruto de uma decisão política, tendo em vista cálculos eleitorais e humores pessoais". A empresa lembra que os documentos contrariam a análise inicial de órgãos municipais.

A concessionária também disse que a prefeitura, ao afirmar que a empresa teve receitas nos últimos anos e deixar de reconhecer os prejuízos da pandemia, "desconsidera que, para obter tais receitas, foram realizados investimentos de aproximadamente R$ 20 milhões". A Allegra considerou que esse detalhe "denota a falta de critérios técnicos na avaliação".

"O parecer atual não leva em consideração o interesse público, afinal o projeto de revitalização da Praça Charles Miller oferece inúmeros benefícios para a população, com novas áreas esportivas e de lazer", disse a concessionária. A empresa afirma que vai adotar "todas as medidas cabíveis para resguardar o interesse público e os direitos da concessionária".

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