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Cristina Serra

Globo fez cobertura negligente e cheia de erros dos desfiles das escolas de samba

Não sei se a decisão de fazer uma transmissão homogênea faz parte de algum acordo da emissora com a liga das escolas de samba, o fato é que o resultado foi de nível amadorístico

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Cristina Serra

Cristina Serra é paraense, jornalista e escritora. É autora, entre outros livros, de "Nós, sobreviventes do ódio". Formada em jornalismo pela Universidade Federal Fluminense

O desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro é o maior espetáculo da Terra, com tudo o que apresenta de beleza, força e afirmação cultural e popular. Sentei-me em frente à TV para "maratonar", na noite deste domingo (11), começando com a Porto da Pedra. Passavam-se os minutos e as câmeras não saíam do primeiro recuo da bateria. Eram praticamente dois ângulos apenas: uma vista aérea da bateria e outra câmera fechada nos intérpretes do samba-enredo.

Por um cantinho da imagem, dava para ver que a comissão de frente já havia entrado na Sapucaí e que as primeiras alas estavam passando. Foram cerca de 10 minutos angustiantes com apenas essas duas câmeras. Pensei que poderia ter acontecido uma pane com os outros equipamentos ou que estaria havendo algum problema na mesa de corte, onde o responsável pela transmissão seleciona a sequência de imagens que vão entrando no ar.

Karine Alves e Alex Escobar na transmissão do primeiro dia de escolas de samba do Rio na Globo - Reprodução - 12.fev.2024/Globoplay

Fiquei à espera de alguma explicação, mas os apresentadores nada disseram a respeito do que parecia ser um grande erro na transmissão. O mesmo se repetiu com as escolas que vieram em seguida. Por alguma razão, a emissora decidiu concentrar os primeiros 10 a 15 minutos de transmissão apenas nas imagens da bateria. Na segunda-feira (12), foram feitas pequenas alterações, com mais câmeras. Mas as mudanças não salvaram uma cobertura negligente e cheia de erros, como se a Globo estivesse cobrindo o desfile pela primeira vez.

Quando a TV começava a mostrar o desfile propriamente dito, tudo passava tão rápido que o telespectador mal conseguia ver as alas e fantasias e entender o papel de cada elemento no desenvolvimento do enredo. Com algumas alegorias, o mesmo desleixo. No Salgueiro, por exemplo, que homenageou o povo Yanomami, Davi Kopenawa foi mostrado durante alguns segundos.

Na Portela, o enredo "Um defeito de cor" trouxe um carro alegórico com mães negras que perderam seus filhos e filhas para a violência. A imagem já estava no ar há algum tempo e ninguém dizia os nomes das mulheres que compunham o carro, porque, no estúdio, comentaristas e apresentadores pareciam entretidos com outro assunto. Até que, finalmente, alguém deve ter alertado que uma das mães era Marinete Silva, mãe de Marielle Franco.

A emissora tirou seus repórteres da cobertura. Faltou informação sobre o que se passava na concentração, a preparação para entrar na avenida. Carro alegórico emperrado? Alguém machucado? Atraso na evolução? Ninguém sabe, ninguém viu. Não é um tiro no pé ocultar informação para o telespectador e fazê-lo buscar em outro veículo? Se faltou informação, sobraram banalidades em "entrevistas" que abusaram dos clichês de Carnaval.

A TV sempre aproximou o público das escolas e do Carnaval. Mas uma transmissão sem jornalismo e uma exibição apressada e "pasteurizada" do desfile eliminam a tensão, o senso crítico e o sentido da competição, que estão na base de qualquer torcida. Afinal, trata-se de um concurso de Carnaval. Cada escola tem sua personalidade e seu jeito de mostrar um enredo. É saudável que se dê realce às diferenças entre elas e que se possa compará-las.

Não sei se a decisão de fazer uma transmissão homogênea faz parte de algum acordo da empresa com a liga das escolas de samba ou se a emissora, sozinha, decidiu que assim seria. O fato é que o resultado foi de nível amadorístico. A emissora tratou um dos maiores patrimônios do povo brasileiro como entretenimento ligeiro e superficial, como são os "reality shows" que inundam a tela global. Foi uma cobertura desonesta e desrespeitosa com as escolas de samba e com o telespectador.

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