Prefeito diz não ver contrassenso em show de R$ 165 mil para 1 ano de tragédia em São Sebastião

Após repercussão negativa, uma das apresentações é cancelada; gestão não explica

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Cláudio Rodrigues Francisco Lima Neto
São Sebastião (SP) e São Paulo

Para marcar o primeiro ano da tragédia que deixou 64 mortos na cidade de São Sebastião, litoral norte de São Paulo, a prefeitura programou dois shows sertanejos para a manhã desta segunda (19). A festa, nomeada "Show da Reconstrução", gerou diversas críticas nas redes sociais.

No domingo, a prefeitura havia anunciado nas redes sociais as apresentações de Fernanda Costa e da dupla Henrique & Diego, ao custo R$ 45 mil e de R$ 120 mil, respectivamente.

Houve críticas de moradores, contrários ao evento no dia que marca um ano da tragédia. O post anunciando os dois shows foi apagado nesta segunda.

show ao fundo em palco com iluminação; na frente poucas pessoas na plateia
Show com público praticamente esvaziado para marcar o primeiro ano da tragédia que deixou 64 mortos - Cláudio Rodrigues/Folhapres

Com plateia quase esvaziada, apenas a cantora Fernanda Costa se apresentou no início da tarde. Ela até publicou uma foto, em suas redes sociais, com a dupla Henrique & Diego nos bastidores. Procurada, a prefeitura não respondeu sobre o motivo de o segundo show não ter ocorrido.

Questionado, o prefeito, Felipe Augusto (PSDB), disse não ver contrassenso em gastar R$ 165 mil nos shows.

"Não houve contrassenso nenhum, pelo contrário. A cidade viveu o melhor réveillon e o melhor carnaval da história", disse o prefeito à reportagem. "Festa para todos os lados. Hoje é o dia de celebrar a vida. Temos que homenagear os nossos mortos, as pessoas que infelizmente perderam a vida e as famílias sempre. Mas nós temos que celebrar a vida. E Deus traz essa mensagem: após a dor, vem a alegria".

A cerimônia, que contou com a presença do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e de autoridades locais e estaduais, marcou a entrega de 518 residências que são voltadas às famílias afetadas pelas chuvas extremas. Os apartamentos da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) estão instalados no bairro Baleia Verde, na costa sul da cidade.

"Traga sua família e amigos para o Show da Reconstrução", publicou a prefeitura nas redes sociais. Também houve a distribuição de churrasco e outras comidas no local.

Em nota, a assessoria de comunicação do governo paulista informou que "não há qualquer ligação com o show ou recursos investidos nas apresentações". Em seu discurso, o governador não citou a realização dos shows e falou da entrega das casas.

"Vamos trabalhar para que quem perdeu tudo, possa ter tudo de volta. Vamos começar de novo e tornar São Sebastião uma cidade melhor. Aprendemos a gostar de São Sebastião, das pessoas de São Sebastião. Estava ansioso para entregar essa obra. Essa é a mais importante, a que significa mais. Vamos começar de novo", disse Tarcísio.

governador tarcísio e outras pessoas no palco com chave de papel gigante entregue a moradora
Governador Tarcísio de Freitas na entrega das 518 Unidades Habitacionais da CDHU na Baleia Verde - Marcelo S. Camargo/Governo do Estado de SP

Os artistas foram contratados com verba da Secretaria de Turismo, embora o evento não tenha nenhuma relação com o fomento dessa área.

A realização do show provocou reações nas redes sociais. "Comemorar o quê? A morte de mais de 60 pessoas porque o prefeito —que agora quer lucrar com a tragédia— deixou de fazer o que devia?", questionou Eduardo Magossi.

"Quanta ignorância fazer barulho onde o silêncio é símbolo de respeito. Respeito as vitimas, aos familiares que perderam seus entes, amigos… A população que hoje [a maioria] sofre de estresse pós traumático. Vocês erraram, e erraram feio", afirmou Julia Tavares.

Também nesta segunda, o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), juntamente com outros movimentos populares, realizaram um protesto na cidade. Nas redes sociais, o movimento afirmou que, após um ano da tragédia, "pouco se avançou nas conquistas de direitos da população atingida e na criação de mecanismos, por parte do Estado, de diálogo, escuta e participação efetiva da população no processo de reparação de seus direitos".

"Aqui ninguém recebeu casa nenhuma. Está todo mundo ainda na Vila de Passagem. Dizem que a gente vai receber, mas ninguém diz quando", destacou o texto publicado no Facebook. "Apesar do governo do Estado ter anunciado para a imprensa, na última semana, a entrega de casas novas para os atingidos pela tragédia de São Sebastião, a moradora Rosivânia Santos, 43, que teve sua casa condenada pela Defesa Civil, conta que segue há quase um ano em uma vila oferecida como uma espécie de alojamento provisório."

Ato do MAB lembrando um ano da tragédia climática em São Sebastião, no Litoral Norte , no trevo de Juquehy; o movimento cobrou do Governo do Estado de SP e prefeitura medidas para que novas tragédias não se repitam
Ato do MAB lembrando um ano da tragédia climática em São Sebastião, no Litoral Norte , no trevo de Juquehy; o movimento cobrou do Governo do Estado de SP e prefeitura medidas para que novas tragédias não se repitam - Divulgação MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens)

O governo paulista informou que colocou à disposição todos os recursos do Programa Casa Paulista para acelerar o processo de execução das casas.

Foram investidos mais de R$ 210 milhões em habitação em São Sebastião, segundo o governo.

As obras das unidades de moradia para os afetados pela tragédia começaram no dia 24 de março de 2023. No bairro Baleia Verde, já foram edificadas 518 novas moradias, em terreno com 39,3 mil m². Outros 186 apartamentos também já foram entregues em Maresias, no dia 3 de fevereiro.

Na madrugada de 19 de fevereiro de 2023, mais de 600 milímetros de chuva desabaram sobre a cidade. O maior volume já registrado em uma única precipitação no país dissolveu encostas na Serra do Mar que caíram sobre estradas e casas, deixando muitos desabrigados.

Como reportagem da Folha mostrou, um ano depois do episódio, a resposta do poder público à crise, apesar de bilionária, acumula atrasos, recuos e desacertos quanto a oferta de moradia, desocupação de locais sujeitos aos efeitos de eventos climáticos extremos e conclusão de obras preventivas.

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