Alunos definem Rivaldo Barbosa como excelente professor; delegados criticam prisão

Ex-chefe da polícia do RJ foi preso suspeito de arquitetar morte de Marielle Franco. OUTRO LADO: defesa nega

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Rio de Janeiro

Alunos e colegas do delegado Rivaldo Barbosa demonstraram surpresa com sua prisão neste domingo (24). De acordo com Polícia Federal, ele é suspeito de ter arquitetado as mortes da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, em março de 2018.

No relatório sobre o caso, os investigadores afirmam também que a atuação de Rivaldo criou uma organização criminosa dentro da Polícia Civil do Rio de Janeiro, suspeita de cometimento de crimes variados, como corrupção, obstrução, tráfico de influência e até fraudes processuais.

O policial, por intermédio de sua defesa, nega as acusações. Ele está isolado em um presídio de segurança máxima, em Brasília.

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Família da vereadora Marielle Franco se reúne com o então chefe de Polícia Civil, delegado Rivaldo Barbosa - Agência Brasil

Rivaldo era professor de direito na Universidade Estácio de Sá, no Rio, havia 21 anos, e atualmente coordenava o curso. Ele foi demitido ainda no domingo, após a prisão.

Quem teve aula com ele descreve um professor atencioso, que nunca deu sinais de ter uma suposta ligação com atividades criminosas. Os alunos afirmam inclusive que Rivaldo costumava dizer que gostava mais de dar aulas do que do trabalho de delegado.

"Tenho só elogios a ele como professor, excelente, amava as aulas dele. Para mim ele é um dos melhores professores que eu já tive. Fará muita falta", afirmou Mara Garcia, aluna da unidade da Estácio na Ilha do Governador, zona norte do Rio.

"Um homem visivelmente instruído, parecia que sabia tudo de direito, principalmente penal e constitucional. Era um professor muito educado com alunos, tinha respeito e cordialidade com todos, evitava até mesmo dar opiniões políticas ou sobre algum caso", disse Manuel Vitor de Almeida, aluno do mesmo campus.

Em nota, a Estácio afirmou que "o professor não faz mais parte de seus quadros e que já foram tomadas todas as medidas necessárias para sua substituição e para a continuidade das aulas".

A suposta participação do delegado no assassinato de Marielle consta na delação do ex-policial Ronnie Lessa, suspeito de executar o crime.

Lessa afirmou que a morte da vereadora foi encomendada pelo conselheiro do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Rio de Janeiro) Domingos Brazão e seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão. Segundo o relatório da PF, o assassinato foi "meticulosamente planejado" por Rivaldo. As defesas de todos os envolvidos negam as acusações.

O delegado assumiu a direção da Divisão de Homicídios do Rio em outubro de 2015 e ficou até março de 2018, quando foi nomeado chefe da Polícia Civil, cargo que ocupou até 2019, com o fim da intervenção federal no Rio.

Policiais que trabalharam com Rivaldo afirmam que ele não era uma pessoa de convivência fácil, mas todos apontam que nunca notaram qualquer indício de corrupção.

A reportagem entrevistou 12 delegados e cinco inspetores que o conhecem. Eles afirmaram que Rivaldo Barbosa vivia apenas do seu salário, do rendimento de empresas da família, e do que ganhava como professor universitário.

Também disseram que não há no inquérito provas sobre a participação de Rivaldo no planejamento do crime e por isso criticam sua prisão.

Já os investigadores da PF afirmam que, no período no qual ele esteve à frente da Delegacia de Homicídios, Rivaldo teria recebido vantagens indevidas da contravenção para não investigar homicídios praticados por integrantes do jogo do bicho. No relatório, no entanto, não há provas da transferência desses montantes ou de quem teria feito os pagamentos.

Segundo a PF, duas empresas nas quais o delegado era sócio teriam sido usadas para lavar dinheiro, com rendimentos superiores ao declarado. O relatório cita que uma delas declarou ter faturado R$ 480 mil de junho de 2016 a junho de 2018, mas movimentou R$ 1 milhão no período.

Segundo relatos de delegados da Polícia Civil do Rio, havia animosidade entre Rivaldo e os delegados da Polícia Federal.

Em 2018, um policial civil fez uma denúncia à ouvidoria do Ministério Público do Rio, na qual disse que inspetores que atuavam como assessores do delegado na Delegacia de Homicídios utilizavam os sistemas da corporação para fazer trabalhos para as empresas de Rivaldo.

No mesmo ano, essa informação deu início à sua primeira denúncia à Justiça: ao lado de outros sete investigados, Rivaldo foi denunciado por crimes contra a Lei de Licitações. Isso porque uma empresa de sua família recebeu R$ 160 mil por uma consultoria à concessionária de energia Light. Na época, a Promotoria chegou a pedir à Justiça que Rivaldo fosse afastado do deu cargo na polícia, mas a solicitação não foi atendida. O caso é citado no relatório da Polícia Federal.

O processo ainda está em andamento no TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro). Em sua defesa, o delegado afirma que não há irregularidade no caso.

Da Aeronáutica para a chefia da Polícia Civil

Rivaldo serviu durante 15 anos na Aeronáutica, na qual trabalhou principalmente com previsões meteorológicas. Ele se formou em direito em 1996, na Unisuam (Centro Universitário Augusto Motta), no Rio, passando no concurso de delegado em 2002.

Em 2007, assumiu a chefia da Cinpol (Coordenadoria de Informação e Inteligência Policiais). Nessa época, voltou às Forças Armadas para realizar uma especialização na ESG (Escola Superior de Guerra), na área de inteligência.

Pela Cinpol, liderou a prisão de João Rafael da Silva, o Joca, apontado como então líder do trafico de drogas na Rocinha, na zona sul do Rio.

Após a prisão e com o curso da ESG, foi nomeado como responsável pelo plano de inteligência e segurança dos Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio. Em agosto do ano seguinte, tornou-se subsecretário de Inteligência da Secretaria de Segurança, cargo no qual ficou por quase três anos.

A partir de 2009, esteve no comando da Divisão de Capturas e Polícia Interestadual até assumir a Delegacia de Homicídios em 2012.

No ano seguinte, ganhou notoriedade por liderar a investigação do desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza. A investigação concluiu que 25 policiais da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha haviam participado do crime. O corpo até hoje não foi encontrado.

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