Tarcísio concentra no mercado plano para entregar 200 mil casas

Parte crítica do déficit habitacional, porém, depende de CDHU, que produzirá um quarto dessa unidades

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São Paulo

A habitação popular construída pelo setor privado com subsídio público disparou em relação à produção própria do governo do estado de São Paulo nas gestões João Doria, Rodrigo Garcia (PSDB) e Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Por outro lado, a produção estatal própria, que atende a população que não tem acesso ao crédito imobiliário, perdeu fôlego nos últimos 14 anos, período em que os financiamentos pelo programa federal Minha Casa Minha Vida tornaram o mercado da habitação mais acessível.

Entre 2019 e 2023, o número de unidades entregues em São Paulo com ao menos uma parte do valor subsidiado pelo governo estadual saltou de 385 para 11.908. O crescimento é de quase 3.000%. O primeiro ano da gestão Tarcísio ainda ficou um pouco abaixo do fechamento do governo Doria-Garcia, que atingiu o pico de 13.945 unidades em 2022.

São unidades habitacionais construídas para famílias que estão na faixa que concentra 90% do déficit habitacional, com renda de até três salários mínimos. Em São Paulo, esse grupo pode contar um um auxílio para reduzir o valor a ser financiado. São cartas de crédito imobiliário que abatem de R$ 10 mil até R$ 16 mil do valor do imóvel.

Imagem mostra um corredor formado por prédios dos dois lados e operários trabalhando
Prédios contruídos por meio de contratação direta da CDHU em São Sebastião; companhia deverá ser responsável por 60 mil das 210 mil unidades que a gestão Tarcísio de Freitas prevê entregar no seu governo - Rubens Cavallari - 8.fev.2024/Folhapress

Estratégico para o setor habitacional na gestão Tarcísio, o crédito concedido dentro do programa Casa Paulista é a principal aposta do governo para viabilizar cerca de 210 mil novas moradias em quatro anos de mandato. Desse total, estão previstas 150 mil com o subsídio e 60 mil com produção contratada pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano).

Para avançar, o crédito imobiliário estadual tem como foco permitir o acesso de mais famílias aos financiamentos do Minha Casa Minha Vida. Lançado em 2009 no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e retomado em 2023, o projeto habitacional petista usa dinheiro do FGTS para subsidiar juros mais baixos para a habitação via Caixa Econômica Federal.

Na prática, as cartas de crédito concedidas pela gestão Tarcísio barateiam os empreendimentos do Minha Casa Minha, que em 2023 foi responsável pelo financiamento de 20 mil novas unidades no estado —mais da metade desse total pode, hipoteticamente, ter contado com o auxílio estadual, considerando as quase 12 mil cartas utilizadas para aquisições de imóveis no ano passado. O Ministério das Cidades, porém, não tem informações sobre quantas unidades efetivamente contaram com cartas de crédito.

Num movimento inverso, a produção habitacional própria do governo paulista vem perdendo fôlego, embora tenha mostrado certa recuperação no ano passado.

Em 2009, quando começou o programa federal, a CDHU foi responsável por 100% das 21.124 unidades habitacionais entregues pelo governo paulista. No mesmo ano, o estado não emitiu cartas de crédito para subsidiar imóveis, prática adotada só em 2012, com 50 unidades entregues com esse tipo de apoio.

De 2019 a 2022, a construção de unidades habitacionais pela CDHU caiu de 6.934 para 4.116. A gestão João Doria enviou em 2020 à Assembleia Legislativa projeto de lei para extinguir a companhia estatal, sob justificativa de que o atendimento seria via Minha Casa Minha Vida.

O governo Tarcísio retomou parte da produção contratada via estado, com a CDHU alcançando 7.168 unidades em 2023. É o melhor número desde 2018, quando chegou a 7.306.

Para Ely Wertheim, presidente-executivo do Secovi-SP (sindicato das empresas do mercado imobiliário), o governo paulista acerta ao apostar na inclusão de mais pessoas no Minha Casa Minha Vida. É, segundo ele, uma adaptação a uma realidade que não existia há 15 anos e que hoje representa quase metade da produção imobiliária em São Paulo.

Importante para facilitar a moradia para parte da população, a carta de crédito não compensa a falta de produção estatal e outras políticas públicas voltadas à habitação social, afirma Isadora Guerreiro, coordenadora do LabCidade da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Ela destaca que há uma diferença importante entre o que faz a CDHU, que custeia integralmente a unidade, e o pagamento de apenas uma fração. "Não dá para dizer que uma carta de crédito é o mesmo que entregar uma casa", diz.

Para entregar as 7.168 mil unidades da CDHU no ano passado, o governo investiu R$ 1,3 bilhão, o que em média dá R$ 181,4 mil por casa ou apartamento construído.

Já o valor investido em cartas de crédito é quase dez vezes menor. O estado aportou R$ 158 milhões nas 11.908 cartas de crédito que resultaram em financiamentos de imóveis efetivamente entregues aos compradores. O total de dinheiro movimentado no mercado por essa política, incluindo os financiamentos, é de R$ 5,2 bilhões.

A gestão Tarcísio usa esses números para afirmar que a ideia do programa é aplicar um recurso limitado para atender a maior parte possível do déficit habitacional estadual de 1,1 milhão de famílias, entre as quais há 400 mil em habitações inadequadas, afirma o secretário estadual de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Marcelo Branco.

No exemplo citado pelo secretário, cada casa ou apartamento construído em São Paulo com obra contratada pela CDHU, via licitação, custa aos cofres estaduais entre R$ 220 mil e R$ 270 mil.

Embora o beneficiário que recebe o imóvel pague por ele, o valor mensal da parcela é limitado a 20% da renda familiar e, por isso, o que retorna ao estado costuma representar um terço do valor investido, entre R$ 70 mil e R$ 90 mil, de acordo com Branco.

Limitada a R$ 16 mil por beneficiário, a carta de crédito representa, portanto, menos de 8% do valor que a CDHU gasta para construir uma unidade habitacional, considerando os exemplos do secretário.

"Estamos concentrados em fazer 200 mil unidades novas, seja por qual programa for, produção direta pela CDHU ou essas cartas de crédito", diz Branco.

Branco admite que o crédito imobiliário ainda é pouco acessível para a parte crítica do déficit habitacional, principalmente para a camada com faixa de renda de até um salário mínimo. Ele defende, no entanto, que, ao conceder cartas de crédito para incluir parte da população dessa faixa de renda no Minha Casa Minha Vida, conseguirá atender via mercado imobiliário parte significativa das 400 mil famílias que vivem em moradias inadequadas.

"Nos últimos 20 anos o déficit não baixou, se conseguirmos acabar com metade em quatro anos, será o maior sucesso de todos os tempos", diz.

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