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Mulher aceita ser barriga solidária de amigos no RS: 'Carrego o sonho de pessoas que amo'

Apesar de parentesco ser uma das condições para gestar filhos nessa situação, CRM pode autorizar que outras pessoas sejam doadoras

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São Paulo

O fotógrafo Mikael Bitencourt, 35, conheceu a amiga e comerciária Jéssica Konig, 31, há nove anos para uma sessão de fotos. Ali, ele contou que o maior sonho da sua vida era se tornar pai. E ela, em tom de brincadeira, disse que gestaria o bebê para ele e o marido, que vivem em Imbé, cidade localizada a 130 quilômetros de Porto Alegre.

Na época, eles riram e nem imaginaram que ela, de fato, um dia cederia sua barriga para carregar uma filha para Mikael e seu marido, Jarbas Bitencourt, 48.

Deitados no tapete e fotografados de cima, Mikael e Jarbas encostam a cabeça perto da barriga de Jessica
Mikael Bitencourt (à esq.) e o marido, Jarbas Bitencourt, com a amiga Jéssica Konig, 31, que se ofereceu para ser barriga solidária e agora gesta a filha Antonella, a filha do casal - Daniel Marenco/Folhapress

Após uma breve separação e uma festa de casamento, o casal se sentiu pronto para dar início a um processo de adoção. Na época, eles souberam de uma jovem que estava grávida e dizia que não queria criar a criança.

Mikael e o marido buscaram advogados para entender como poderiam ficar com aquele bebê —a adoção consensual, quando a mãe biológica escolhe os pais adotivos para a criança, é autorizada no Brasil, mas o processo deve ser acompanhado pela Vara da Família e não pode envolver recursos financeiros.

Diante da expectativa, o casal passou a levar a gestante para consultas. Também fizeram um chá de bebê com 80 pessoas, montaram um quartinho e escolheram até os padrinhos da criança.

Poucas semanas antes do parto, eles receberam a notícia de que a gestante tinha desistido de entregar o filho. "Desabei. Foi um desespero", lembra Mikael.

Foi nesse momento difícil que Jéssica, que já era uma grande amiga do casal, foi até a casa deles e retomou a conversa da barriga solidária. "Eu tenho o que vocês precisam e empresto minha barriga para vocês", disse.

A cessão temporária de útero —popularmente conhecida como barriga solidária— é regulamentada pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), cujas resoluções são seguidas pela Justiça.

A primeira condição é que mulher pertença à família de um dos parceiros. Em casos excepcionais, pessoas fora dessa lista podem emprestar a barriga mediante autorização do CRM (Conselho Regional de Medicina). Além disso, o processo não pode ter caráter lucrativo, e a clínica de reprodução não pode intermediar a escolha da cedente.

A mulher que se voluntaria para ser barriga solidária deve ter ao menos um filho e, se casada, é obrigada a apresentar a autorização do cônjuge.

Advogado da área da saúde e professor de bioética e direito, Paulo André Stein Messetti explica que o CFM autoriza desde 1992 a prática da barriga solidária.

Em 2013, a alternativa foi ampliada aos casais homoafetivos e ganhou limite de idade de 50 anos para a doadora temporária do útero. Também foi estabelecida a impossibilidade de interrupção da gravidez —com exceção dos casos legais, como risco para a vida da gestante— e inserida obrigatoriedade da garantia de atendimento médico e multidisciplinar para a doadora do útero, até o puerpério, pelos contratantes da reprodução assistida.

Em 2021, pessoas transgênero foram incluídas expressamente na resolução como destinatários possíveis das técnicas.

Daiane Pagliarin, médica especialista em reprodução assistida, diz que nos últimos cinco anos tem havido um aumento de homens solteiros e casais compostos por dois homens que buscam por esse tipo de tratamento. Procurado pela reportagem, o CFM não soube informar números.

Adelino Amaral, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida e membro da Câmara Técnica de Reprodução Assistida do CFM, pondera que a barriga solidária ainda é raridade nas clínicas. Ele calcula que, nos últimos três anos, a unidade em que trabalha tratou de apenas dois casos.

Segundo ele, é raro CRM barrar algum pedido de autorização dessa gestação, e a negativa costuma acontecer quando o conselho desconfia de que há indícios de vantagem financeira.

Quando Jéssica, Mikael e Jarbas procuraram uma clínica de reprodução assistida para entender o procedimento, uma médica perguntou se eles tinham doação de óvulo. "A gente nem sabia o que era óvulo. Dissemos que tínhamos boleto para pagar, mas óvulo não", conta aos risos Jarbas, que hoje diz ser capaz de dar palestra sobre reprodução assistida.

A autorização do CRM levou cinco meses e veio em agosto do ano passado. O óvulo escolhido para a gestação foi o da irmã de Mikael, e o espermatozoide foi de Jarbas. Assim, o bebê terá o material genético dos dois pais.

Após a implantação do embrião em Jéssica, levaria mais 15 dias para saber se o procedimento foi bem-sucedido. Ansiosa, ela fez o exame antes do tempo estipulado e veio o positivo.

Preparou então uma surpresa para o casal e levou até a casa deles uma caixa com um bilhete escrito: "o positivo mais esperado do ano chegou".

Agora, os dois pais preparam a chegada de Antonella, que deve nascer em maio. Jéssica relata que sua única preocupação era que seus dois filhos, de 5 e 6 anos, compreendessem que a bebê que ela carrega não será irmã deles —os pequenos, porém, entenderam a situação logo de cara.

Jéssica afirma que essa gestação é completamente diferente das outras duas que já teve. "Estou carregando o sonho de duas pessoas que eu amo, o meu sonho eu já tive, que são meus filhos", diz.

"Quando a Antonella nascer, ela vai compor uma família linda", afirma, emocionada. "Um assunto que falamos há nove anos hoje se tornou realidade."

Barriga solidária no Brasil

Conselho Federal de Medicina autorizada para processo sem fins lucrativos

  1. Quem pode gestar a criança?

    O CFM prevê que o bebê deve ser gestado, de preferência, por uma pessoa de até quarto grau de parentesco. A gestante deve ter ao menos um filho vivo e, se casada, deve ter autorização do cônjuge para ceder temporariamente o útero. Não pode ter caráter lucrativo

  2. É possível que uma pessoa sem grau de parentesco geste a criança?

    Sim, neste caso é submetido a autorização do CRM (Conselho Regional de Medicina).

  3. Quais etapas devem ser seguidas?

    A cessão temporária de útero deve ser formalizada em documento escrito firmado antes do início dos procedimentos médicos de implantação do feto. Nesse documento, deve constar, obrigatoriamente, a quem se atribuirá o vínculo de filiação do bebê. O registro de nascimento da criança será levado a efeito em nome dos autores do projeto parental, assim reconhecidos pelo oficial do Registro Civil. Além da declaração de nascido vivo, é necessária a apresentação do termo de consentimento, firmado na clínica que realizou o procedimento.

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