Descrição de chapéu Obituário Ricardina Pereira da Silva (1920 - 2024)

Mortes: Foi ceramista, sambadeira e rezadeira no Recôncavo Baiano

Dona Cadu era uma das mais respeitadas guardiãs das tradições herdadas dos mais velhos

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Salvador

Ricardina Pereira da Silva costumava entoar cantigas de samba de roda enquanto tateava o barro molhado. Aprendeu a manuseá-lo aos 10 anos, observando uma vizinha dar forma a panelas, pratos, bacias, entre outros utensílios.

Desde então, abraçou o ofício que a tornaria reconhecida como Dona Cadu, a mais antiga mestra ceramista de Coqueiros, distrito de Maragogipe, cidade do Recôncavo Baiano (BA). Foram mais de 90 anos de atividade, à qual se dedicou até os dias atuais.

Por todo esse tempo, manteve um ateliê na porta de casa, às margens do rio Paraguaçu.

Ricardina Pereira da Silva (1920 - 2024)
Ricardina Pereira da Silva (1920 - 2024) - Divulgação/Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

"Ela continuava trabalhando. Pra gente, a dor da perda é nesse sentido. Ela estava extremamente lúcida. Trabalhava em um projeto com oficinas e apresentações de samba. Tinha toda uma agenda até agosto", diz a neta e professora Edvalda Lima, 33.

Dona Cadu nasceu em 14 de março de 1920, no município de São Félix, também situado no Recôncavo. Foi ainda sambadeira e rezadeira, tradições herdadas dos mais velhos e das quais era uma das mais respeitadas guardiãs.

Sem educação formal, tinha inteligência fora do normal, como descrevem os familiares. Colecionava dois títulos de doutora honoris causa —um da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia) e outro, da UFBA (Universidade Federal da Bahia).

Tal como na arte da cerâmica, imergiu no samba de roda na infância, incentivada pelos pais.

Em 2004, a veterana criou os Filhos de Dona Cadu, grupo do qual um dos rebentos é cantor.

Em 2021, ganhou um memorial que abriga peças de cerâmica, fotografias, bem como outros itens que retratam sua história.

Dona Cadu dizia não ser muito adepta ao candomblé, embora respeitasse a denominação e reconhecesse a própria ancestralidade. Era devota de Santa Bárbara, chamada por ela de A Moça dos Astros, divindade sincretizada com a orixá Iansã nas religiões afro-brasileiras.

Creditava à santa a graça de um milagre que, certa vez, a livrou de um malfeito o atingindo com um raio. "Abaixo de Deus, foi ela quem me salvou", contou em um documentário intitulado "Mestres Navegantes" (2020).

Em uma de suas últimas aparições públicas, Dona Cadu foi homenageada em evento no MAB (Museu de Arte da Bahia), em Salvador. Mesmo apoiada em uma bengala, cantou, sambou e gargalhou.

"Para minha sorte pude estar com ela. Tão espirituosa, exatamente como sempre acompanhei de longe", afirma a artista visual e turismóloga Tati Sampaio, presente no encontro que mal esperava ser uma despedida.

Para Edvalda, a neta, a avó pode ser definida em uma palavra: amor. "Ela nos ensinou e sempre dizia: 'Não tenha ódio, não tenha mágoa no coração. Isso nos envelhece, nos adoece. Ame, viva e seja feliz’. E foi isso que ela fez."

Dona Cadu morreu no dia 21 de maio, aos 104 anos, após sentir um mal-estar em casa. Além dos ensinamentos, deixa inúmeros admiradores, quatro netas, dois bisnetos e dez filhos —oito deles adotados.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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