Descrição de chapéu Chuvas no Sul

Reconstrução de bairro mais destruído de Porto Alegre enfrenta falta de emprego e desejo de ir embora

População do Sarandi se queixa de demora na remoção de entulho; gestão Sebastião Melo diz que limpeza foi reforçada

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Escombros tomam ruas do Sarandi, na zona norte de Porto Alegre Carlos Macedo - 11.jun.2024/Folhapress

Porto Alegre

Enquanto outros bairros de Porto Alegre já ensaiam uma retomada da normalidade, no Sarandi, o mais afetado pela cheia, moradores deram início ao trabalho de limpeza quase 40 dias após a enchente na capital gaúcha.

Em meio aos escombros e ao desejo de reconstrução, eles relatam ausência do poder público e se queixam de falta de equipes de limpeza e demora para retirada de lixo e entulho das ruas. Há temor pelo futuro, perda de emprego e vontade de deixar o bairro, onde muitos vivem desde a infância.

Localizado na zona norte de Porto Alegre, o Sarandi teve ruas submersas e a água baixou apenas na última sexta-feira (7), quando novas bombas foram ligadas na região. Em toda a capital gaúcha, 160.210 pessoas foram atingidas pela cheia, a maior parte no bairro, onde cerca de 26 mil tiveram as casas invadidas pelas águas.

Moradores do bairro Sarandi, na zona norte de Porto Alegre, enfrentam cenário de destruição e buscam a reconstrução depois da enchente
Destruição no bairro Sarandi, um dos últimos a ver a água baixar em Porto Alegre - Carlos Macedo/Carlos Macedo/Folhapress

Cariane dos Santos Batista, 35, afirma que tem vontade de vender a casa em que vive na parte superior e o cunhado na parte inferior, mas acha que não seria um bom negócio. "Ninguém vai se interessar por um imóvel que está ilhado. A vontade é [sair], mas vão oferecer mixaria e vamos fazer o que com isso?"

Em grupo de WhatsApp da comunidade, moradores pedem ajuda por produtos de limpeza, informações sobre o trabalho da prefeitura e relatam como está a retomada. Uma moradora da região usou o aplicativo para relatar o que passou em sua casa: "Estou traumatizada, não quero mais voltar para o Sarandi. Perdi todos os meus móveis que demorei anos para adquirir."

Os moradores tentam limpar suas casas e mensurar os danos, porém as ruas são repletas de lama, entulho e mau cheiro. No local, muitos reclamam da falta da presença de agentes públicos. A reportagem esteve no bairro na terça (11) e viu ao menos três retroescavadeiras que trabalhavam para retirar entulho e um caminhão de lixo.

A gestão do prefeito Sebastião Melo (MDB) afirmou que, na terça, maquinários trabalharam em cinco ruas do bairro. Nesta quarta (12), o número de vias com a presença de funcionários subiu para oito, diz a administração municipal.

À Folha o diretor do DMLU (Departamento Municipal de Limpeza Urbana), Carlos Alberto Hundertmarker, disse que o Sarandi recebeu reforço de equipe de limpeza, uma vez que há previsão de chuva forte para o fim de semana, no sábado (15) e no domingo (16).

A demora para a retirada o lixo das ruas é uma das principais preocupações da população do Sarandi. Além de atrasar a limpeza, muitos temem que o entulho possa obstruir os bueiros quando chover novamente.

O diretor do DMLU afirma que ainda não é possível dizer quando as ruas devem estar limpas, visto que, além da enchente, muitas casas foram levadas pela água e o volume de resíduos é alto. "Nossa preocupação e planejamento é atender essa área o mais rápido possível", afirmou.

A orientação para os moradores é que não descartem resíduos orgânicos nas ruas junto aos resíduos inertes. "Sei que é muito difícil essa divisão neste momento, mas é importante esse cuidado."

Em diferentes pontos do bairro a reportagem encontrou moradores que viviam em imóveis onde parte do espaço era destinada para o trabalho.

É o caso do empresário Claiton Leandro Côrrea, 40, que mantinha máquinas de bordado no quintal de casa. Agora, ele tenta recuperar alguma delas para garantir o sustento. "As contas não param de chegar", disse, estimando um prejuízo de R$ 500 mil. "Nunca fiz seguro desse equipamento, quem iria pensar que isso poderia acontecer?", continuou ele, que está há 20 anos na área.

Em frente a uma casa destruída, Peter Silva de Oliveira, 36, trabalhava para retirar escombros do local. Ele mantinha uma marcenaria na casa onde vivia, porém o imóvel desabou após o rompimento de um dique. Na tarde de terça, ele aguardava a chegada da retroescavadeira da prefeitura para tentar recuperar algumas ferramentas perdidas na lama.

Denise Prado, 42, contou que tinha uma loja e um ateliê de costura. O equipamento enferrujou, e as roupas que vendia apodreceram. "Estou tentando lavar só para fazer um brechó porque não dá para vender. Elas estragaram", disse ela, que calcula ter perdido cerca de R$ 300 mil com as chuvas.

"Meu marido falava para eu não investir tudo em estoque e guardar dinheiro, mas eu estava investindo tudo ali. Agora fiquei sem estoque e sem dinheiro", lamentou.

No início da tarde, Claudio Sidnei Barreto, 53, esperava por doação de materiais de limpeza na esquina da sua casa. Motorista de aplicativo, ele tinha o carro alugado.

"Estou desempregado", disse ele, que agora aguarda o benefício para os afetados pela enchente. Além da falta de trabalho, Claudio relata que tem enfrentado dificuldade para limpar a casa e que o forte cheiro da enchente causa dores de cabeça.

Sua casa está localizada em uma via em que o acúmulo de lixo é tanto que caminhões têm dificuldade de passar. Há também locais em que o montante de lixo se mistura com lama alta, o que torna difícil a passagem mesmo de quem anda a pé na região.

Nos pontos em que ainda há fios e lama alta, a energia elétrica ainda não foi religada por falta de segurança. Os moradores, contudo, afirmam que não saem dali por medo de saques.

A fonte de ajuda é de voluntários que atuam na limpeza e entrega de marmitas e de roupas. No local, Maurício Lorenzatto, um dos organizadores da Associação dos Atingidos pela Enchente do Sarandi, coleta assinaturas para consegui pressionar a prefeitura a agir.

A campanha teve início na segunda-feira (10), e ao menos 200 moradores foram associados até quarta, ele diz. O objetivo inicial é trabalhar com as seguintes metas: evitar que a tragédia se repita; lutar por moradias dignas; brigar pela reparação pelos danos materiais e morais; e garantir voz na reconstrução da cidade.

"Sentimos uma ausência do poder público. As ruas entulhadas de coisas, vai chover de novo no fim da semana e não parece estar sendo realizado um trabalho capaz de finalizar essa limpeza", disse.

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