Projeto de educação ambiental na Billings resiste dois anos após morte de criador

Adolfo Souza Duarte, o Ferrugem, foi assassinado em agosto de 2022; iniciativa tenta parcerias e financiamento coletivo para seguir com atividades

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Ariane Costa Gomes
São Paulo | Espaço do Povo

O dia 6 de agosto de 2022 mudou para sempre a vida de Uiara Dias, 42. Na manhã daquele dia, confirmaram que o corpo de seu marido, Adolfo Souza Duarte, 41, mais conhecido como Ferrugem, havia sido encontrado na represa Billings, na zona sul da cidade de São Paulo.

Ele estava desaparecido desde o dia 1º após sair para um passeio de barco pela represa Billings acompanhado por dois casais. Ativista ambiental, historiador e educador ambiental nascido e criado no Grajaú, ele fundou o Meninos da Billings, projeto de educação ambiental realizado às margens da represa.

Barco da Meninos da Billings na represa, na zona sul de São Paulo
Barco da Meninos da Billings na represa, na zona sul de São Paulo - Meninos da Billings/Divulgação

"Fui casada com ele durante 20 anos, e saber o empenho e o valor que ele tinha por aquilo fez com que em nenhum momento eu pensasse em parar com o projeto", afirma Uiara, que assumiu a presidência e a coordenação da iniciativa.

Em 2014, Ferrugem criou o Remada na Quebrada, primeira atividade da organização, que ensina a prática do remo a crianças da região.

A canoagem foi o meio usado pelo ambientalista para lidar com a perda do filho Miguel, aos nove anos, devido a um câncer. Uiara auxiliava no planejamento das atividades e também em ações para levantar recursos para manutenção e a compra de novos caiaques e coletes salva-vidas.

"Quando fui estudar para entrar na minha área [estética] me distanciei um pouco, mas sempre sabia o que estava acontecendo e comparecia às atividades realizadas aos finais de semana", conta.

Agora há quase dois anos à frente da organização, ela diz que os principais desafios têm sido conseguir parcerias para manter o serviço gratuito voltado à comunidade e ter um espaço para ser a sede da ONG.

Os principais recursos vêm de ações realizadas com escolas particulares e empresas e de campanha de financiamento. O agendamento é feito via redes sociais.

A imagem mostra um grupo de pessoas sentadas em um barco, todas usando coletes salva-vidas laranja. O barco está coberto e parece estar em um passeio turístico. No centro da imagem, há um homem em pé, possivelmente o guia, falando com os passageiros. Na parte frontal esquerda da imagem, há um painel informativo com textos e imagens, mas o conteúdo não é legível.
Atividade de navegação e observação da fauna e da flora pela represa Billings, na zona sul de São Paulo; passeio conduzido pelo projeto Meninos da Billings, criado em 2014 para educação ambiental - Meninos da Billings no Facebook

Em nota, a Prefeitura de São Paulo disse que "o projeto Meninos da Billings produz impactos positivos em educação ambiental ao promover a sensibilização para a conservação da represa e a formação de uma cultura local de preservação e uso racional dos recursos naturais".

Conta que há reuniões com os representantes que são conselheiros gestores da APA [Área de Proteção Ambiental] Capivari-Monos e que promoveu em conjunto uma ação de educação ambiental e turismo ecológico na represa em março deste ano.

Entre as atividades do Meninos da Billings estão o Remada na Quebrada, canoagem voltada ao público infantojuvenil de 7 a 18 anos, passeios de barco pela represa; plantio de mudas nativas, mutirão de limpeza e oficina de construção de lixeiras com garrafas PET recolhidas durante o mutirão. Há também o Barco Escola, aula sobre assuntos diversos realizada dentro de uma embarcação, e o Navegando nas Artes, para formação de velejadores a partir de 7 anos.

"Trabalhamos falando da represa, e a partir disso é possível fazer atividades com disciplinas diversas como ciências, biologia, história, geografia", diz Uiara.

Atualmente, a equipe é composta por Uiara, o vice-presidente e coordenador, Will Silva e o marinheiro Adriano Santos. Voluntários, moradores da região, auxiliam no desenvolvimento de atividades que envolvam um grande número de participantes e em ações sociais.

"Minha vontade é que todas as crianças de escolas públicas possam participar do Barco Escola, porque é muito rico em informação", diz a presidente da ONG. A verba recebida com atividades pagas é revertida em ações voltadas à comunidade, que é informada via redes sociais sobre a programação.

Morador do Lago Azul, Will, 39, soube da ONG após participar de um evento de plantio comunitário. Ali ele conheceu Ferrugem e foi convidado a integrar a Meninos da Billings, da qual faz parte desde 2015. Jardineiro e educador ambiental, ele coordena a execução dos projetos.

"Estamos dando sequência a trabalho que foi feito de forma visionária pelo Ferrugem. Antigamente, a represa Billings era imunda, as pessoas não queriam frequentá-la e ele teve uma visão de um futuro mais sustentável e mais equilibrado para que todos pudessem ter uma qualidade de vida melhor e aproveitar o espaço da represa que é público", diz.

Ele avalia que a qualidade da água melhorou e destaca a importância de políticas públicas como a criação de parques lineares e o acesso ao serviço de saneamento em áreas periféricas.

"É preciso aumentar a fiscalização contra descarte irregular de resíduos sólidos porque ainda temos alguns pontos de poluição na represa Billings. É algo difícil de lidar, porque abrange sete municípios e cada prefeitura trata de uma forma a questão da sustentabilidade e preservação da represa", opina.

No próximo dia 31, a Meninos da Billings completa dez anos. Na primeira semana de agosto, será feita uma homenagem aos dois anos da morte de Ferrugem com a inauguração de um painel de grafite na rua Beija Flor de Cactos, Parque Residencial dos Lagos, no Grajaú.

Como foi o crime

O aniversário de Ferrugem era no dia 31 de julho e, em 2022, no dia seguinte, ele desapareceu na represa quando guiava quatro jovens em um passeio pela represa. A versão deles era de que o ambientalista havia caído do barco com uma das jovens após um "tranco". No entanto, o laudo do Instituto de Criminalística constatou que a causa da morte foi asfixia, e não afogamento.

Os quatro foram indiciados sob suspeita de homicídio qualificado. Segundo a Secretaria da Segurança Pública, dois homens permanecem presos preventivamente (sem prazo) e duas mulheres respondem em liberdade .

O Parque Linear Cantinho do Céu, localizado no Grajaú, recebeu o nome do ambientalista. Ao término das entregas da obra, o Parque Municipal Adolfo Souza Duarte "Ferrugem" terá 400 mil metros quadrados e estrutura com áreas de esporte e lazer, como pistas de caminhada, áreas de permanência e contemplação, quadras esportivas, áreas de lazer infantil, áreas skatáveis, equipamentos de ginástica, entre outros.

Segundo a prefeitura, até abril deste ano foram investidos R$ 141 milhões e ainda não há data prevista de inauguração.

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