Um avião comercial com 62 pessoas a bordo caiu em uma área residencial de Vinhedo, no interior de São Paulo no início da tarde desta sexta (9). Ninguém sobreviveu.
O desastre é o mais letal do país desde 2007, quando um acidente com o voo 3504 da TAM nos arredores do aeroporto de Congonhas deixou 199 mortos, e um dos dez piores já registrados no Brasil.
A aeronave de modelo ATR 72-500 era operado pela empresa Voepass, antiga Passaredo. O voo seguia de Cascavel (PR) para Guarulhos (Grande São Paulo), desceu em queda livre, girando, até atingir a área de uma casa no condomínio Recanto Florido, no bairro Capela.
A Voepass apontou inicialmente que o voo 2283 tinha 57 passageiros e 4 tripulantes a bordo e depois atualizou o número para 58 passageiros —totalizando 62 mortos.
Segundo o Corpo de Bombeiros, várias equipes foram mobilizadas para atender a ocorrência. Moradores que residem no entorno relataram à Folha cenas de terror. A aeronave emitiu um barulho "terrível durante a queda", disseram. Um jovem que ajudou a resgatar dois idosos que vivem na casa onde a aeronave caiu disse que a cena foi assustadora.
O avião, de porte médio, deveria chegar às 13h54 em Guarulhos e perdeu 3.300 metros de altitude em menos de um minuto, segundo o site Flight Aware, que monitora voos em tempo real ao redor do mundo. A aeronave começou a perder altitude às 13h20.
Segundo o Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo), da Força Aérea Brasileira (FAB), o avião deixou de responder às chamadas do Controle de Aproximação de São Paulo às 13h21. O piloto não teria declarado emergência ou reportado estar sob condições meteorológicas adversas. O órgão informou que o voo ocorreu dentro da normalidade até as 13h20 e, às 13h22 um minuto após deixar de responder, houve a perda de contato com o radar.
A aeronave, fabricada em 2010, estava em condições regulares, segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Dados apontam que a Voepass, com a quarta maior demanda do país, enfrenta um pico de reclamações neste ano. Conforme relatório da Anac, a cada 100 mil passageiros da companhia, 67,40 estão se queixando —uma alta em relação à taxa média de 2023, de 38,59.
"A Anac está monitorando a prestação do atendimento às vítimas e seus familiares pela empresa, bem como adotando as providências necessárias para averiguação da situação da aeronave e dos tripulantes."
Em entrevista coletiva à noite, em Ribeirão Preto (SP), o CEO da Voepass, Eduardo Busch, disse que ainda não tem informações sobre a causa do acidente. Afirmou, ainda, que tudo o que tem circulado nas redes sociais a respeito do acidente é especulação.
O diretor de operações da Voepass, Marcel Moura, disse que até o momento nenhuma hipótese foi descartada. Uma das hipóteses é de que as hélices do avião teriam congelado.
A região tinha alertas para a formação de gelo severo no nível em que a aeronave estava no momento em que perdeu contato com o radar. Dados da Rede de Meteorologia do Comando da Aeronáutica mostram avisos sobre o fenômeno a partir das 8h30 até ao menos as 20h20 desta sexta para as altitudes entre 12 mil e 21 mil pés.
De acordo com informações do Flightradar24, a aeronave estava a 17 mil pés pouco antes do acidente.
Vários vídeos do momento da queda mostram que a aeronave desceu em queda livre girando levemente no ar, manobra conhecida como "parafuso chato", o que sugere que o piloto havia perdido o controle da aeronave e as condições de arremeter.
Duas possibilidades apontadas são uma falha no sistema de degelo, diante da suspeita de que gelo tenha se acumulado nas asas da aeronave, e uma falha na posição das hélices. Os dois cenários são capazes de afetar a capacidade de tração da aeronave.
Após fazer um sobrevoo no local logo após o acidente, o comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo, coronel Cássio Araújo de Freitas, afirmou que foi instalado um posto de comando em Vinhedo, composto por integrantes de diferentes organizações e que deve ser mantido por alguns dias. "A aeronave está destruída", afirmou.
O Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), da Força Aérea Brasileira, disse que recuperou a caixa-preta. A unidade de São Paulo disse ter conseguido encontrar os gravadores, nas siglas em inglês, CVR, o cockpit voice recorder, e o FDR, flight data recorder. O primeiro grava vozes da cabine, e o outro, dados do voo, como altitude, velocidade e condições meteorológicas.
Grupo de médicos estava no voo
Entre as vítimas estava um grupo de médicos que seguiria para um congresso de tratamento de câncer em Curitiba. O evento, promovido pela farmacêutica AstraZeneca, aconteceria neste fim de semana, mas foi cancelado.
Entre as vítimas estavam Arianne Albuquerque e Mariana Comiran Belim, que embarcaram em Cascavel com destino a Guarulhos e tinham como destino final a capital paranaense. Elas eram médicas residentes do Hospital de Oncologia de Cascavel.
Em nota, o hospital enalteceu o trabalho das vítimas. "Médicas humanas, que atendiam todos os pacientes com muita dedicação, carinho e respeito. Não é à toa que eram recorrentes os elogios às duas em nossas ouvidorias. Era muito nítido o amor que ambas tinham pela profissão", diz trecho do texto.
Também estava no avião a menina Liz Ibba dos Santos, 3, que acompanhava o pai Rafael Fernando dos Santos. Ela faria 4 anos em outubro. A criança é filha da jornalista Adriana Ibba, que não estava no voo.
Uma das passageiras fez uma publicação na rede social Instagram pouco antes de embarcar. No vídeo, Isabella Pozzuoli segurava uma bagagem de mão, com o avião ao fundo. Segundo publicações na rede social, ela era professora de educação física na escola INSP Flamengo, no Rio de Janeiro.
O acidente gerou repercussão na imprensa internacional.
O presidente Lula (PT) decretou luto oficial de três dias. "Em memória das 61 vítimas do trágico acidente em Vinhedo, decretamos luto oficial de 3 dias no país", escreveu em postagem nas redes sociais no início da noite.
Durante agenda em Santa Catarina, pouco após a notícia do acidente, Lula pediu um minuto de silêncio durante um pronunciamento. O mandatário estava no estado para inauguração de uma obra em Florianópolis e a entrega de um navio de guerra em Itajaí. "Parece que todos morreram. Queria pedir um minuto de silencio às vítimas", disse.
Os governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, e Ratinho Junior (PSD), do Paraná, interromperam a participação em uma agenda do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) em Vitória (ES), e foram para Vinhedo.
"É um dia triste. Todo acidente aéreo é uma fatalidade que choca todo mundo por não estar dentro da normalidade. Ainda há pouca informação sobre as vítimas que estavam no avião, mas quero deixar minha solidariedade às famílias", disse Ratinho Junior. "O povo do Paraná abraça a cidade de Cascavel. Que Deus conforte amigos e familiares das vítimas desse trágico acidente. Estamos colocando todas as nossas forças à disposição para ajudar", complementou.
O prefeito de Cascavel, Leonaldo Paranhos, gravou um vídeo em suas redes sociais: "Uma tarde muito triste para todos nós. Estamos tomando as medidas necessárias de atendimento aos familiares das pessoas de Cascavel e de pessoas de outras cidades que estavam neste voo", declarou na publicação.
O trabalho de resgate no local deve ser mantido até a conclusão da retirada de todos os 62 corpos. As vítimas retiradas do que sobrou da aeronave serão levadas para a sede do IML (Instituto Médico Legal) na cidade de São Paulo, sob a justificativa de que há mais estrutura para dar celeridade à identificação.
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