Descrição de chapéu maternidade

Filhos ficam um ano na frente quando os pais conhecem matemática

Atitude da família afeta desempenho de alunos na disciplina, mostra estudo

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Sally, 29, estuda com o filho Thomaz, 9; a filha, Camilly, 6, já começa a gostar de matemática
Sally, 29, estuda com o filho Thomaz, 9; a filha, Camilly, 6, já começa a gostar de matemática - Rafael Roncato/Folhapress
 
São Paulo

Pais que não sabem matemática e deixam de passar uma imagem positiva da disciplina prejudicam o desempenho dos filhos. Por outro lado, o envolvimento e a atitude das famílias podem promover resultados consideráveis, superando inclusive barreiras sociais.

Pesquisa inédita no país realizada com pais e filhos trouxe evidências que, de certo modo, confirmam intuições.

Saber o nome do professor de matemática do filho, por exemplo, pode ter importante impacto sobre o desempenho do filho na disciplina, com uma alta de 18% no conhecimento das crianças. 

Quando os pais têm ciência sobre o que os filhos estão estudando nas aulas da matéria, o impacto é de 12%.

O estudo coordenado pelo professor Flavio Comim, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e de Cambridge (Reino Unido), entrevistou e testou alunos e pais (1.512 pares) de escolas públicas do país. O objetivo foi entender como as relações familiares impactam no desempenho dos filhos em matemática. 

O foco se deu em crianças entre os 3º e 5º anos, com idade média de 9,6 anos. O perfil foi escolhido porque estudos mostram um maior desenvolvimento cognitivo até os 10 anos. A pesquisa foi realizada por meio do projeto “O Círculo da Matemática do Brasil”, do Instituto Tim.

O conhecimento matemático dos pais é o fator com a maior relação com o desempenho dos filhos na matéria.

O efeito equivale a um ano e meio de aulas. “Tem uma influência três vezes maior do que o desemprego (que opera, no entanto, na direção oposta)”, cita o estudo.

“Os adultos podem prejudicar as crianças, não só porque no Brasil são preponderantes as escolas de tempo parcial, mas porque eles repassam o preconceito para as crianças”, diz Comim.

Como familiares carregam trauma com a matemática, os alunos não se engajam nos estudos. Assim, o fracasso dos filhos se torna aceitável.

“Os pais têm medo de matemática e já alertam as crianças antes de elas aprenderem. A criança já cria a ideia de que matemática é um bicho de sete cabeças”, diz Priscila Azevedo, professora da Universidade Federal de São Carlos e pesquisadora em educação matemática na infância.

A imagem da matemática como um universo inacessível se estabelece com o passar dos anos. Aos 7 anos, todas acham a matéria “legal”. Aos 13 anos, um terço já rejeita. É como uma “bomba relógio”, na descrição do estudo.

Esse intervalo de idade coincide com a queda de atenção dos pais com as atividades escolares dos filhos. Por outro lado, 72% das crianças gostariam de ajuda para aprender matemática.

INDICADORES

As conclusões do estudo vão ao encontro de outra pesquisa que relaciona o sucesso em matemática com a cultura familiar. Como a Folha mostrou em dezembro de 2017, descendentes de japoneses estão um ano na frente em matemática.

Os indicadores do país são desalentadores. No fim do 9º ano, 86% dos estudantes de escolas públicas não aprenderam o esperado em matemática, segundo a Prova Brasil de 2015. No Pisa, avaliação internacional com jovens de 15 anos, até os resultados de alunos ricos de escolas privadas ficam abaixo do registrado por estudantes do mesmo perfil de países desenvolvidos.

Em janeiro, o Brasil celebrou a ascensão para a elite mundial da matemática. Trata-se de um seleto grupo que reúne as nações mais bem sucedidas na pesquisa da área, segundo classificação da União Matemática Internacional.

E o que explica o abismo entre a escola e a academia? Diretor do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), Marcelo Viana ressalta que universidade e escola vivem em planos diferentes e não interagem. Mas há o efeito, diz ele, do baixo status que a educação tem no país.

“A cultura nacional não privilegia a educação”, diz Viana, colunista da Folha. “A formação docente é deficiente, não valorizamos o professor e a sociedade acha razoável que ele tenha salários entre os mais baixos do país, ao contrário de outros países.”

O estudo do Instituto Tim abre a janela para um amplo desafio: uma crise que envolve não só a escola, mas tem relação com aqueles que já passaram pela idade escolar.

Pesquisa também realizada por Comim em 2015 mostrou que, em geral, adultos não sabem matemática: 75% não sabem médias simples, 63% não respondem questões sobre porcentuais. Nesta nova pesquisa, 72% dos pais erraram o cálculo para sair de casa para pegar o ônibus e chegar no horário no destino.

Estatísticas e estudos relacionam bons resultados das crianças à escolaridade das mães. No cenário encontrado na pesquisa sobre matemática, faz mais efeito para o desenvolvimento dos filhos um conhecimento básico de ensino médio dos pais do que a realização de curso superior.

Thomaz tem 9 anos, está no 4º ano e diz adorar matemática. “Gosto muito de números”, conta o estudante da escola estadual Prudente de Moraes, no centro da capital paulista. Nem sempre foi assim, conta a mãe, a dona de casa Sally de Souza, 29.

O interesse do menino se revelou quando ele começou a acompanhá-la nos estudos. Sally sonha cursar medicina e assinou uma plataforma online para treinar matemática. 

“Estudo todos os dias e ele senta do meu lado, fazemos os exercícios juntos e ele se interessa bastante”, diz Sally, que teve de interromper os estudos no ensino médio e agora finaliza a etapa em uma escola para jovens e adultos. 

Ter tempo para ajudar o filho com a lição de casa também promove ganhos. Nesses casos, a nota dos filhos nos testes da pesquisa sobe 9,4%.

O professor de matemática e autor de livros didáticos Antonio José Lopes, o Bigode, ministra um curso de matemática para pais. “Temos que discutir a importância do papel dos pais no processo de aprendizagem, mas não podemos culpá-los. Nem eles nem as crianças”, diz.

Bigode diz que muitas vezes atitudes familiares são dificultadas por questões estruturais, como a falta de professores. “É comum o aluno ter vários professores ao longo do ano. E como ele aprende?”, diz. “Às vezes nem o diretor sabe o nome do professor, muito menos os pais.”

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