No topo de ranking, ES alavanca ensino médio sem 'reinventar a roda'

Apesar de redução de verba, plano de metas e educação integral se destacam no estado

Escola Viva, colégio integral modelo do governo do Espírito Santo
Escola Viva, colégio integral modelo do governo do Espírito Santo - SEDU-ES/Divulgação
Carolina Linhares
Vitória

Na sala de tapete em EVA e almofadas espalhadas, alunos da Escola Viva São Pedro, em Vitória, têm duas “aulas de PV” por semana. O uso da sigla para Projeto de Vida mostra que a comunidade escolar assimilou o método adotado nos 32 colégios integrais da rede estadual de ensino médio, as Escolas Vivas.

Junto com o Programa Jovem de Futuro, implantado em 2015 para melhorar a gestão das escolas, e o Pacto pela Aprendizagem, de colaboração até financeira com os municípios na educação básica desde 2017, a medida ajuda a explicar o desempenho das escolas estaduais no ensino médio, que tiveram as maiores notas do país em português e matemática no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) no ano passado.

No Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que considera também a taxa de aprovação, a rede estadual foi a segunda melhor do Brasil, com 4,1 pontos, atrás de Goiás. São Paulo teve 3,8.

Incluídas as escolas particulares, o Espírito Santo salta para a primeira posição, com 4,4. Ainda assim, não alcançou as metas de 4,4 e 5,1, respectivamente, em nenhum dos casos.

O governo se inspirou na educação municipal de Sobral (CE), na escola de tempo integral de Pernambuco e na experiência do Jovem de Futuro, do Instituto Unibanco, em outros estados. “Não fomos reinventar a roda. Fomos colocar a roda para rodar”, afirma o governador Paulo Hartung (MDB).

“As melhores aulas são aqui”, diz o aluno Gabriel Sotero, 17, na sala de PV, onde os estudantes traçam objetivos e trabalham em um plano de ação para alcançá-los. O protagonismo, outra diretriz, é levado à risca: os próprios estudantes apresentam a escola e sua pedagogia.

Eles contam que, em 9,5 horas diárias, têm acesso a disciplinas eletivas (moda, gastronomia, reciclagem, contrabaixo, direito), aulas de estudo orientado, professores tutores, clubes juvenis (teatro, dança, xadrez), salas com smart TV, ginásio, auditório e laboratórios.

A São Pedro, num bairro periférico, foi a primeira escola do tipo, inaugurada em 2015 onde antes funcionava uma faculdade. Mas as Escolas Vivas são uma bolha na rede de 240 unidades de ensino médio com 100.978 alunos. Em Cariacica, na Grande Vitória, por exemplo, a reforma da Escola Estadual João Crisóstomo Belesa teve início em 2010 e foi retomada somente neste ano.

Dentro da quadra, foi construído um galpão que funciona com salas de aula improvisadas. Em dois anos, o governo promete terminar a reforma, com nova quadra, biblioteca e laboratório.

“Numa rede com tantas escolas, sempre vai ter problema, mas isso não é a realidade. Há manutenção constante”, diz o secretário de educação, Haroldo Rocha.

“O prédio é ruim, o professor ganha pouco. Esse discurso é velho. Claro que prédio bonito ajuda, mas parede não ensina. A essência da escola é a relação aluno e professor.”

O estado apostou em profissionalizar a gestão das escolas, com processo seletivo para diretores e com a técnica do Jovem de Futuro, que estabelece metas e alcançou toda a rede estadual de ensino médio neste ano.

“O trabalho passou a ser organizado. Existe um plano de ação, em que a gente vê o que funciona e o que precisa corrigir”, afirma a diretora Vírginia Silva, da Escola Estadual Francisco Nascimento, na Serra, Grande Vitória.

Na escola, a falta de espaço também é problema. A biblioteca é um cômodo com uma mesa e estantes, do tamanho da sala dedicada a guardar giz e outros materiais na Escola Viva São Pedro.

“Aqui não é uma biblioteca, é um lugar de colocar livro”, reconhece a diretora. “Mas eu preciso fazer o melhor com o que eu tenho”, completa, ecoando o discurso do secretário.

“Nosso resultado tem a ver com gestão, muito mais do que com investimento. Vivemos uma restrição financeira grande. No debate sobre educação, o resultado ruim é atribuído à falta de dinheiro, então é uma reflexão para parar de usar isso como muleta”, diz Rocha.

O estado diminuiu a parcela da receita investida em educação, de 29,55% em 2014 para 27,69% em 2017. No período, os indicadores de aprendizagem subiram. Rocha faz a ressalva, porém, de que é preciso, sim, que o país gaste mais com educação, como forma de superar a desigualdade.

Idelbrando Paranhos, diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes) e professor do ensino médio, defende mais investimento em infraestrutura e salários para que o estado finalmente alcance a meta do Ideb. 

“O trabalhador da educação reconhece que o estado pode dar um pouco mais. Os bons resultados são fruto de trabalho dos professores, que fazem grande esforço mesmo em condições complicadas”, afirma.

A categoria não teve reajuste algum de 2015 a 2017. Neste ano, todo o funcionalismo capixaba teve 5% de aumento. Para o secretário, não há razão para desmotivação de professores, principalmente em comparação com os vizinhos Minas e Rio, que parcelam os salários.

“A perda vai ser recuperada quando tiver receita. A gente explicou muito isso aos professores, que foram compreensivos”, diz. Segundo a secretaria, o salário inicial dos professores com licenciatura é de R$ 3.330,69 para 40 horas semanais.

Rocha lista ainda outras medidas que alavancaram o estado, como a aplicação de uma avaliação trimestral em toda a rede, que conta pontos na nota do aluno e portanto exige afinco. Os resultados são analisados por um sistema eletrônico que permite ao professor identificar as falhas de cada estudante.

O uso do smartphone em sala de aula é outra ferramenta que gera engajamento dos alunos. Na escola Francisco Nascimento, os estudantes usam um aplicativo gratuito para receber tarefas e tirar dúvidas com os professores.

Nas atividades com uso da internet, o professor liga o wifi e distribui uma senha que funciona para aquela aula. Segundo a diretora, vem crescendo a consciência de não usar o celular para redes sociais na escola.

“Professor do século 21 não tem que ficar dando aula. O aluno é pesquisador e professor é curador de conhecimento”, diz Rocha. 

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