Governo precisa vir para conversar, diz relatora do Fundeb na Câmara

Deputada Professora Dorinha (DEM-TO) admite mudanças no texto que prevê aumento na contribuição federal, mas pede que saída seja negociada

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Brasília

Assim que veio a público a minuta da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que renova o Fundeb, e prevê um aumento do gasto da União na educação básica, o governo Jair Bolsonaro (PSL) foi para o ataque. 

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, convocou, no dia 19 do mês passado, entrevista coletiva para dizer que foi pego de surpresa e que estuda encaminhar ao Congresso um texto próprio.

A área econômica do governo disseminou que o impacto da proposta seria, até 2023, de R$ 855 bilhões—mesmo sem detalhar os cálculos, que não condizem com as projeções da área técnica da Câmara, debruçada desde 2015 no tema.

Principal mecanismo de financiamento da educação básica, o Fundeb reúne impostos de estados e municípios e conta com uma complementação da União para estados (e seus respectivos municípios) que não atinjam um valor mínimo a ser gasto por aluno. A colaboração federal para o fundo hoje é de 10%, o projeto atual a eleva gradualmente para 40% até 2031.

Em entrevista à Folha, a relatora do texto na Câmara, deputada Professora Dorinha (DEM-TO), admite mudanças no texto, mas diz que o governo precisa vir de fato para as negociações. Ela critica a falta de empenho do executivo no tema e a divulgação de números que superestimam o impacto. 

“Esse envolvimento poderia ter sido maior, sim, é um tema estratégico demais”, diz ela, “Não estamos falando de dar mais dinheiro para uma área que já tem muito dinheiro. Quando a gente põe o gasto por aluno, o investimento ainda é muito baixo”.

Dorinha diz esperar um melhor diálogo com o governo e, ao mesmo tempo, tem buscado apoio dentro e fora do Parlamento. "O Fundeb não é do governo federal, é um pacto federativo", diz. A expectativa  dela é chegar a um texto consensualizado para aprovar na Câmara ainda este ano.

A minuta trouxe 40% [de colaboração federal para o Fundeb] após concertação com textos em trâmite no Senado, que preveem esse percentual. Depois, o governo saiu para o ataque. O Executivo foi pego de surpresa ou faltou interesse na discussão? Se você tinha o texto antes, imagina o governo. Esse envolvimento poderia ter sido maior, sim, é um tema estratégico demais. E não é [suficiente] o envio de um ofício dizendo que concorda com isso, pede isso. Aquilo é sugestão [o MEC encaminhou em junho ofício em que defende 15% de complementação e com outras indicações]. Existe toda abertura para essa discussão, mas é óbvio que o governo precisa vir para conversar. 

A discussão da complementação retoma o debate de que a União tem baixo protagonismo no financiamento da educação básica. A senhora pretende insistir com os 40%, insistir no convencimento? O percentual de 40% não vem de uma iniciativa minha, vem assinado pelos secretários estaduais de Educação, municipais, pelo fórum de governadores e pelo Senado. Não é pouca coisa. Temos sentado com outras instituições e atores e esse trabalho é de construção. Só não dá para construir se a gente não sentar para discutir.

Se não vê viabilidade de 40% em dez anos, precisa trabalhar, porque no texto a gente coloca [o aumento] ano a ano. Pode chegar a isso em quanto tempo? Se você observar o tom alarmante dos R$ 855 bilhões, onde eles dão algum dado concreto? Na reunião [na Economia], os próprios técnicos assumiram que teve equívoco na divulgação, a gente sabe que não é aquele impacto. Pedimos os dados e até agora não veio [a Folha também solicitou e não recebeu]. Alguma coisa vai ter que vir, precisamos conversar. Os nossos dados estão públicos, todas as simulações, não surgiu algo agora.

Mas esse percentual está em aberto? O texto está em aberto, ainda não é o relatório final. Eu não posso ir para uma disputa de  texto e percentual em um tema desse, com impacto para o país inteiro. O presidente [da Câmara] Rodrigo Maia [DEM-RJ] me mandou uma preocupação sobre o número de escolas sem água tratada. Não queremos todas as escolas com piscina, estamos falando de escolas que não podem ser chamadas de escolas. Estamos falando de um esforço de país.

A proposta do governo, de 15%, tem chance de ser atendida? Não é só uma questão de ser pouco dinheiro, porque pode dar ideia de que a discussão é só colocar mais dinheiro. Mas quando joga no per capita, continuam centenas de municípios que estão em estados que nunca receberam complementação e são muito pobres. Temos um esforço com relação à educação infantil, há um número enorme de jovens fora da escola, acabamos de votar uma reforma do ensino médio que requer investimento. Estamos falando de um país onde o piso salarial do professor é muito ruim, onde há falta de professores e onde menos de 20% dos alunos de ensino médio pensam em ser professores.

Existe um espírito reformista no Congresso e no governo, que passa por redução de gastos públicos. A senhora é do mesmo partido do presidente da Câmara, que encarna um protagonismo nessas reformas. Ele apoia os 40%? Como tem sido a conversa após a reação do governo? Temos tido conversas iniciais, e o Rodrigo tem liderança muito forte. Em muitos momentos, ele foi muito atacado, e pelo próprio governo. Muitos que reagiram ao relatório [do Fundeb] com escândalo e gravação de YouTube também fizeram isso com ele muitas vezes. Ele mostrou maturidade e a compreensão de um poder que tem tamanho. Nós não somos subordinados ao governo. Mandar um ofício não significa que vamos obedecer a esse ofício. A questão do Rodrigo é como se constrói um orçamento público viável. Não vamos sair com texto louco, porque se não tiver um mínimo de concertação ele não vai para voto no plenário.

O governo tem tentado colocar uma pecha de que prever 40% significa um texto louco, inviável. Será? Com mais 40 milhões de alunos, temos um investimento por aluno que é um terço do países da OCDE, e com resultados que precisam ser enfrentados. Avançamos muito, na cobertura escolar, universalização, melhoria de Ideb do 1º ao 5º ano, mas não é verdade que a gente tem esse assunto resolvido. Não estamos falando de dar mais dinheiro para uma área que já tem muito dinheiro. 

Existem recursos para uma complementação maior? A escolha de definição de valor ou investimento da educação é também política, e não só do governo federal, mas do próprio Parlamento. Já veio proposta do governo de usar fundos regionais, o próprio MEC tem um volume de recursos significativos que podem [migrar para o Fundeb] e compor a complementação. Os recursos do petróleo estão em uma crescente e a ANP [Agência Nacional do Petróleo] apresentou dados concretos que mostram crescimento significativo a partir de 2021, e cresce em 15 anos. 

Já há nos bastidores do ministério da Economia rumores de que o governo poderia esvaziar a comissão do Fundeb e colocar esse tema no âmbito da proposta do pacto federativo. A senhora sente algum risco de o governo tentar atropelar e impor seu projeto? Acredito que não, porque o Fundeb é uma área com capilaridade tamanha. Estamos falando de mais 5.000 municípios, manutenção de escolas com mais de 40 milhões e que tem prazo para ser construído.

Mas o ministro da Economia, Paulo Guedes, já falou sobre desvinculação. Ele disse que é contra toda vinculação, e ele tem um monte de ideias que a linha dele enquanto ministro da Economia pode caminhar. Agora, a questão é um país que vai fazer uma construção que não passa por uma pessoa, nem se a gente tivesse numa ditadura. Ele pode até trabalhar para isso internamento no governo, outra coisa é o governo ter coragem de assumir. 

 
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