Currículo fraco e crítica a 'pseudos messias' pressionam nova presidente da Capes

Nomeação de Claudia Toledo provocou críticas tanto no meio acadêmico quanto na militância de direita que apoia o governo Jair Bolsonaro

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Brasília

A nomeação da advogada Claudia Mansani Queda de Toledo para a presidência da Capes provocou ondas críticas tanto no meio acadêmico quanto entre a militância de direita que apoia o governo Jair Bolsonaro (sem partido).

Fragilidades de seu currículo têm sido criticadas por setores da universidade, que apontam que ela não teria o perfil para assumir o órgão que regula e fomenta a pós-graduação no país. Por outro lado, parte da produção acadêmica dela tem sido identificada como de esquerda.

Em artigo de 2018, ano da eleição de Bolsonaro, ela escreveu que o desrespeito ao outro permite "o renascimento de regimes totalitários, capitaneados por novos (pseudos) messias". O trecho não passou despercebido por grupos de direita no entorno do governo, que interpretaram crítica velada ao presidente, que tem Messias em seu nome.

Citações ao educador Paulo Freire, frequentemente criticado pelo presidente e apoiadores, e outro artigo sobre direitos humanos e diversidade sexual também têm chamado a atenção. Esses arquivos foram enviados a integrantes do Palácio do Planalto, de acordo com interlocutores do governo.

A Capes é vinculada ao MEC (Ministério da Educação), comandado pelo pastor Milton Ribeiro.

A nova presidente da Capes, Claudia Mansani Toledo, ao lado do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Educação, Milton Ribeiro - Milton Ribeiro no Twitter

Na quinta-feira (15), mesmo dia em que saiu sua nomeação, Claudia publicou uma carta de intenções. Entre os pontos, ela ressalta que vai manter as estruturas internas para composição dos colegiados, de acordo com a legislação vigente.

Segundo relatos feitos à Folha, a sinalização frustra o bloco ideológico do governo. Desde a gestão do ex-ministro Abraham Weintraub, trabalhava-se para alterar a composição do Conselho Superior da Capes, reduzindo a participação da sociedade civil. Bolsonaro já tomou uma série de medidas nesse sentido.

A nova presidente da Capes é doutora em direito pelo Instituto Toledo de Ensino, de Bauru (SP), atualmente chamada de Centro Universitário de Bauru. Ela era reitora da instituição, que é de sua família.

Foi lá que estudou o próprio ministro da Educação, pastor Milton Ribeiro —logo após assumir, ele esteve no local e foi homenageado. O ministro André Luiz Mendonça (Advocacia-Geral da União) também passou pela faculdade.

O fato de ela ter se doutorado e ter sua carreira acadêmica vinculada à instituição da própria família tem sido visto com desconfiança. A Sociedade Brasileira de Física publicou uma nota em que pede que o ministro reveja a nomeação.

"O currículo da Dra. Toledo não é compatível com o perfil desejado de presidentes da Capes. Tememos, portanto, que a importante missão da Capes esteja ameaçada com esta nomeação", diz a nota.

O texto ainda cita que ela coordenou a pós-graduação da instituição antes de ter finalizado o doutorado (o que ocorreu em 2012) e que sua produção acadêmica "é escassa e tem pouquíssima experiência com formação de recursos humanos."

A qualidade da pós-graduação de sua instituição também é ressaltada pela entidade. O Centro Universitário de Bauru possui um curso de pós-graduação, de Sistema Constitucional de Garantia de Direitos, o mesmo no qual a nomeada obteve seu doutorado.

A última avaliação periódica da Capes, de 2017, conferiu ao programa nota 2, insuficiente para seu funcionamento. Em uma segunda análise, o Conselho Técnico-Científico da Capes ressaltou as falhas e manteve a mesma avaliação.

"O programa já antigo [foi criado em 2017], ficou em penúltima colocação no ranking de produtividade dos programas, sendo superado, inclusive, por programas muito jovens", diz a ficha de reconsideração.

No entanto, a instituição conseguiu uma revisão da nota em um último recurso, dessa vez direcionado à presidência da Capes. Tanto o mestrado quanto o doutorado passaram à nota 4, como reconhecido em parecer do Conselho Nacional de Educação de fevereiro de 2020.

A Folha questionou a Capes e o MEC sobre essa revisão, bem como sobre as críticas sobre a nomeação. Não houve resposta até a publicação.

O professor Fernando Cássio, da UFABC (Universidade Federal do ABC), diz que há "práticas questionáveis" em seu currículo, como elencar reuniões de trabalho com a equipe a título de realizações acadêmicas. Há ainda a menção a artigo publicado em uma revista acadêmica conhecida no setor como predatória, por cobrar pela publicação e não ter revisão por pares.

"Espera-se de um presidente da Capes uma carreira científica de destaque", diz. "A gente está falando da nomeação de uma pessoa que não tem respeitabilidade acadêmica, vide a própria situação do programa de pós que ela estudou, trabalhou e de cuja instituição ela é reitora e proprietária."

Claudia Toledo substituiu Benedito Guimarães Aguiar Neto na presidência do órgão. A demissão de Benedito foi recebida com estranheza e preocupação dentro do MEC e pela comunidade acadêmica.

"Qualquer tipo de mudança em meio à avaliação quadrienal [dos programas de pós, tocada pela Capes], na crise que o Brasil vive, traz muita insegurança e instabilidade para a comunidade científica, ainda mais em um momento de fragilização para a ciência", diz Flávia Calé, presidente da ANPG (Associação Nacional de Pós-graduandos).

Calé diz esperar que seja mantida a linha dos últimos presidentes, de respeito e consulta à comunidade. Segundo ela, a carta de intenções da nova presidente trouxe apontamentos relevantes.

"Recompor o Conselho Superior nos termos do estatuto vigente é uma agenda importante para a comunidade", diz. "Mas também é necessário ter estratégia de recuperação do financiamento, nova discussão de prorrogação das bolsas e a preservação da qualidade do sistema de pós-graduação, porque existe uma pressão grande de setores privados que enxergam a pós como um filão de mercado."

Na carta de intenções, Claudia Toledo elenca dez pontos. Fazem parte dos compromissos, por exemplo, a prorrogação por 40 dias do prazo de preenchimento para a avaliação quadrienal —demanda dos programas de pós—, a manutenção desse instrumento e a simplificação para prestação de contas.

"Desenvolverei meus melhores esforços para honrar a confiança em mim depositada pelo governo federal e pela comunidade de pós-graduação, com base no diálogo, na transparência e na legalidade", diz o texto assinado por ela.

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