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Coronavírus

Falta de clareza mina confiança na reabertura das escolas em SP

Decisões do governo e da prefeitura estão descoladas do cenário epidemiológico; liberação beneficia rede privada

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São Paulo

Desconectadas do cenário epidemiológico, as decisões das autoridades paulistas sobre a capacidade máxima das escolas para atividades presenciais têm justificativas cada vez mais difíceis de entender.

A falta de clareza mina a confiança das famílias e pode aumentar ainda mais a já dramática desigualdade educacional na pandemia de coronavírus.

No segundo semestre de 2020, quando os casos de Covid-19 na capital paulista começaram a cair e a maior parte dos países desenvolvidos abriu suas escolas, a Prefeitura de São Paulo insistiu em vetar as aulas presenciais no ensino fundamental e na educação infantil.

A justificativa era que alunos poderiam colocar em risco familiares e professores. Pesquisas de opinião mostravam que a bandeira de reabertura das escolas era impopular à época.

Em janeiro, porém, quando o número de casos começou a subir, a gestão municipal decidiu liberar a volta das aulas presenciais em todas as etapas para até 35% dos alunos. A justificativa foi que inquéritos sorológicos haviam mostrado que a incidência entre as crianças era baixa.

A realidade, contudo, é que não houve nenhum fato novo entre uma decisão e outra além da eleição municipal. Meses atrás estudos internacionais já haviam chegado à mesma constatação.

Agora é a gestão do governador João Doria (PSDB) que desafia a coerência ao liberar o limite de frequência às aulas presenciais no momento em que o estado registra cerca de 13,4 mil novos casos diários de coronavírus na média móvel de sete dias.

Por que não o fez há um mês, quando o número de casos estava em patamar semelhante e a decisão foi aumentar o limite de pessoas no comércio, mas não nas escolas?

Na entrevista coletiva em que o anúncio desta quarta-feira (16) foi feito, o secretário Rossieli Soares usou a vacinação dos professores como argumento para liberar a frequência.

Professores com 47 anos ou mais começaram a ser vacinados em abril. Mas os demais, que somam mais da metade da categoria, só começaram a receber a primeira dose da vacina contra a Covid-19 no último dia 9 de junho.

O intervalo entre as aplicações das vacinas da Pfizer e AstraZeneca, predominantes hoje no país, é de três meses. Depois disso, elas ainda levam em média duas semanas para conferir o grau completo de imunidade.

Nenhum desses profissionais estará totalmente protegido em agosto, quando começam a vigorar as novas regras.

O outro argumento usado para embasar a medida também é difícil de entender, da forma como é usado. Ele até tem sentido lógico: escolas com muito espaço, mas poucos alunos, estariam com áreas ociosas e poderiam receber mais gente com segurança. Mas, se isso é verdade, por que esperar até agosto para liberar o limite? Por que até lá privar mais alunos do direito de frequentar as escolas?

A falta de explicações coerentes dificulta o entendimento pelas famílias e pelos próprios estudantes. E isso não é nada trivial, uma vez que são eles que decidirão se frequentarão as aulas ou ficarão no ensino remoto, em que aprendem menos.

Essa decisão não tem se distribuído de forma igualitária nos diferentes estratos sociais. Como mostrou a Folha, a volta às aulas presenciais começou com adesão muito maior nos colégios privados de elite do que nos públicos da capital. Recentemente, pesquisa Datafolha de âmbito nacional chegou a constatação semelhante: o índice de entrevistados que têm mandado os filhos para escolas particulares é o dobro da média.

Essa disparidade deve aumentar ainda mais o fosso de aprendizado entre alunos pobres e ricos.

Ninguém duvida que reverter esse cenário é urgente. Mas se as escolas são ambientes seguros, como garante o secretário da Educação, é preciso convencer o máximo de famílias disso. Transparência sobre as justificativas técnicas que guiam a reabertura das escolas é o mínimo para começar a conversa.

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