Secretário da Educação de SP tem 'agenda de candidato' e levanta críticas

Atos de Rossieli Soares geram especulações sobre futuro político; ele diz que 'neste momento' não pretende se candidatar

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São Paulo

Empossado com discurso técnico, o secretário da Educação de São Paulo, Rossieli Soares, estreitou suas ligações políticas com o governador João Doria (PSDB), levando a especulações sobre uma futura candidatura e levantando críticas sobre o que seria uso político da pasta.

Nos últimos meses, o secretário participou de evento do PSDB e de uma série de anúncios ao lado do vice-governador Rodrigo Garcia, candidato de Doria ao Palácio dos Bandeirantes, dentro da estratégia do tucano de pavimentar sua própria candidatura à Presidência.

com braços alinhados e punho cerrado, O governador João Doria (PSDB) e o secretário da Educação, Rossieli Soares, dão início a testagem de alunos da rede estadual contra a Covid, em outubro de 2020
O governador João Doria (PSDB) e o secretário da Educação, Rossieli Soares, dão início a testagem de alunos da rede estadual contra a Covid, em outubro de 2020 - Rivaldo Gomes - 15.out.2020/Folhapress

Questionado pela Folha, Rossieli afirmou, via assessoria, que "neste momento não pretende se filiar a nenhum partido nem se candidatar a cargos políticos".

Os rumores no meio educacional sobre eventual candidatura do secretário ganharam força nas últimas semanas após ele participar de evento no diretório do PSDB nos Jardins, bairro nobre de São Paulo, no último dia 1º.

À frente de um painel com o slogan “corrente da vitória”, da campanha de Doria nas prévias, o secretário falou sobre educação ao lado de Garcia e de Marco Vinholi, presidente do diretório e secretário de Desenvolvimento Regional do estado.

A plateia, segundo fotografias obtidas pela reportagem e relatos de participantes do encontro, incluía diretores de escola, vice-diretores e ao menos dois dirigentes regionais de ensino (da região Leste 2 da capital paulista e de Caieiras).

Os dirigentes regionais de ensino são uma espécie de “super diretores” de grupos de escolas da rede estadual, que tem mais de 5.000 unidades. Entre outras atribuições, as diretorias devem apoiar e acompanhar o trabalho das escolas de acordo com as diretrizes estabelecidas pela Secretaria da Educação.

A influência política na nomeação desses cargos é comum no país. Ao assumir a Secretaria da Educação, em 2019, Rossieli prometeu acabar com a prática e indicar os dirigentes por critérios técnicos.

O processo de escolha, com apoio de organizações privadas como a Fundação Lemann, contou com prova e entrevistas, e um terço dos dirigentes foi trocado.

"Olhamos caso a caso, foi uma decisão difícil, mas técnica, sem dedo político", disse Rossieli na ocasião.

Entre o discurso técnico e o evento no diretório do PSDB, Rossieli também intensificou a agenda de inaugurações ao lado do vice-governador e secretário de governo Rodrigo Garcia.

Candidato de Doria a sua sucessão no governo do estado, mas com dificuldade de decolar nas pesquisas de intenção de voto, Garcia tem cumprido uma agenda intensa de inaugurações pelo interior.

Levantamento da Folha realizado nas redes sociais de Rossieli e Garcia e na agenda do vice-governador (a do secretário da Educação não é pública) mostra que os dois participaram juntos de ao menos 24 anúncios em 17 cidades do estado em pouco mais de cinco meses. O mais recente deles nesta sexta-feira (17), em Bocaina.

Os eventos incluem entregas de ônibus e absorventes gratuitos para alunas da rede estadual e, principalmente, creches construídas em parcerias com municípios.

Antes das 16 unidades entregues neste ano por Garcia, a agenda do vice-governador só havia registrado uma inauguração de creche por ele: a do próprio Palácio dos Bandeirantes, em 2019.

Além das inaugurações e da ida ao evento do PSDB, também chamou a atenção nas escolas a mudança de postura de Rossieli nas redes sociais.

Desde junho do ano passado, ele mudou a hashtag das postagens em seus perfis de #educação para #rossieli. As inscrições acompanham vídeos gravados em visitas a escolas, muitas vezes com edição de qualidade profissional.

O conteúdo é gerenciado por uma equipe própria do secretário, segundo ele contratada por ele mesmo como pessoa física.

Para Salomão Ximenes, professor de direito e políticas públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC), a conduta do secretário de promover ostensivamente sua marca pessoal vai contra o princípio de impessoalidade e põe em dúvida o caráter técnico das decisões administrativas da pasta da Educação.

Ele cita como exemplo a falta de transparência na divulgação de dados de Covid nas escolas. Rossieli fez defesa veemente da reabertura escolar.

Como a Folha revelou, o governo paulista parou de contar há quatro meses casos confirmados da doença na comunidade escolar, e dados sobre incidência levavam em consideração alunos que não tinham pisado na sala de aula em época de baixa adesão ao ensino presencial.

“Os indícios de manipulação nos dados de contágio de professores mostram que o interesse de assumir a posição de abrir [as escolas] a qualquer custo ficou acima de critérios técnicos”, diz Ximenes.

Além das escolas de educação infantil e dos ônibus escolares, outra vitrine de Doria na educação é a expansão do programa de escolas em tempo integral. De 364 unidades em 2018, elas passarão para 1.855 em 2022.

As unidades com carga horária estendida em São Paulo, como ocorre no resto do país, têm desempenho melhor do que a média nas avaliações oficiais dos alunos.

Por outro lado, estudo feito antes da rodada de expansão mostra que, ao se tornarem de tempo integral, elas passaram a atender alunos com melhor nível socioeconômico, indício de que empurram os estudantes mais pobres, que precisam trabalhar, para unidades de tempo parcial.

Para evitar que isso ocorra, a pasta tem apostado na escala da expansão e na priorização de regiões mais vulneráveis.

Secretário diz que faz trabalho técnico

Em nota, a Secretaria da Educação afirmou que o trabalho desenvolvido por Rossieli "tem caráter absolutamente técnico, perfil ressaltado por todas as equipes por onde ele já trabalhou, desde o Amazonas, no Ministério da Educação e atualmente, em São Paulo".

A pasta diz que neste momento ele não pretende se filiar a nenhum partido nem se candidatar a cargos políticos.

Afirma ainda que, como qualquer servidor, Rossieli tem "plena liberdade de participar de reuniões e atos políticos, desde que não seja em horário de expediente".

Segundo a secretaria, o dirigente regional de ensino de Caieiras, presente na reunião do diretório do PSDB, está no cargo desde 2005 e é filiado ao PSDB há cerca de 14 anos.

Já a dirigente da região Leste 2, também presente ao evento, foi selecionada pelo processo Líderes Públicos na gestão Rossieli e não é filiada a nenhum partido.

A nota também afirma que, "sob a gestão de Rossieli, São Paulo teve o melhor resultado do Brasil no Ideb 2019, nos anos finais do ensino fundamental e voltou a crescer na demais etapas". Diz ainda que, "no ensino médio, a rede estadual de São Paulo teve o maior crescimento de sua história".

A rede estadual paulista, por outro lado, segue em quinto lugar no ensino médio, atrás de Goiás, Espírito Santo, Paraná e Pernambuco.

Ex-ministro da Educação da gestão Michel Temer (MDB), Rossieli recebeu de Doria a missão de pôr o estado de volta na liderança do Ideb em 2021.

Em nota enviada pelo próprio secretário à reportagem, ele cita ainda sua participação na aprovação da reforma do ensino médio e na homologação da Base Nacional Comum Curricular.

"Claramente, meu compromisso é com a educação do Brasil. Como secretário da Educação de São Paulo, que está entre as maiores redes de educação básica da América Latina, sei da locomotiva que é este estado e o quanto tudo o que se faz aqui pode reverberar positivamente para o Brasil", afirmou.

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