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Coronavírus

Ao obrigar aula presencial em SP, governo acha que na escola coronavírus não infecta ninguém

Estudantes e suas famílias sabem identificar o engodo dos discursos governamentais

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Fernando Cássio

Doutor em ciências pela USP e professor da UFABC. Integra a Rede Escola Pública e Universidade (REPU) e o comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Nenhuma surpresa com o anúncio do governo de São Paulo de que a presença de estudantes nas escolas públicas e privadas será obrigatória. É só mais um degrau na escalada de um governo que há mais de um ano tenta convencer a população de que as escolas são ambientes onde o coronavírus não infecta ninguém.

Ao que parece, contudo, um grande número de estudantes, famílias e profissionais da educação –que conhece a precariedade das escolas estaduais e a preocupação sanitária postiça dos que exploram lucrativamente a educação privada– resiste a acreditar que já podem voltar à vida escolar presencial de antes.

Sala de aula da escola estadual Estadual Thomaz Rodrigues Alckmin, no Itaim Paulista, na zona leste - Rivaldo Gomes - 7.out.2020/Folhapress

Os que denunciam a incoerência de quem mantém os filhos fora da escola e, ao mesmo tempo, frequenta supermercados, parecem não ter entendido que esse comportamento faz todo sentido dentro de uma lógica de proteção às crianças, por um lado, e de desconfiança na capacidade do Estado e dos mantenedores de escolas privadas de garantirem alguma segurança sanitária, por outro.

Os estudantes e suas famílias sabem muito bem que escola não é supermercado, mas também sabem identificar o engodo dos discursos governamentais, a ponto de não terem comprado os repetidos blefes da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) para forçar a retomada presencial nas escolas: democratismo de enquetes, termos de responsabilidade, anúncios festivos e até o cancelamento automático da matrícula de milhares de estudantes.

Para manter o verniz “científico” dos argumentos pró-retomada, o governo paulista vedou o acesso de pesquisadores e jornalistas a dados públicos, fabricou taxas de incidência escolares sem lastro na realidade, divulgou pesquisas baseadas em dados de frequência escolar inexistentes, desferiu ataques pessoais contra pesquisadores em vez de refutar os resultados de seus estudos, criou uma “Comissão Médica da Educação” cujas decisões não passam pelo crivo da Secretaria da Saúde e fez muita propaganda.

Além da máquina de comunicação oficial, a Seduc-SP conta com o apoio informal do “movimento” Escolas Abertas, que congrega setores reacionários das elites paulistanas que defendem a retomada imediata e incondicional.

O governo alega que 70% dos estudantes da rede estadual retornaram às escolas desde fevereiro, o que demonstraria que já é hora aposentar o revezamento de alunos e tornar a presença obrigatória e sem qualquer distanciamento nas salas de aula. A Seduc-SP, obviamente, oculta que a frequência na maioria das escolas estaduais, mesmo com o escalonamento, oscila entre baixa e baixíssima. O retorno obrigatório a partir da próxima segunda-feira é apenas a ameaça da vez.

O secretário Rossieli Soares da Silva declarou que as escolas poderão acionar os conselhos tutelares para denunciar quem não mandar crianças e adolescentes às escolas. O estado de São Paulo possui pouco mais de 720 conselhos tutelares, 20% deles sem qualquer infraestrutura. A rede estadual possui mais de 3,63 milhões de estudantes; e a rede privada, outros 2,37 milhões. É muita denúncia para pouco conselho tutelar.

Em vez de tomar mais uma medida de gabinete e de fazer mais uma ameaça vazia, melhor seria convencer a população fazendo política pública: reformando escolas, reforçando equipes e estabelecendo um debate franco e aberto sobre segurança sanitária.

Se a política oficial é a da mentira e da ameaça, que ninguém espere escolas lotadas e recuperação de aprendizagens antes que uma maioria esmagadora de crianças e adolescentes esteja plenamente vacinada no estado de São Paulo. A culpa não é das famílias.

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