Cota só social falha em incluir negro na universidade, diz estudo

Ações afirmativas para egressos de escola pública aumentaram presença de pretos e pardos em apenas 1%

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São Paulo

Cotas que reservam vagas apenas para egressos de escolas públicas, sem incluir um recorte racial, falham em aumentar a inclusão de negros no ensino superior.

É o que mostra um estudo dos economistas Renato Schwambach Vieira, da Universidade Católica de Brasília, e Mary Arends-Kuenning, da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign (EUA), que avaliou mudanças no perfil de alunos nas universidades federais, antes que a política para essas instituições se tornasse obrigatória por uma lei aprovada em 2012.

Negra, com cabelo natural, Loise Lorene, mestranda na UERJ que foi cotista no curso de psicologia da universidade, diante de escadaria no campus
Loise Lorene, mestranda na Uerj que foi cotista no curso de psicologia da universidade - Tércio Teixeira/Folhapress

O trabalho conclui que as cotas que estabeleciam a cor da pele do aluno como um dos critérios para sua admissão elevaram em quase 20% a presença de estudantes pretos e pardos nas universidades que as adotaram entre 2004 e 2010. No mesmo período, as ações afirmativas de universidades federais que exigiam toda a formação do ensino médio em escolas públicas —mas sem nenhum recorte racial— resultaram em um aumento de somente 1% na inclusão de negros em seus cursos.

Eles mostram ainda que as cotas que incluem critério racial foram responsáveis por um crescimento de 24,3% na fatia de alunos pobres. No caso das ações afirmativas apenas para egressos de escolas públicas, esse impacto foi de 14,6%.

A metodologia usada por Vieira e Arends-Kuenning é considerada uma das mais confiáveis na análise econômica que busca aferir o resultado de políticas públicas.

Eles usaram a implementação gradual e heterogênea das cotas pelas instituições federais —no período em que a decisão de adotá-las ou não era das próprias universidades ou dos governos locais— como uma espécie de laboratório para estimar seu efeito.

A análise dos dados, nesses casos, começa no período anterior ao início da política. Com isso, os pesquisadores conseguem identificar qual era a tendência dos números que vão avaliar antes das medidas tomadas pelos gestores públicos.

Vieira e Arends-Kuenning ressaltam que já havia, por exemplo, um movimento de aumento na presença de negros nas universidades federais antes do início da adoção das cotas.

Ao avaliar como essa e outras tendências avançaram nas instituições que não implementaram as ações afirmativas a partir de 2004, os economistas conseguiram descontar esse aumento que já ocorreria normalmente dos cálculos do efeito das cotas.

O objetivo principal do estudo era identificar se as ações afirmativas foram eficazes em aumentar a presença de alunos com perfis socioeconômicos desfavorecidos. O trabalho concluiu que sim, mas mostrou que a extensão dessa eficácia dependeu do desenho de cada política, se restringindo, normalmente, ao grupo alvo de cada uma.

"Os alunos de escola pública estão nas faixas mais pobres da distribuição de renda. Então, o aumento da sua inclusão na universidade é positivo", diz Vieira. "Mas os melhores alunos dessas escolas, que conseguem ingressar nas universidades por meio das cotas, normalmente são mais brancos e têm maior renda do que a média. Isso, provavelmente, explica os resultados que encontramos".

Para tentar mensurar melhor o impacto de cada tipo de ação afirmativa, os pesquisadores usaram a escolaridade dos pais como referência para determinar o perfil de renda de cada um dos mais de 170 mil calouros do ensino superior avaliados. Para obter essa e outras informações, eles restringiram a amostra de calouros aos que prestaram o Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) no período.

Foram considerados alunos de baixa renda aqueles cujos pais não estudaram além do primeiro ciclo do ensino fundamental.

A pesquisa analisou a trajetória de alunos de 47 universidades federais, das quais 34 adotaram algum tipo de ação afirmativa no período. Destas, 20 incluíram a cor da pele como um critério de seleção, das quais 17 também empregaram um recorte para escola pública —3 utilizaram a reserva de vagas apenas com base na raça dos candidatos.

Em seis estados, universidades estaduais têm cota só social

As ações afirmativas praticadas pelas universidades públicas brasileiras ainda usam critérios variados para a seleção dos beneficiários.

Um estudo do Gemaa (Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa, ligado à Universidade Estadual do Rio de Janeiro), revela, por exemplo, que as instituições estaduais de seis estados (Alagoas, Pará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Roraima) possuem cotas apenas sociais, sem recorte racial.

Além disso, de forma geral, as instituições geridas pelos estados estão atrás das federais no percentual de vagas reservadas para ações afirmativas. Em 2019, essas fatias eram de, respectivamente, 44% e 52%.
Mesmo entre as instituições federais, há variação tanto em termos de critérios usados quanto de amplitude na oferta de lugares para grupos tradicionalmente excluídos.

Embora a lei aprovada em 2012 tenha exigido a oferta de, pelo menos, metade das novas vagas para cotistas, há casos de instituições que ultrapassam esse percentual. Em três delas —UFBO e UFSB (BA) e FFS (SC)—, mais de 75% dos lugares são reservados.

Além disso, algumas universidades oferecem vagas para grupos não mencionados na lei federal, como quilombolas, e que acrescentam bônus nas notas de alunos de contextos desfavorecidos.

Segundo Jefferson Belarmino, pesquisador do Gemaa, é importante que a lei de cotas seja aprimorada —há previsão de uma revisão em 2022. Por isso, ele ressalta a importância de estudos que avaliem o impacto de diferentes critérios que as instituições usam em suas ações afirmativas.

Pesquisas mostram que os alunos negros, além de pertencerem a estratos mais pobres, normalmente têm pior desempenho em provas como o Enem, usado para seleção de calouros pela maioria das universidades públicas.

"Todas as instituições que têm ações afirmativas também deveriam oferecer uma bolsa para que os beneficiários consigam se manter, além de aulas de reforço de conteúdos em que possam ter deficiências trazidas do ensino básico", afirma.

Foi graças ao apoio financeiro oferecido pela Uerj que Loise Lorene, 26, conseguiu terminar sua graduação. A hoje psicóloga ingressou na universidade estadual, por meio de cota racial, em 2014. Na época, a bolsa para beneficiários de ações afirmativas era de R$ 400. Antes mesmo de ingressar, ela sabia que teria de trabalhar durante a graduação para cobrir as despesas.

"Como eu havia feito o curso normal no ensino médio, consegui emprego como professora, mas o salário não era suficiente. A bolsa fez a diferença para que eu conseguisse me formar", diz ela. "Como ocorre com toda adolescente negra, de baixa renda, no Brasil, minha situação era bem difícil", afirma a psicóloga.

O apoio somado à persistência fizeram com que ela terminasse a graduação com ótimo desempenho e ingressasse, em seguida, no mestrado, também na Uerj.

Atualmente, além de se preparar para ingressar no doutorado, ela é a psicóloga responsável pelo grupo de atendimento a pessoas negras por pessoas negras (Com-por) da universidade, que ela ajudou a criar durante a graduação.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do informado, Renato Schwambach Vieira é pesquisador da Universidade Católica de Brasília, e não da UnB (Universidade de Brasília).

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