'Fome ajuda a explicar evasão nas universidades', diz representante de reitores

Para Ricardo Fonseca, debate sobre auxílios de permanência deve ser reforçado; diretor da Ação Cidadania diz que tema tem pouca atenção

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São Paulo

O relato de universitários que dizem não ter o que comer é um novo capítulo do drama de um país no qual há crianças que têm na merenda escolar a única refeição do dia.

Em um cenário de aumento da fome, do desemprego e da alta da inflação, especialmente a de alimentos, o repasse do governo federal para a alimentação de estudantes de escolas públicas está congelado desde 2017 –para cada aluno da pré-escola o valor é de apenas R$ 0,53, e para os do fundamental, ainda menor, R$ 0,36.

"O congelamento desse valor é um dos motivos da evasão escolar, porque há muitas famílias que matriculam os filhos na escola em razão da merenda", aponta Kiko Afonso, diretor-executivo da Ação Cidadania. A ONG foi criada em 1993 pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, para o combate à fome no Brasil e se tornou referência.

Prato de aluno com arroz e pouco feijão; alimentação escolar, que é a única refeição de muitas crianças e jovens no Brasil, enfrenta piora na qualidade - Marcelo Coutinho/Fian Brasil

A fome hoje atinge 33 milhões de brasileiros, o que supera, portanto, os 32 milhões que mobilizaram Betinho a organizar a mais famosa campanha de combate à fome do país. E, de acordo com o Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia, divulgado em setembro, os lares em que a fome está mais presente atualmente são justamente aqueles em que vivem crianças com menos de dez anos –37,8% desses domicílios enfrentam insegurança alimentar grave ou moderada.

Dessa forma, crianças e jovens inevitavelmente se afastam da educação e da cultura. "A medida em que o alimento falta, os programas educacionais e culturais ficam esvaziados. Com fome não há cultura, não há cidadania, não há nada", diz Kiko.

O diretor da Ação Cidadania foi a Brasília para acompanhar o grupo de transição de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, do governo Lula, e disse que os debates não haviam tocado na questão específica da fome nas universidades. "É realmente um recorte importante e que ainda tem pouca atenção da sociedade", afirmou ele, acrescentando que levaria o tema para discussão.

Na área da educação, o grupo de transição teve um seminário da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior) que abordou a insuficiência da verba destinada ao auxílio para moradia, alimentação e transporte dos universitários por meio do Pnaes (Plano Nacional de Assistência Estudantil).

"A Lei de Cotas, que será revista pelo Congresso, deverá ser mantida, e o país precisa se voltar a políticas que garantam a permanência desses universitários", diz Ricardo Marcelo Fonseca, presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal do Paraná.

"A fome ajuda a explicar a evasão nas universidades, assim como o trancamento de cursos e o desinteresse pelo Enem [o número de inscritos de 2022 é o menor em 17 anos]", diz. "São jovens que param de estudar porque precisam trabalhar para comer."

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