Para enfrentar desigualdade de gênero na tecnologia, entidades investem em capacitação

Instituições e empresas têm buscado meios para ampliar a presença de mulheres no setor

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São Paulo

Entidades e empresas com objetivos de avanços sociais estão enfrentando e tentando mudar uma realidade de profunda disparidade de gênero que afeta o mercado de tecnologia da informação. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam que, de cada dez profissionais de tecnologia, apenas duas são mulheres.

Esse é o desafio, por exemplo, da {reprograma}, startup social que dá suporte e capacitação a mulheres em sua maioria negras, trans e travestis que não têm recursos ou oportunidades para aprender a programar.

A CEO da startup, Nadja Brandão, afirma que, em 18 semanas de curso, a aluna está apta para atuar na área de tecnologia da informação.

Josiane Santiago, 56, atuou 25 anos como fisioterapeuta, mas mudou para a área de tecnologia da informação em 2019, após fazer o curso na startup {reprograma} - Bruno Santos/Folhapress

Desde a sua fundação, em 2016, cerca de 3.000 mulheres participaram de oficinas de seleção e metade se tornou aluna. Do total, mais de 60% se declaram pretas ou pardas e 6% trans e/ou travestis.

Ela conta que, em princípio, as turmas eram formadas por 99% de mulheres brancas. Porém, para que todas entendessem que tecnologia da informação é um mercado acessível como qualquer outro mergulharam no recorte: mulheres negras, mães solos, mulheres trans, travestis, em vulnerabilidade econômica e social.

"A mulher branca também participa, mas a ideia é abrir portas, para que todas se vejam no mercado, essas referências estimulam outras mulheres", afirma Nadja Brandão.

Também há uma preocupação para que a aluna conclua o curso e, por isso, são analisados caso a caso para que algumas mulheres sejam apoiadas financeiramente.

"Nem todas têm computador, acesso à internet, outras perdem o emprego ao longo do curso ou precisam de um segundo para sustentar a casa. Por isso, buscamos parcerias institucionais e empresariais para que não desistam", explica Brandão.

De acordo com a Rais (Relação Anual de Informações Sociais), a participação feminina neste mercado cresceu nos últimos anos, passando de 65,8 mil mulheres em 2015 para 92,8 mil em 2021.

Até o final deste ano, a expectativa é formar mais 440 profissionais. A CEO afirma que a taxa de empregabilidade é superior a 85% até seis meses após a formatura.

Nadja Brandão, diretora executiva da {reprograma} - Divulgação

Contudo, Brandão não romantiza esse crescimento e diz que o fim da desigualdade de gênero e de raça no mercado de trabalho só se dará com muito esforço e não a curto prazo.

Ela dá como exemplo a própria experiência como mulher negra, que ocupou cargos de liderança em grandes corporações. "Há uma solidão porque você não vê outras mulheres negras. Por isso aceitei o convite para trabalhar na {reprograma} e aproximar mulheres de postos de lideranças", diz.

"Aqui elas não aprendem apenas a técnica, mas que podem ser referência dentro de uma grande companhia, trazer essa consciência de diversidade", afirma a CEO.

Foi o que aconteceu com Josiane Santiago, 56, que atuou como fisioterapeuta por 25 anos, mas buscava mudar de área.

"A {reprograma} foi a grande virada de chave. Lá desenvolvi habilidades pessoais, profissionais, convivi com outras mulheres e aprendemos umas com as outras. Me empoderei, me valorizei", conta ela que, em 2019, aos 53 anos, fez o curso de programadora e, hoje, já na segunda empresa de TI, foi promovida a engenheira de software pleno.

Ela relata que concorreu com 120 candidatos em um programa para inclusão de pessoas negras e ficou entre os 20 contratados. Desses, apenas três chegaram a pleno.

Hoje, em um time de oito pessoas, é a única mulher. "Mas não podemos achar isso normal. Temos que lutar para achar nosso lugar ao sol."

Outra história de sucesso é a de Beatriz Ramerindo, 25. Ela se mudou em agosto de 2021 do Rio para São Paulo após fazer o curso na {reprograma}, onde hoje também é professora, e conseguir a vaga de engenheira de software na empresa na qual queria trabalhar. "Sai da renda quase zero para começar ganhando três salários mínimos e todos os benefícios na empresa parceira da startup.

Beatriz é uma mulher trans que, após fazer o curso de programação, conseguiu a vaga na empresa de TI que queria - Zanone Fraissat/Folhapress

Ramerindo conta que viveu boa parte da vida com a família na comunidade Complexo do Chapadão (zona norte do Rio de Janeiro) e relata que, por vários fatores, como baixa renda, frequentou a escola apenas até o 6º ano do Ensino Fundamental no período regular. Em 2014, voltou a estudar e concluiu o ensino fundamental por meio do EJA (Educação para Jovens e Adultos) e cinco anos depois, no início de sua transição de gênero, finalizou a fase escolar.

Por meio de uma amiga, em 2020, conheceu a {reprograma}. Familiarizada com uma das linguagens de TI, a JavaScript, participou da oficina da startup para ajudar a amiga, mas também foi selecionada.

Para Keila Simpson, presidente da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), iniciativas que possibilitam a inserção da população trans no mercado de trabalho são positivas e espera que ações parecidas possam surgir para criar mais oportunidades.

"Quando há essa inserção de mulheres negras, transexuais e travestis é muito importante porque essas pessoas vivem dentro de uma grande exclusão."

Outras instituições e empresas também oferecem capacitação e inclusão de mulheres no mercado de tecnologia da informação. Entre elas estão PretaLab, Microsoft, Softex, Mais Mulheres em Tech, Olabi, Assespro-PR, PrograMaria e TechGirls.

Esta reportagem está sendo publicada como parte do projeto "Towards Equality", uma iniciativa internacional e colaborativa que inclui 14 veículos de imprensa para apresentar os desafios e soluções para alcançar a igualdade de gênero.

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