SP terá embaixador de redação para auxiliar uso de IA em escolas

Governo quer criar plataforma que ajuda na correção de textos; experiência semelhante no PR é criticada por professores

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São Paulo

O governo de São Paulo irá criar um novo cargo para professores, o de "embaixador da redação". Serão docentes escolhidos para dar suporte à utilização da plataforma de inteligência artificial de produção de textos dos alunos, a ser lançada até o fim do ano.

A informação foi dada à Folha pelo secretário de educação do estado, Renato Feder. Segundo ele, "os professores que se destacarem no uso da plataforma serão convidados a sair das salas de aula para atuar como embaixadores da redação". Eles, então, irão visitar as unidades para tirar dúvidas sobre o uso do sistema.

No Paraná, onde um programa semelhante foi instalado, há críticas dos professores por falhas na ferramenta, falta de computadores e de internet e pressão por metas.

De acordo com Feder, o programa dos embaixadores será semelhante ao do Paraná —ele foi secretário de Educação do estado de 2019 a 2022.

Ao final de 2020, ele lançou o Redação Paraná, sistema de inteligência artificial que corrige textos de alunos. A plataforma foi desenvolvida pelo governo paranaense e servirá de base para a versão paulista.

Estudante utiliza no celular a Redação Paraná, plataforma de inteligência artificial criada pelo governo para corrigir redações
Estudante utiliza no celular a Redação Paraná, plataforma de inteligência artificial criada pelo governo para corrigir redações - Silvio Turra/Seed-PR - Divulgação

A ferramenta utiliza a inteligência artificial para fazer uma espécie de pré-correção das redações dos alunos, apontando erros de ortografia e gramática. Depois, o estudante encaminha o texto para o professor, que responde a perguntas que sistematizam a correção, como "Qual é a aderência do texto ao tema proposto?", "Trabalha com a argumentação?" etc. O programa, então, atribui uma nota à redação.

Na sua gestão no Paraná, segundo Feder, os embaixadores da redação não recebiam uma remuneração à parte. "Eles ganhavam como se estivessem dando aulas, mas podiam fazer a escolha de atuar nessa outra função", explicou o secretário.

Feder disse à Folha que ainda irá estudar de que maneira será organizado o programa em São Paulo, que enfrenta falta de professores.

O Redação Paraná é alvo de uma série de críticas dos educadores que o utilizam. "A plataforma surgiu com muitos problemas, inclusive para formatar os textos. Além disso, só consegue evitar o plágio entre as redações dos próprios alunos, não detecta cópias de conteúdos externos", afirmou Cláudia Gruber, 54, que é mestre em estudos literários pela Universidade Federal do Paraná, professora da rede pública paranaense há 30 anos e atualmente dá aulas de redação para o 3º ano do ensino médio.

Segundo ela, o fato de o texto já vir para os professores com as correções facilita o trabalho, por um lado. "Mas, por outro, distancia o professor das dificuldades dos alunos".

"O sistema corrige o texto, mas não garante que o aluno entenda o que errou e aprenda o correto. E o professor recebe tudo corrigido, sem saber que erros os estudantes estão cometendo", disse Cláudia, que é diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná.

Outro problema, em sua avaliação, é que a plataforma não permite que o professor faça anotações nas redações. "O papel do docente se restringe a responder aos quesitos que irão definir a nota, o que torna a correção algo frio."

Cláudia também apontou que a plataforma limita os modelos de redação, concentrando-se no padrão de texto exigido pelo Enem.

A professora ressaltou ainda que, no Enem, assim como na maioria dos vestibulares, as redações são manuscritas. "Treinar a escrita à mão é diferente de escrever no computador, inclusive do ponto de vista neurológico. Os alunos também têm que aprender a escrever de modo esteticamente adequado, com letra compreensível."

Ela admitiu que a plataforma de inteligência artificial "pode ser interessante para que os alunos exercitem a escrita".

"O maior problema foi a imposição do uso para todas as escolas, que têm realidades diferentes", disse. "Sempre houve uma pressão enorme em cima dos professores por metas de produção de redações ‘dentro da caixinha’, que desconsidera que muitas vezes é preciso buscar caminhos alternativos nas aulas."

Por fim, uma das críticas mais contundentes é a de que, apesar dessa cobrança, o governo não garantiu computadores e acesso à internet para todos.

Simone Soares, 41, que é professora da rede pública paranaense há 15 anos, contou que o wifi das escolas nem sempre funciona e que ela chega a ter que usar o 4G do seu celular para que os alunos se conectem ao Redação Paraná. Isso sem falar do número insuficiente de computadores. "Como uma escola que tem apenas um laboratório com 20 computadores para 12 turmas de 40 alunos cada uma vai dar conta disso?", questionou a docente, que dá aula de redação para o 8º e o 9º ano.

"A maioria dos alunos não tem computador em casa e muitos, nem celular. Não dá para exigir que usem a plataforma sem lhes oferecer condições para isso", afirmou Simone.

Feder disse que a plataforma no Paraná vem sendo aprimorada e que essa experiência será aproveitada em São Paulo. Afirmou que, na rede de ensino paulista, o número de alunos por computador nas escolas está entre 6 e 7. "É uma boa proporção. No Paraná, até o ano passado, eram 20 alunos para cada computador", disse.

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