Descrição de chapéu DeltaFolha Enem

Veja a redação do Enem escrita pelo ChatGPT e corrigida por professores

Especialistas indicam que IA pode superar a nota média, mas que se repete e falha em repertório sociocultural

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São Paulo

Em 2021, a média da redação do Enem foi de 613 pontos. Se fosse um candidato, o ChatGPT, ferramenta de inteligência artificial (IA) desenvolvida pela OpenAI, ficaria acima dessa pontuação, segundo avaliação de dois especialistas na redação do exame ouvidos pela Folha.

Reportagem desta quarta-feira (5) mostra que a tecnologia não passaria em cursos concorridos de algumas das principais universidades federais do Brasil devido ao desempenho em matemática, muito inferior ao apresentado em ciências humanas e naturais. A redação, que tem diferentes pesos a depender do curso, também se mostra um empecilho, mesmo superando a média.

A Folha submeteu à ferramenta os textos motivadores e o enunciado da prova de redação de 2021, sem qualquer sugestão ou exemplo prévio, para analisar a resposta.

Os professores Adriano Chan, do Laboratório de Redação, e Jéssica Dorta, da Oficina do Estudante, avaliaram o desempenho da IA seguindo os critérios do Enem, que consideram, principalmente, cinco competências: 1) uso da norma culta da língua portuguesa; 2) adequação ao tema, estrutura de texto e uso de repertório; 3) coerência; 4) coesão; e 5) proposta de intervenção.

As notas dos dois professores tiveram 120 pontos de diferença –Chan deu 760 pontos e Dorta, 640.

Logo do ChatGPT; tecnologia tem pontuação acima da média na redação, na avaliação de dois especialistas da área
Logo do ChatGPT; tecnologia tem pontuação acima da média na redação, na avaliação de dois especialistas da área - Reuters

Confira abaixo o que escreveu a inteligência artificial e, a seguir, o que disseram os professores:

Enunciado do Enem após apresentação de três textos motivadores: "A partir da leitura dos textos motivadores e com base nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em modalidade escrita formal da língua portuguesa sobre o tema 'Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil', apresentando proposta de intervenção que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para a defesa de seu ponto de vista".

Resposta do ChatGPT na íntegra após ser apresentado aos textos motivadores e ao enunciado: "A falta de registro civil é um problema que afeta milhões de brasileiros e representa uma grave violação dos direitos humanos. A certidão de nascimento é o primeiro documento que confere identidade e cidadania, sendo fundamental para a retirada de outros documentos e para o acesso a serviços públicos básicos. No entanto, muitas pessoas são privadas desse direito, principalmente aquelas em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

De acordo com a Lei 9.534/97, o registro de nascimento é gratuito no Brasil, mas ainda assim milhões de brasileiros permanecem sem esse documento. Segundo o "Mapa da invisibilidade no Brasil", estimativa do número de pessoas sem registro de nascimento, cerca de 2,9 milhões de brasileiros não possuem esse documento, sendo a região Sudeste a mais afetada. Essa realidade é ainda mais cruel para as pessoas que, por falta de registro, são consideradas "invisíveis" pelo Estado, como se sua existência não fosse reconhecida.

Essa situação de invisibilidade tem consequências graves, como a exclusão social e a dificuldade de acesso a serviços básicos de saúde, educação e assistência social. Além disso, a falta de registro civil dificulta a inserção no mercado de trabalho formal e a proteção contra violações de direitos, como o trabalho infantil e o tráfico de pessoas.

Para enfrentar esse problema, é necessário um conjunto de políticas públicas que garantam o acesso universal ao registro civil. É preciso promover campanhas de conscientização sobre a importância do registro de nascimento e desenvolver ações que possibilitem o acesso a esse documento, especialmente para as pessoas em situação de vulnerabilidade. É importante também que o Estado seja mais eficiente na identificação das pessoas sem registro, facilitando o acesso ao serviço de registro civil.

Ademais, é necessário desenvolver medidas que respeitem os direitos humanos e garantam a inclusão social e o pleno exercício da cidadania. Propõe-se a criação de espaços itinerantes que levem o registro civil às comunidades mais afastadas, a disponibilização de recursos financeiros para aqueles que não têm condições de arcar com os custos do processo de registro e a ampliação do horário de funcionamento das unidades de registro civil.

Por fim, a luta pelo direito à documentação pessoal é uma luta pelos direitos humanos. É papel do Estado garantir que todos os cidadãos tenham acesso a esse direito, contribuindo para a inclusão social e o exercício pleno da cidadania. É preciso conscientizar a sociedade sobre a importância do registro civil e promover ações efetivas para garantir esse direito, respeitando sempre a dignidade humana e os princípios éticos e morais que regem a nossa sociedade."

Análise dos especialistas

Ambos avaliaram bem o uso da norma culta da língua portuguesa, dando nota 160 para a competência 1. Para Adriano Chan, o texto começa bem, sem erros de português, com as linhas gerais do tema abordadas e sem incoerência ou problemas de coesão.

Como ponto negativo, ele destaca erros de vírgula e de construção sintática.

Para Jéssica Dorta, a estrutura sintática é boa, no geral, e sem ausência de desvios. A nota não chega a 200, na sua avaliação, porque "a estrutura sintática não apresenta períodos elaborados com a complexidade esperada em uma estrutura sintática excelente, com orações intercaladas e subordinações".

Na competência 2, de adequação, estrutura de texto e repertório, ambos deram 120 pontos.

Para Chan, há "ausência de repertório produtivo sociocultural". Já Dorta diz que "a redação apresenta as três partes do texto (nenhuma delas embrionária) e aborda o tema de forma completa, a partir de repertório baseado nos textos motivadores e de repertório não legitimado".

Os dois deram a mesma pontuação de 120 para a competência 3, de coerência. Chan destacou, como ponto negativo, as "lacunas que comprometem a coerência do texto, que falha em argumentar com dados mais concretos".

Dorta também ressalta lacunas no desenvolvimento de informações, fatos e opiniões. "Observa-se que o projeto apresenta algumas falhas, principalmente de seleção e de relação entre as informações. É possível destacar ainda a circularidade dos três últimos parágrafos."

O ponto de maior divergência entre os dois especialistas está na competência 4. Chan deu 200 pontos para a coesão do texto. A professora deu 120. Ela diz que, "embora não haja repetições ou inadequações e haja a presença de dois operadores argumentativos interparágrafos, a redação não apresenta presença constante de recursos coesivos".

Por fim, ambos criticam a "falta de meio", um modo, uma maneira de dar à solução ao problema, na proposta de intervenção, que é a competência 5. Chan deu 160 pontos e Dorta, 120.

"É importante ressaltar que, embora os três últimos parágrafos listem diversas propostas de intervenção, nenhuma delas apresenta os cinco elementos exigidos pelo Enem: agente, ação, modo/meio, efeito e detalhamento", afirma Dorta.

Avaliação 1 (Adriano Chan):
Competência 1: 160
Competência 2: 120
Competência 3: 120
Competência 4: 200
Competência 5: 160
Total: 760/1.000

Avaliação 2 (Jéssica Dorta):
Competência 1: 160
Competência 2: 120
Competência 3: 120
Competência 4: 120
Competência 5: 120
Total: 640/1.000

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