Greve da USP é morna no presencial, mas ferve online com rixas

Reunião entre reitoria e estudantes que protestam por mais professores termina sem acordo

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Corredor da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo) Danilo Verpa/Folhapress

São Paulo

Meia dúzia de estudantes ocupava o vão de acesso à Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), conhecida como Poli, às 15h desta quarta-feira (27). Eles tentavam fixar cartazes em apoio à greve instalada na instituição pela falta de professores. A tarefa, porém, era dificultada por forte ventania acompanhada de chuva de granizo. Conseguiram e partiram.

Pouco depois, uma dupla tentou arrancar as mensagens. Um segurança gritou. Ambos correram, o mais alto escorregou e continuou mancando.

Cadeiraço promovido por estudantes de matemática da USP (Universidade de São Paulo) - Danilo Verpa/Folhapress

Enquanto isso, ocorria reunião entre o diretor daquela unidade, Reinaldo Giudici, e manifestantes. O debate, em uma sala no prédio, foi longo. Reivindicações eram repetidas ao gestor –em especial a rápida contratação de novos docentes. O homem rebatia. Afirmava, por exemplo, ser dificultoso realizar concursos.

Não houve acordo de qualquer tipo. Já anoitecia quando o grupo marchou rumo a seus compromissos seguintes. Estavam todos serenos, em contraste com clima bélico nas redes sociais.

Em grupos no WhatsApp, havia intensa troca de ameaças entre grevistas e opositores. Estes faziam ameaças físicas, aqueles prometiam revanche. O embate era síndrome da tensa votação pela adesão ao boicote iniciado na FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas). A Poli, com histórico antiparalisação, aderiu. No entanto, rachou.

Casos de embate são empilhados desde então. Cláudio Geraldo Schön, docente de ciências dos materiais, tentou aplicar prova durante esta semana. Declarou que consideraria o exame concluído caso houvesse bloqueio ao laboratório. Parte o apoiou, parte o xingou. Por fim, não apareceu.

Outros docentes anunciaram aulas online a fim de furar o boicote, foram delatados e tiveram suas salas virtuais invadidas.

"Muitos têm medo de algo como uma guerra civil por aqui", diz Luiz Souza, 24, do curso de engenharia elétrica. "Pode parecer exagerado, mas dos dois lados há grupos extremistas com muitos membros e bem articulados", continua. Ele estava na Cidade Universitária para devolver livros à biblioteca, mas se deparou com um cadeiraço no acesso pretendido.

Aborrecido, deixou um edifício quase vazio. Duas funcionárias da limpeza o instruíram a aproveitar a falta de aulas para descansar, pois gostariam de fazer o mesmo. A classe negocia apoio ao movimento, mas evita se manifestar individualmente por medo de represália.

No epicentro da greve

O Teatro da ECA (Escola de Comunicação e Artes) corta o trajeto da Poli até a FFLCH. Eram 18h quando a reportagem chegou àquele espaço. Lá, alunos dançavam carimbó. "Está complicado convencer a galera de artes cênicas a entrar na greve. Eles olham feio para o movimento estudantil e seguem suas vidas", declara Júlia Ribeiro, 28, de publicidade e propaganda.

"Estamos cometendo algum crime?", respondeu Pedro Santos, 19. "Quer parar? É só ficar em casa e não encher o saco."

Adiante, passados muitos ninhos de quero-quero, surge o prédio da Letras, com duas entradas principais. A primeira bloqueada, a segunda guardada por garotos franzinos. Passada a guarda, alguns grevistas partilhavam pizza. Outros dormiam. Eram cerca de três dezenas, numa unidade com milhares de estudantes.

O curso de letras, idealizador da paralisação, possui maior adesão e articulação por essa. Ali, no Departamento de Letras Orientais, está o principal déficit de docentes da universidade, principalmente nos cursos de coreano e japonês.

A situação é reconhecida pelos trabalhadores do setor, como Mamede Mustafa Jarouche, de árabe. Ele, entretanto, critica os métodos utilizados pelos alunos para protestar. "São intimidatórios e truculentos", diz, fazendo coro ao diretor da unidade, Paulo Martins.

Em entrevista à Folha, Martins afirmou que o movimento estudantil age como a direita bolsonarista.

Jarouche está na USP há 40 anos. Relata nunca ter vivido ataques tão desonrosos por querer ministrar sua disciplina. "Também recebi capturas de tela de mensagens horríveis enviadas a outros professores."

No entanto, não acredita partirem de seus alunos. "Penso que a extrema direita esteja infiltrada fazendo esse tipo de coisa", declara. Os estudantes, para ele, costumam apresentar posições radicais e firmes, mas não criminosas.

Mandi Coelho, 28, presidente do Centro Acadêmico de Estudos Linguísticos e Literários Oswald de Andrade, pensa haver tentativa de invalidar as pautas da greve via ataques a seus componentes. Segundo ela, não há registro de violência. Zero, ressalta.

Anoiteceu e um sarau começou. Falavam de união e revolução. "Briga é só com os politécnicos", cochichou Fernanda Mendes, 29, do curso de história.

Na manhã desta quinta-feira (28), uma reunião entre representantes dos diretórios acadêmicos e a reitoria da USP terminou sem acordo. A paralisação continua por tempo indeterminado.

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