Alunos negros precisam não só ser vistos, mas se ver dentro da escola

Sonya Douglass, da Universidade Columbia, defende que combate ao racismo passa por mudanças na educação básica

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São Paulo

Enquanto as escolas forem pensadas e lideradas apenas por pessoas brancas, a equidade racial continuará sendo uma realidade distante. Essa é a principal conclusão encontrada por Sonya Douglass Horsford, professora da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, e fundadora do centro de pesquisa Black Education.

Há mais de uma década, Douglass estuda a desigualdade racial na educação básica dos EUA e desenvolveu, neste ano e a convite da Fundação Lemann com apoio do Centro Lemann de Liderança para Equidade na Educação, um estudo em que avaliou práticas e políticas internacionais que ajudam a promover uma educação antirracista.

Para ela, o ponto fundamental das ações que trouxeram resultados bem-sucedidos na busca pela equidade racial é conseguir fazer os alunos negros se sentirem mais identificados com a escola. Entre as medidas estão conversas sobre raça e representação na sociedade que levaram a mudanças na forma de dar aula.

Sonya Douglass Horsford, professora da Universidade Columbia - Divugação

No ano em que a Suprema Corte americana vetou o uso de critérios raciais para o processo de admissão nas universidades, a professora também faz um alerta sobre a necessidade de a sociedade estar sempre vigilante no combate ao racismo.

"As forças conservadoras continuam atuantes para tentar reverter qualquer avanço", diz.

A sra. estuda desigualdade racial na educação há mais de uma década. Quais políticas considera que são mais importantes para promover a equidade?
Nós analisamos, a partir de muita literatura científica e alguns exemplos específicos de ações de equidade racial nos Estados Unidos, o que de fato trouxe resultados. O que encontramos é que as iniciativas precisam ser pensadas para aquela determinada comunidade escolar. A escola precisa refletir os seus alunos.

Ter uma escola estruturada por brancos, com um currículo disciplinar pensado por pessoas que não estão lá e aplicado por professores que não entendem aquela comunidade, não vai trazer os resultados esperados. Os alunos negros não precisam só ser vistos pela escola, mas eles precisam se enxergar dentro dela. Eles precisam ver que são parte daquela estrutura.

E esse problema, da falta de identificação do aluno com a escola, parece ser um problema global, não só dos Estados Unidos ou do Brasil. Na África do Sul, os estudantes também parecem desconectados com o ensino, que não leva em consideração a sua cultura, história e língua. Porque a escola e o currículo foram desenhados por uma liderança branca, que não se conecta com a população.

Por isso, um dos grandes pontos do nosso centro é desenvolver um currículo de estudos negros. O aluno precisa se ver nas aulas, precisa ver que eles vêm de indivíduos que tiveram contribuições importantes para o seu país.

O currículo das escolas de muitos países não mostra essa parte da história, que é a verdadeira história, e as realidades que nossas crianças enfrentam. Não há uma imagem completa de quem são os negros, de quem eles representam, seus valores, sua cultura e suas contribuições.

Como mudar o currículo escolar se os professores não aprenderam os conteúdos dessa maneira na escola nem foram ensinados a dar aula assim?
A aprendizagem e o desenvolvimento profissional são fundamentais para o trabalho de transformação curricular. É importante investir e apoiar a formação docente e as práticas pedagógicas para garantir que os currículos culturalmente relevantes sejam ministrados de forma a apoiar a aprendizagem e o sucesso.

Pesquisas brasileiras apontam que grande parte da população não se reconhece como racista, ainda que identifique o racismo. Como enfrentar a desigualdade racial quando as pessoas não admitem que reproduzem esse comportamento?
Acho que o primeiro passo está dado, que é nomear as desigualdades. Iniciar a discussão sobre raça já é um ponto importante. Em diversos encontros de que participei em escolas, eu ouvi que as pessoas não falavam sobre questões raciais por medo.

Então, se começamos a falar sobre isso dentro das escolas, seja no planejamento dos professores ou, melhor ainda, entre os alunos, isso já é um avanço. Eu tenho esperança porque já vejo que esse debate, que antes era um grande tabu, começa a ser naturalizado dentro do espaço escolar.

As cotas raciais para acesso ao ensino superior já foram comprovadas por dados como política bem-sucedida e consolidada em diversos países, mas neste ano foram vetadas nos Estados Unidos. Já o Brasil aprovou a manutenção dessa política por mais dez anos. A que a sra. atribui essa reversão no seu país? Avalia que mesmo com as evidências de sucesso, há risco de serem derrubadas em outros locais?
Há décadas grupos conservadores tentam reverter as ações raciais afirmativas nos Estados Unidos. É algo sobre o qual nós devemos permanecer sempre vigilantes, inclusive no Brasil. Porque, com qualquer grande avanço no progresso racial e expansão da equidade racial, há grupos que se sentem mais ameaçados e podem se organizar para revertê-las.

No último ano, o Brasil passou a conviver, de forma inédita, com ataques a escolas, um tipo de violência que os Estados Unidos enfrentam há muito tempo. Muitos dos casos tiveram como motivação o racismo e misoginia. A que atribui a ascensão desse tipo de violência extrema?
Eu sinto muito que vocês estejam vivendo essa situação, que se tornou epidêmica em meu país. Se tornou tão recorrente, que nós, americanos, já estamos praticamente insensibilizados com esse tipo de violência.

E eu acho que a recorrência e a insensibilidade diante desses casos mostram quão desastrosa está nossa sociedade para permitirmos que esse tipo de violência continue acontecendo. Tanto nos Estados Unidos como no Brasil, nós tivemos presidentes nos últimos anos que foram responsáveis por incentivar a violência, inclusive, entre os mais jovens.

No caso dos Estados Unidos, é muito claro que precisamos de mudanças para restringir o acesso às armas para proteger nossas crianças, tanto de serem vítimas quanto de recorrem a elas para promover esse tipo de ataque.

De uma maneira geral, eu acredito que nós, como sociedade, precisamos mostrar para as crianças que o ódio e a violência não são o caminho para o pertencimento.

Mais do que uma questão racial, de gênero ou orientação sexual, o que nossos jovens estão lutando é para serem ouvidos, entendidos, respeitados. Alguns deles encontram no discurso de ódio esse conforto, e isso é muito grave. Esse é um problema muito maior do que a educação, mas acho que ela pode ser um caminho se conseguir acolher todos os estudantes.


Raio-X

Sonya Douglass Horsford

Professora da Universidade Columbia (EUA), fundou o centro de pesquisa Black Education. Publicou cinco livros, entre os quais "The Politics of Education Policy in an Era of Inequality: Possibilities for Democratic Schooling" (a política da política educacional em uma era de desigualdade: possibilidades para a escola democrática), do qual é coautora.

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