Descrição de chapéu educação

Escolas cívico-militares em SP pressionam STF por decisão sobre constitucionalidade do modelo

Projeto de Tarcísio, aprovado nesta terça-feira (22), prevê adoção do mesmo modelo aplicado no Paraná e que é questionado no Supremo

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São Paulo

O projeto do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que cria escolas cívico-militares em São Paulo, segue o mesmo modelo de militarização aplicado no Paraná, que está sendo contestado no STF (Supremo Tribunal Federal).

Uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade), impetrada em 2021 por PT, PSOL e PCdoB questiona a legalidade da lei estadual paranaense que criou essas escolas. A ação segue sem uma decisão há quase três anos, mas a aprovação do modelo em São Paulo pode pressionar o relator, ministro Dias Toffoli, para que o caso seja concluído.

O projeto que autoriza a criação dessas escolas em São Paulo foi aprovado nesta terça-feira (21), pouco mais de dois meses após ser apresentado na Assembleia. O governador marcou para segunda-feira (27) um evento para sancionar a lei.

Deputados paulistas de oposição já preparam uma ação de inconstitucionalidade, assim como ocorreu no Paraná.

Escola cívico-militar na Estrutural, região administrativa de Brasília - Pedro Ladeira15.fev.19/Folhapress

O ponto considerado inconstitucional por aqueles que questionam o modelo tanto no Paraná como em São Paulo é de que a militarização de uma escola civil não está prevista na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) ou em qualquer outra legislação federal. Por isso, estados e municípios não teriam autonomia para criar seus próprios modelos.

Esse foi o entendimento dos ministros do STF ao definir a inconstitucionalidade de iniciativas locais sobre o homeschooling. O Supremo não considerou que a modalidade de ensino domiciliar é inconstitucional, mas que sua aplicação é de competência legislativa exclusiva da União assim propostas municipais e estaduais acabaram barradas.

Quem é a favor das escolas civico-militar afirma que a nova lei só abre a possibilidade para que o modelo seja implementado, mas que caberá a cada unidade de ensino decidir se adere ou não à modalidade.

Em nota, a Secretaria Estadual de Educação do governo Tarcísio disse que a proposta tem como objetivo "a melhoria da qualidade do ensino, o enfrentamento à violência e a promoção da cultura de paz no ambiente escolar". Também informou que o programa será implementado nas escolas após consulta aos pais de alunos e professores e disse que os policiais vão atuar na "disciplina e civismo", sem interferir na parte pedagógica.

No início de abril deste ano, a AGU (Advocacia Geral da União) encaminhou um parecer à Toffoli no qual considera as escolas cívico-militares do Paraná inconstitucionais, exatamente sob o argumento de não haver previsão desse modelo na legislação nacional.

"A gente viveu na última década uma expansão sem precedentes de escolas militarizadas em diversos estados, com formatos e regras diferentes, sem que a legislação nacional preveja esse tipo de modelo. E o STF segue omisso por não se pronunciar sobre o tema, gerando uma situação de incerteza para um modelo que segue se disseminando", avalia Salomão Ximenes, professor de políticas públicas da UFABC.

Um levantamento feito pela Repme (Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação), mostra que, em 2013, o país tinha 39 escolas estaduais geridas por policiais militares em 14 unidades da federação. No ano passado, esse número saltou para 816 unidades estaduais e municipais.

Catarina Santos, professora da UnB e coordenadora da Repme, também avalia que a aprovação do modelo em São Paulo coloca pressão para que o STF julgue a ação, até para evitar insegurança jurídica.

"Esse modelo está sendo adotado em diversos locais do país, sem que haja previsão na lei o que abre a possibilidade para todo tipo de ilegalidade. Além disso, essa pauta se tornou uma bandeira política, como é o caso do governador de São Paulo que abraçou o tema após o encerramento do programa federal", afirma ela.

"A repercussão do programa em São Paulo, até mesmo pelos efeitos políticos, coloca pressão para que o STF discuta um tema que já há alguns anos tem ganhado espaço no campo educacional sem que haja nenhuma orientação jurídica."

Em julho do ano passado, o presidente Lula (PT) decidiu extinguir o programa federal de fomento ao ensino cívico-militar, mas a decisão afetou, na prática, menos de 15% das escolas públicas que seguiam esse modelo. O governo federal também não proibiu ou criou regras nacionais sobre o tema, deixando na mão de estados e municípios a decisão de manter ou não o sistema.

"O governo federal entendeu que havia uma série de problemas no programa, como desvio de função de recursos educacionais e a falta de qualificação dos policiais, e o descontinuou. Mas foi omisso ao deixar que o modelo continue existindo, mesmo com o entendimento de que ele desrespeita a legislação nacional", diz Ximenes.

O estudo jurídico elaborado pelo MEC afirma que as escolas cívico-militares vão contra a legislação atual.

Ele aponta, por exemplo, que o Estatuto dos Militares não prevê que faça parte de suas atribuições a atuação dedicada às políticas públicas de educação.

Também afirma que a alocação de militares em funções escolares é "um flagrante desvio de sua finalidade enquanto estrutura de Estado".

O estudo do MEC também apontou que o artigo 61 da LDB, que define as qualificações necessárias para os profissionais da educação básica escolar, diz que eles devem ser habilitados para a docência. Exigência que não é feita aos militares que atuam nas escolas.

O texto diz ainda ainda que os salários pagos aos oficiais são muito superiores aos valores recebidos por docentes e até mesmo diretores escolares.

Conforme mostrou a Folha, no projeto de Tarcísio, os policiais aposentados vão receber um adicional de até R$ 6.034 —valor que é 13% superior ao piso salarial dos docentes em São Paulo.

"Os policiais não têm a qualificação exigida pela legislação nacional para atuar nas escolas e ainda assim vão receber mais do que os professores que têm a formação adequada e exigida para isso. O recado que essa política passa é de desvalorização dos docentes e, consequentemente, da educação", diz Catarina.

O Ministério da Educação não respondeu se avalia criar regras ou dar orientações aos municípios e estados que têm programas de escolas cívico-militares.

Procurada, a Secretaria de Educação do Paraná não se manifestou até as 11h30 desta sexta-feira (24).

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