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Como o empreendedorismo de impacto pode promover a igualdade racial

Resistência ao diálogo mostra ser necessário desenvolver estratégias para avançarmos

Turistas conhecem o Quilombo da Fazenda, que faz parte de circuito no Vale do Paraíba, na divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro, reconhecido pela Unesco
Turistas conhecem o Quilombo da Fazenda, que faz parte de circuito no Vale do Paraíba, na divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro, reconhecido pela Unesco - Cristiano Braga/Divulgação
Antonio Pita

​No mundo, o Brasil foi o último país a abolir oficialmente a escravidão –há exatos 130 anos. Como enfrentar o legado dessa tragédia se parte da sociedade ainda se recusa a reconhecer a segregação racial onipresente? Nas últimas duas décadas é inegável o avanço nas políticas públicas –Estatuto da Igualdade Racial, Lei 10.639 e Políticas de Ações Afirmativas–, mas a resistência ao diálogo, na esfera privada, indica a necessidade de desenvolver estratégias inovadoras para avançarmos mais. 

Há duas frentes urgentes. A primeira está focada na disputa narrativa, com a emergência de vozes e referências positivas na sociedade. A segunda abarca o empoderamento econômico, mediante equiparação salarial, diversidade nas empresas e fomento ao afroempreendedorismo. 

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A bagagem que acumulei até aqui, como turista e afroempreendedor, acredito que o turismo tem vocação para unir essa duas pontas, desde que esteja disposto a romper com estereótipos equivocados. Hoje, a imagem que vende revela muito sobre como o Brasil se enxerga e, sobretudo, o que deseja ocultar. Até a década de 1990, a narrativa se resumia a samba, caipirinha e feijoada –receita clássica, temperada com o forte apelo da exploração sexual. 

Recentemente, o setor atualizou essa visão retrógrada com safáris nas favelas e pacotes em hotéis fazenda com mucamas "all inclusive". Nos catálogos e revistas é raro ver a representação, sem estigmas, de famílias negras e de nossas manifestações culturais.

Responsável por US$ 59 bilhões (cerca de R$ 212,2 bilhões) no PIB nacional, o turismo tem potencial de fomentar a geração de renda entre microempreendedores negros. Pode, ainda, promover as referências afro-brasileiras que compõem a cultura e identidade nacionais.

É o que acontece na Rota da Liberdade –circuito de quilombos e fazendas do Vale do Paraíba, na divisa entre São Paulo e Rio de Janeiro. Reconhecido pela Unesco, o roteiro idealizado por Solange Barbosa convida o visitante a conhecer a contribuição negra; a refazer seu percurso de afirmação. 

Na rota está o Quilombo da Fazenda, em Ubatuba. Ali, o turista participa de rodas de conversa sobre a memória local; produz estampas em tecido; dança o jongo; e degusta receitas tradicionais com a farinha que ele mesmo produz –sob a orientação atenta do anfitrião Zé Pedro, o mais antigo da comunidade, com 86 anos.

É do artesanato, da farinha, do restaurante e das visitas que a comunidade se mantém e preserva as tradições. O mesmo acontece em outras comunidades como o Campinho, em Paraty –um rico contraponto à cidade colonial do Rio de Janeiro. 

Essa lógica, de microgeração de renda proporcionada pelo turismo de impacto, está sendo disseminada entre afroempreendedores que atendem ao desejo do turista: experiências autênticas e memoráveis. O Brasil já é um dos principais destinos do mundo para o turismo étnico e cultural.

Promover essa vocação brasileira é o propósito da Diaspora.Black –plataforma "peer to peer" que intermedeia a oferta de serviços e experiências turísticas promovidas por afroempreendedores para todos que buscam conhecer, valorizar e preservar a cultura negra. Em 10 meses de operação, a startup de impacto social já reúne 2 mil pessoas na plataforma, que conta com experiências de turismo, serviços e acomodações certificadas em mais de 70 cidades.

O empreendedorismo de impacto é indutor de soluções criativas para transformar a realidade social –e não há no país desafio maior do que a promoção da igualdade racial. 

Antonio Pita

Cofundador da Diaspora.Black

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