'Basta querer', diz sobre voluntariado mulher premiada por solidariedade

Roseli Rezende recebeu quase R$ 2.000, que serão doados para organização na qual é voluntária

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Roseli Rezende, 37, recebeu Prêmio Global de Voluntariado da Fundação General Mills em reconhecimento a uma vida de solidariedade
Roseli Rezende, 37, recebeu Prêmio Global de Voluntariado da Fundação General Mills em reconhecimento a uma vida de solidariedade - Divulgação
São Paulo

Desde a infância, Roseli  Rezende, 37, enfrentou diferentes adversidades. Filha de moradora de rua, nasceu no hospital por sorte e foi acolhida por um casal em São Gonçalo do Sapucaí (MG). Humildes, os pais de criação não eram alfabetizados, mas se esforçaram para criar a filha com bons princípios.

"Desde pequenininha já aprendi a cuidar do próximo sem receber nada em troca. Isso fez toda a diferença", conta. Com o exemplo da solidariedade dentro de casa, Roseli levou o trabalho voluntário como se fosse seu meio de sobrevivência.

Da comida levada aos presídios com seu primo aos dez anos, passando pela sopa doada a crianças no bairro onde morou aos 15 anos, até o trabalho realizado no hospital, onde dá comida e atenção a quem espera por tratamento.

"Hoje em dia, muitas vezes temos só correria, não paramos. E isso faz a diferença, parar e organizar a agenda, conseguir um tempinho para fazer algo para o próximo." 

Por seu empenho, ela recebeu o primeiro Prêmio Global de Voluntariado da Fundação General Mills, empresa para qual trabalha. O prêmio de US$ 500 (R$ 1.870) recebido vai para a organização onde Roseli cumpre sua missão de solidariedade.

 

Minha mãe teve vários filhos, era moradora de rua e quando filhos nasciam, as pessoas já tentavam conseguir família, alguém para cuidar. Um nasceu na beirada do rio, um num cafezal porque ela não tinha uma parada.

No meu caso, uma moça conseguiu levar ela para o hospital. As próprias enfermeiras e médicos viram que não tinha condição [de a mãe criar], ajudaram a encontrar alguém para cuidar de mim. No meu terceiro dia de vida, minha mãe de coração começou a cuidar de mim.

Era um casal bem humilde, ambos não sabiam ler nem escrever, mas eles me criaram com princípios éticos, no princípio cristão, desde a infância me passando valores que Jesus passou para eles. Desde pequenininha já aprendi a cuidar do próximo sem receber nada em troca. Isso fez toda a diferença.

Ao nascer, já recebi a bênção de ter um próximo que se preocupou. Sou privilegiada por desde a infância entender o amor ao próximo. Sempre entendi que era minha missão ajudar próximo.

Aprendi desde pequena o significado de amor, de amar. Uma coisa é você decidir ser amada, precisar do próximo, mas quando você decide amar, não precisa de ninguém.

Roseli Rezende, 37, quando criança
Roseli Rezende, 37, quando criança - Divulgação

Mesmo meus pais morando na roça, comecei a estudar. Eles queriam me dar uma vida melhor. Comecei a trabalhar aos dez anos, ajudar em casa de família, até os meus 17 anos. Isso também me trouxe uma maturidade.

Trabalho foi a base que me ajudou a entender valores que na vida são maravilhosos. O primeiro trabalho [social] que desenvolvi foi com um amigo meu que visitava os presídios. Com dez anos comecei a ir com ele aos domingos levar comida.

Mais tarde, fui morar num bairro bem carente, que tinha muitas crianças, mas não tinha creche. Com meus amigos, conseguia macarrão, legumes nas quitandas e feiras. No fundo da minha casa não tinha nem muro, e comecei a fazer a sopa ali aos sábados, com 15 anos.

Aí deu certo a ideia, o prefeito prometeu creche no bairro para dar alimentação para as crianças todos os dias. Com a construção da creche, não precisei mais fazer esse trabalho.

o mundo ao seu redor

Eu nem conseguia ter a visão do que era passar necessidade. Como eu não ficava olhando só para meu nariz, conseguia enxergar alguém que estava pior. Na [doação de] sopa, meu bairro não tinha nada, era construído em cima das pedras, e, mesmo passando necessidade, conseguia fazer algo para o próximo.

O voluntariado é algo que não precisa ter dinheiro para fazer, basta querer, porque oportunidade tem.

São poucas as pessoas que têm essa visão. O mundo precisa ter mais amor, porque quando tem mais amor, consegue ter empatia. Hoje em dia, muitas vezes temos só correria, não paramos. E isso faz a diferença, parar e organizar a agenda, conseguir um tempinho para fazer algo para o próximo.

É ensinar as pessoas a amar mais e fazer sem esperar nada em troca. Hoje eu tenho colhido aquilo que plantei sem medo de esperar. Isso faz bem para a gente mesmo.

Fiquei muito feliz [com o prêmio da Genereal Mills] porque, como sempre fiz o voluntariado com muito amor, nunca imaginei que a própria empresa poderia reconhecer um trabalho desses. Esse prêmio foi importante porque vou alcançar mais pessoas com essa doação.

passado e presente

Tive três filhos, um faleceu. Há oito anos, eu estava grávida e na hora que fui ganhar, enrolou o cordão [no pescoço]. Hoje eu atuo ajudando mães que perdem filhos para mostrar a elas que não precisam desistir de sonhar.

Sonhamos em sair com o bebê [da maternidade]. Encarei [a perda] de uma outra forma. Deus quer que eu ajude mães a saírem dessas. Busquei força, graças a Deus venci e hoje entendo que teria que ter passado por isso. Cresci muito como pessoa, tirei uma lição muito boa também do meu sofrimento.

No hospital que perdi meu filho é onde hoje ajudo muitas pessoas a saírem dali com coração totalmente diferente. 

Levamos alimento para pessoas que ficam aguardando [atendimento] no SUS. O paciente tem toda a alimentação, mas os que aguardam no pronto atendimento, para fazer cirurgia, às vezes ficam 12 horas, num ambiente lotado e com fome.

Através de doações, conseguimos pão, carne, leite, suco e café. Toda segunda, temos uma equipe que vai à tarde para esses lanches, outra que distribui, organiza no hospital e tem a que faz a parte de conforto, que é conversar, entender porque estão ali, tenta ajudar a orientar aqueles muitos desesperados.

Nosso sonho é ter uma casa em frente [ao hospital] para fazer crescer esse trabalho, para as pessoas que vêm de fora não dormirem ali. Os familiares que ficam ali fora muitas vezes não têm dinheiro para comprar comida, pagar um hotel. Estamos tentando melhorar esse projeto para conseguir atender ainda mais pessoas e em mais dias.

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