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Carla Damião

Organizações podem ajudar no combate ao coronavírus por meio da avaliação impacto

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Carla Damião
São Paulo

Atualmente, a grande parte do investimento social do Brasil vem do governo e de empresas privadas, visando que organizações da sociedade civil (OSCs) realizem projetos sociais de acordo com as causas em que são especializadas.

Infelizmente, ao disponibilizarem o investimento, tanto governo quanto empresas condicionam como os valores devem ser gastos, proibindo qualquer utilização dos recursos com gestão ou avaliação de impacto, considerando essas áreas de menor importância e exigindo que todo o investimento seja direcionando unicamente ao beneficiário.

Isso significa que não é autorizado o uso do dinheiro proveniente de editais ou investimentos privados para o pagamento dos profissionais de gestão, muito menos para a avaliação adequada do impacto dos projetos.

Dessa forma, as instituições não conseguem realizar o planejamento estratégico adequado de seus projetos nem avaliar adequadamente o impacto que estão causando, por falta de recursos.

Isso é um erro muito grave e vem custando muito caro para eficiência dos projetos sociais do Brasil. Com o Covid-19, passamos por uma crise mas não possuímos dados para embasar decisões importantes. Algo que as OSCs têm acesso há anos e poderiam estar disponibilizando para o governo e sociedade.

realidade no Brasil vs o mundo ideal

No Brasil, o dinheiro de editais e investimentos privados para projetos sociais é obrigatória e exclusivamente destinado ao uso direto dos beneficiários. Por exemplo, se o projeto social atende uma creche, o dinheiro só pode ser utilizado com recursos que beneficiam diretamente quem usufrui da creche: compra de material escolar, salário dos professores, infraestrutura e etc.

É proibido o uso do recurso para investir na administração da creche, no planejamento do uso do recurso e na avaliação do impacto gerado. Dessa forma, ainda que a instituição queira realizar um bom trabalho de gestão e avaliação de impacto, ela não consegue pois não há recursos direcionados para esse fim.

O que é cobrado e suportado pelos financiadores é somente uma avaliação direta. Ou seja, ainda utilizando o exemplo da creche, a instituição consegue medir apenas quantas crianças ela atendeu, a presença dos professores, a duração do projeto e outros dados de curto prazo.

Porém, ela não consegue avaliar a melhoria da qualidade de vida das pessoas na região, se as mães que utilizam a creche possuem maior renda, se sofrem menos violência doméstica, se as crianças têm menos problemas de saúde e nutrição do que aquelas sem o acesso e quanto isso representa em porcentagem e dinheiro ao governo.

Ressaltando mais uma vez: existe o interesse da instituição na realização de uma avaliação de longo prazo, mas o governo e empresas não compreendem essa necessidade e não destinam recursos para isso, limitando o orçamento para apenas uma avaliação direta e de curto prazo, perdendo muitas informações que poderiam trazer enorme eficiência financeira e para tomada de decisões importantes, principalmente em momentos de crise.

Por sua vez, no mundo ideal, o governo e financiadores compreenderiam e destinariam dinheiro o suficiente para uma avaliação de impacto. Mas, o que é essa avaliação?

Uma avaliação de impacto estuda, ao longo prazo, os resultados do projeto na sociedade. Utilizemos de exemplo um projeto que visa atender a população com medicina preventiva. Em uma avaliação de impacto desse projeto, além de termos os dados da quantidade de pacientes atendidos, seria realizado um estudo mais profundo e de longo prazo para saber quantos desses pacientes precisaram retornar ao médico e quantos tiveram resultado positivo com o tratamento preventivo.

Com esses dados é possível saber o valor gasto em tratamentos de prevenção e quantas vidas ele salva em comparativo com regiões que não usaram verbas preventivas e tiveram que lidar com casos em estágio mais avançado de determinadas doenças.

Com dados como esse, neste momento, seria possível justificar de forma mais clara a necessidade da prevenção contra a Covid-19 utilizando dados econômicos do próprio país. Quão relevante seria essa informação agora?

Para a realização de uma boa avaliação de impacto é necessário que, em média, entre 15% e 20% do valor do projeto seja destinado para isso. O ideal é que a avaliação dure, pelo menos, cinco anos após o término do projeto.

Também é recomendado que a avaliação seja realizada por terceiros, isso garante que os resultados serão imparciais.

Um acompanhamento que exige tecnologia de dados e contratação de uma equipe especializada nunca é simples. Por qual motivo, então, vale a pena um investimento assim?

Como a avaliação de impacto pode ajudar na luta contra o Covid19

Se os projetos sociais já realizados no Brasil tivessem feito uma avaliação de longo prazo, nós teríamos, hoje, dados relevantes para que pudéssemos enfrentar a Covid-19 de forma mais estruturada.

Conseguiríamos mostrar em números exatos os resultados provenientes de atitudes preventivas contra doenças, por exemplo, conforme explicado acima.

Dessa forma, seria mais fácil a população entender as medidas necessárias e o motivo das decisões realizadas pelo governo, ou que o próprio governo repensasse suas decisões compreendo o custo econômico e a realidade que virá a partir de suas decisões.

Outros dados significativos que poderíamos ter, caso houvesse investimento na avaliação de impacto, seriam os dados relacionados à economia que tanto se fala sem qualquer embasamento. Por exemplo, nos faltam estatísticas que mostrem o comportamento da nossa população em casos de aumento de desemprego.

No Brasil, nós enfrentamos as tragédias de Mariana e Brumadinho, enfrentamos as enchentes e deslizamentos na Região Serrana do Rio de Janeiro. Nessas tragédias, toda uma população perdeu seu emprego, ou seja, sua forma de sustento. Nós sabemos que a população demora muito tempo para se estabelecer novamente, e que mesmo com diversas ações de filantropia vindas de todo o globo, há milhares de famílias que jamais voltarão a serem as mesmas.

Ainda assim, não existem números reais que nos mostrem o padrão desse comportamento nos casos de crise. Não sabemos quanto por cento dos afetados conseguem retornar à vida normal; qual o tempo médio para essa mudança; qual o perfil daqueles que se reestabelecem com maior facilidade; quantos empregos informais são gerados e se isso é suficiente para a estabilização econômica da região; quantas famílias jamais conseguiram se restabelecer e se há um perfil comum entre elas; quais os projetos sociais de reinserção que trazem maior índice de sucesso...

Se tivéssemos uma avaliação de impacto dos projetos sociais realizados nessas tragédias, onde a ordem econômica foi destruída de forma extrema, por exemplo, hoje teríamos dados que nos mostrariam em quantos meses a população consegue (ou não consegue) voltar a realizar suas atividades normais, a porcentagem da população que se estabelece e a porcentagem que não consegue voltar para as antigas condições.

Saberíamos a faixa etária que possui maior dificuldade, o número de casos de alcoolismo e outras doenças que afetam essa população, o custo disso ao governo estadual e federal em termos de saúde e reparação, entre outros dados relevantes.

Com informações como essa o governo e a própria população poderiam compreender melhor o cenário futuro do coronavírus no Brasil, e tenho certeza de que tomaríamos decisões melhores para o nosso país, compreendendo se realmente os custos e número de vidas afetados em uma crise econômica é maior do que os números que serão trazidos pela pandemia.

Se o Brasil exigisse a coleta de dados de longo prazo por parte das instituições, hoje teríamos informações que serviriam para falar com a população de forma mais clara sobre o que poderá acontecer dentro dessa crise, pois a verdade é que qualquer informação com relação a isso hoje é simplesmente achismo sem qualquer embasamento real.

Por falta de uma avaliação adequada, o Brasil precisa se render aos dados de outros países mais estruturados e que possuem as estatísticas necessárias para tomada de decisões. O problema é que os dados de outros países são coletados em situações diferentes das nossas e, portanto, não condizem com a nossa realidade. Ao mesmo tempo, dizer que a nossa realidade será sempre muito pior continua sendo uma falácia, pois não temos dados que justifiquem realmente essa afirmação.

Por isso, a solução para que o Brasil possa tomar decisões mais assertivas e embasadas, em situações de crise, é que o governo e investidores compreendam a necessidade de uma avaliação de impacto adequada dos projetos sociais.

Infelizmente, para enfrentarmos o coronavírus, não há mais tempo para coletar dados relevantes. Mas é importante aprendermos com essa situação e então nos prepararmos para as crises futuras que enfrentaremos.

Carla Damião

Diretora executiva da Ink Inspira, empresa referência em eficiência de gestão de projetos sociais no Brasil e parceira do Prêmio Empreendedor Social.

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