Campanha deixa online quem cuida de filhos e move favela

Ao levar gás, internet e comida para 8,2 milhões com o projeto Mães da Favela, Cufa mobiliza R$ 170 milhões

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O empreendedor social Celso Athayde, fundador da Cufa, que, ao lado de Nega Gizza, Preto Zezé, Maria Dinorá Rodrigues e Marcivan Menezes Barreto, é finalista do Empreendedor Social do Ano em Resposta à Covid-19 na categoria Ajuda Humanitária Renato Stockler/ Na Lata

Rio de Janeiro

Mães da Favela

  • Organização Cufa (Central Única das Favelas)
  • Empreendedores Celso Athayde, Nega Gizza, Preto Zezé, Maria Dinorá Rodrigues e Marcivan Menezes Barreto
  • Site https://www.maesdafavela.com.br/

Ser mulher não é fácil. Ser mulher na favela dividindo um quarto com sete filhos, então, nem se fala. Acrescente uma pandemia que ceifou milhões de vidas e postos de trabalho mundo afora, e já dá para ter uma dimensão do sufoco que Elaine Torres passava.

Faltava tudo. Comida, remédio, gás. Estrutura psicológica. De certa forma, a história desta moradora de Heliópolis (zona sul de São Paulo) simbolizava as das 5,2 milhões de mães que moram em favelas, nas contas do Data Favela, o instituto de pesquisa parceiro da Cufa (Central Única das Favelas). E foi por causa dela que surgiu o Mães da Favela.

Elaine fazia faxina e outros bicos informais. Quando o país entrou em quarentena, nove meses atrás, "parou tudo, quebrou tudo", diz Celso Athayde, fundador da Cufa.

Daí a ideia de pegar o #CufaContraOVïrus, iniciativa mais ampla para frear os estragos econômicos e sociais da Covid-19 em regiões pobres do Brasil, e criar um programa específico para as mães.

Esse filtro pareceu natural, afirma Athayde. "A gente percebe que as mulheres são as mais vulneráveis, na favela mais ainda."

Se a quantidade de lares fragilizados pela crise sanitária assusta, a Cufa tenta dar uma resposta à altura. Já entregou mais de 1,3 milhão de cestas básicas, num valor médio entre R$ 120 e R$ 240 mensais, e 60 mil vales do mesmo valor, mas que podem ser sacados digitalmente, por meio do aplicativo Pic Pay. "Aí não tem fila, não tem aglomeração", diz Preto Zezé, presidente da Cufa Global.

Outra fundadora da entidade, Nega Gizza é como as tantas mães que batalham todos os dias para dar o melhor para suas famílias, diz. Viúva com filhos de 13 e 17 anos, vê-se "mais numa posição de quem enxerga soluções em todos os problemas do que uma mulher que lamenta somente".

A lentidão na reação do governo foi particularmente brutal para mães que têm em casa crianças com deficiência, ela afirma. "O Estado já deveria ter preparo para apoiar pessoas com crianças especiais. Os postinhos de saúde, as clínicas da família não estavam funcionando."

O aperto nas residências é outra realidade peculiar às favelas. Nega Gizza conta que viu uma família se espremer num canto da casa para deixar uma senhora isolada em outro, afastada de tudo o que seus parentes haviam tocado.

Um deles tinha contraído Covid-19, o hospital mandou de volta para casa, e a meta virou proteger a idosa, parte do grupo de risco, de se contaminar. "A ausência do Estado deixou tudo pior."

Para Athayde, a realidade das comunidades não comporta a quarentena vista em áreas nobres das cidades. "Por que o país não parou? Porque a favela não parou."

Eram os moradores das favelas, diz o ativista, que faxinavam hospitais, assumiam caixas de supermercado, abasteciam carros nos postos de gasolina, entregavam deliveries para quem estava de home office —refeições que às vezes custavam mais do que a renda mensal de uma família empobrecida pela pandemia.

"Mesmo agora, neste momento de tensão [com o recrudescimento da Covid-19], as favelas continuam trabalhando. Elas têm que produzir. Se você mora num prédio, o porteiro não deixou de trabalhar um único dia. E ele está saindo do lugar onde mora. A relação que ele tem com o medo do vírus é diferente de quem ficou em casa o tempo todo."

Como ficar em casa e morrer de fome não era opção, diz Athayde, muita gente se viu obrigada a se arriscar todo dia para ir trabalhar.

Para Preto Zezé, já havia nesses bolsões do país outro tipo de quarentena, de quem "já era isolado de direitos, com 40% das pessoas sem água e sabão para lavar as mãos, que era o básico".

Focar os esforços nas mães foi uma forma de multiplicar os resultados, já que muitas delas chefiam os lares e tiveram baque duplo com o avanço do vírus: perderam os empregos que lhes davam sustento e tiveram que zelar por filhos sem aulas, e também sem as merendas garantidas pelas escolas agora fechadas.

A Cufa estima já ter atingido 8,2 milhões de pessoas em 5.000 favelas de Norte a Sul do país, numa rede que contou com empresas privadas e milhares de colaboradores. Uma das parcerias, com uma empresa de tecnologia, permitiu que o Mães da Favela usasse reconhecimento facial para que o benefício fosse pessoal e intransferível, barrando possíveis fraudes num projeto que movimentou mais de R$ 170 milhões desde abril.

"Precisamos dividir as riquezas que a favela sempre produziu ou vamos dividir as consequências da miséria", afirma Athayde.

Quando a entidade foi distribuir 50 vales-mãe num bairro do Ceará, mas havia o dobro de mulheres na fila, as 50 primeiras compartilharam a ajuda com as 50 últimas, conta Preto Zezé. "As pessoas, elas se cuidam no pior momento."

Com o retorno gradual da atividade econômica do país, a fome não era só por comida, mas também por conectividade. Daí uma nova aba do projeto, com distribuição de chips e implantação de torres de wifi para garantir conexão à internet: A Mãe Tá On.

"Pra quem tinha pouco recurso e agora tá sem trabalho, não tem mais como pagar internet, aquele celular era justamente o ganha-pão. Por lá recebia ligação para serviços, por exemplo. Mas a mulher não tem crédito, quando começou a retomada da economia, pra poder ser chamada pra fazer a unha, faxina."

*

Mães da Favela

  • 8,2 milhões de pessoas impactadas
  • R$ 170 milhões em recursos mobilizados
  • 1,35 milhão de cestas básicas
  • 60 mil cartões auxílios
  • 500 mil chips
  • 3.000 antenas de wi-fi
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