Hospital financeiro dos pobres salva vidas e economia dos pequenos

Bancos Comunitários Digitais levam recursos de governos municipais e doados por empresas para comunidades via plataforma E-Dinheiro

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Joaquim Melo, líder da iniciativa Bancos Comunitários Digitais, é finalista da categoria Legado Pós-Pandemia no Empreendedor Social do Ano em Resposta à Covid-19 Renato Stockler

Maysa Provedello
São Paulo

Bancos Comunitários Digitais

  • Organização Instituto E-dinheiro
  • Empreendedor Joaquim Melo
  • Site https://edinheirobrasil.org

“Se alguém me dissesse que íamos conseguir mudar tudo o que já tínhamos tão sedimentado no nosso negócio, e tão rapidamente, eu jamais acreditaria. O que levaria anos de planejamento foi criado e executado em poucos dias.”

É assim que Joaquim Melo resume o misto de espanto e orgulho pela revolução realizada pelo instituto que dirige, o E-dinheiro Brasil. A equipe fez com que R$ 181 milhões mobilizados por empresas e governos chegassem ao maior número de indivíduos vulneráveis na pandemia.

Ao todo, 70 mil pessoas receberam ajuda financeira via a plataforma digital no período.

A lógica na crise sanitária era salvar vidas e a economia dos pequenos ao mesmo tempo, por meio de solução financeira e bancária desenvolvida pelo instituto.

A semente dessa estrutura foi o Banco Palmas, criado em 1998 em Fortaleza (CE), que pôs em circulação a primeira moeda social do Brasil, a Palma. Nada mais do que uma cédula no valor de doação ou microcrédito a ser usada em comércios locais credenciados na cidade.

A Rede Brasileira de Bancos Comunitários é hoje composta por 118 instituições comunitárias em 47 municípios. Todos os bancos da rede têm uma associação da sociedade civil como gestora, trabalham com moedas sociais com circulação restrita a determinado bairro ou município e reinveste o lucro na localidade.

Desde 2015, as moedas foram se tornando digitais, sendo usadas por meio de cartões magnéticos ou aplicativo para smartphones.

Melo, recifense criado em Belém do Pará, é ex-seminarista. Para se preparar para o sacerdócio, foi levado pelo então cardeal de Fortaleza, dom Ivo Lorscheiter, para viver no lixão da capital cearense.

Assim, concluiu sua formação e aderiu ao movimento dos padres das favelas.

Dali em diante, sua vida, como ele diz, não foi marcada pelo sacerdócio católico, mas pela missão de cuidar dos pobres e de fomentar geração de renda.

“Não me ordenei padre, mas dei aulas em escolas públicas por 20 anos, criei o banco Palmas, viajei o Brasil todo ajudando a criar bancos comunitários, aprendi a viver em qualquer canto e de qualquer jeito”, diz.

Aos 48 anos, viúvo desde 2014, passa a maior parte do tempo em reuniões de bairro, em gabinetes falando com autoridades ou com seus pares pensando em projetos que reduzam a desigualdade.

A revolução a que Melo se refere começou em março, com o pedido de ajuda do prefeito de Maricá (RJ), Fabiano Horta, para que a rede ajudasse a repassar recursos às pessoas mais impactadas pela pandemia no município.

Segundo ele, o prefeito foi direto: “Melo, a coisa vai ser feia e precisamos correr pra botar dinheiro com urgência na mão dessas pessoas e tentar salvar empregos”.

Eles não queriam dar cestas básicas, diz Melo. "Naquele momento, cada família tinha uma necessidade. Também não tinha, com tudo parado, como gerar cartão, entregar a cada beneficiário", explica.

Para atender à demanda, era necessário adaptar a plataforma digital, já que a atual não servia ao perfil dos beneficiários a serem incorporados, a maioria sem smartphones ou acesso à internet.

A equipe cresceu de 25 para 40 pessoas para desenhar soluções. “A conclusão foi que era preciso facilitar ao máximo o acesso aos recursos.”

Depois de virar noites, os jovens programadores finalizaram a reconstrução da plataforma para possibilitar que qualquer indivíduo com CPF pudesse comprar nos comércios registrados.

Os bancos comunitários, de posse dos recursos, faziam busca ativa de beneficiários e colhiam dados pessoais, repassados ao instituto.

A equipe da plataforma criava contas individuais, as quais imediatamente recebiam recursos conforme instruções dos bancos. Cada beneficiário era informado, por SMS, email ou pelos agentes, sobre número da conta e senha. A partir de então já era possível fazer compras só digitando a senha no aparelho celular do próprio estabelecimento, conectado à plataforma.

A solução permite acompanhamento em tempo real do uso dos recursos doados, levando transparência a todo o processo. “Até as prefeituras puderam saber melhor quais as reais necessidades e planejar novas ações na pandemia”, relata Melo.

Entre empresas e governos envolvidos na iniciativa estão também a Prefeitura de Limoeiro de Anadia (AL), a ONG Somos Um, Itaú Social, Natura e Avon. “Não tivemos nenhum caso de denúncia de desvio de recursos”, afirma o empreendedor social.

A alta demanda pelo uso da E-dinheiro possibilitou a criação e inclusão de quatro novos bancos comunitários na plataforma. “Nunca imaginei chegar num modelo tão simples, que possibilitasse pessoas em situação de extrema necessidade comprar alimentos e bens prioritários, na pandemia, sem fila”, diz o fundador do instituto.

Todas as mudanças foram incorporadas ao dia a dia da Rede de Bancos Comunitários, que atuou como “um ‘hospital econômico dos pobres’” na crise. “Sabíamos que as economias populares seriam devastadas. Aumentava em nós a certeza de que a metodologia de moedas sociais e de valorização do consumo local estavam certas”, avalia.

O maior aprendizado na pandemia, diz Melo, foi a necessidade de incidir em políticas públicas. “É preciso insistir com o parlamento e gestores sobre a necessidade de leis municipais voltadas a outro modelo de desenvolvimento, mais justo e sustentável, que oportunize vida para todos.”

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Bancos Comunitários Digitais

  • 125 mil pessoas impactadas
  • R$ 181 milhões em recursos mobilizados
  • 42 mil contas digitais abertas
  • 2.500 pequenos comércios credenciados
  • 118 instituições comunitárias integram a Rede Brasileira de Bancos Comunitários
  • 4 bancos digitais criados
  • 2 prefeituras apoiadas
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