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Não sonhei em morar na favela, mas sonho com a favela que se torna bairro

Paraisópolis completa 100 anos com missão de ser referência para comunidades de todo o país

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Gilson Rodrigues

Líder comunitário de Paraisópolis, presidente do G10 Favelas e destaque no Prêmio Empreendedor Social do Ano em 2020

Eu não sonhei em morar na favela. Acredito que ninguém sonha em morar em cima do córrego ou sofrer com enchentes em áreas de risco. Ninguém sonha em viver em um lugar onde falta água e o serviço do Samu não chega.

Quando minha família chegou a São Paulo, há 70 anos, nosso sonho era ficar rico e garantir boa educação para as crianças, trabalhar e estudar para ajudar os demais familiares.

homem em primeiro plano mira a câmera com favela atrás
Gilson Rodrigues, líder comunitário de Paraisópolis, no pavilhão social do G10 Favelas - Caio Caciporé Ferreira

Logo percebemos que a São Paulo da TV é diferente da realidade, e nos deparamos com a vida na favela: em cima do córrego e mentindo que moramos no Morumbi. Se morar em São Paulo significa passar por mais dificuldades e viver em meio à falta de oportunidades, representa também lutar para melhorar e transformar a comunidade.

Ao completar 100 anos nesta quinta-feira (16), Paraisópolis aprende e ensina. É sinônimo de resiliência, inovação, disposição.

Chegamos ao centenário no mesmo ano em que a Folha. São duas histórias de conquistas: a Folha na defesa da democracia como princípio editorial, e Paraisópolis na missão de se organizar como comunidade e referência para favelas de todo o país.

As histórias que escrevemos aqui se apoiam em redes –conectadas ou reconstituídas– e, embora não faltem determinação e capacidade para continuarmos superando as vulnerabilidades em nosso território, também queremos celebrar as tantas conquistas, motivo de orgulho para a cidade e o país.

Cumpre a nós lutar pelo desenvolvimento urbano local, pela universalização dos serviços públicos e pela eliminação das áreas de risco geotécnico para seus 100 mil moradores.

Avanços foram conquistados na construção da Nova Paraisópolis entre 2005 e 2012, quando o programa de urbanização da Prefeitura de São Paulo investiu R$ 400 milhões em infraestrutura, equipamentos públicos e habitação social.

Naquela época, o índice de coleta de esgoto passou de 18% para 85%, e o de abastecimento de água atingiu os 90%. É urgente retomar o programa e concluir obras tão necessárias, um direito essencial da população.

Sonhamos com uma Paraisópolis conectada ao mundo e o acessando sem restrições de CEP, com oportunidades que promovam inclusão, desenvolvimento econômico e impacto social na vida de milhares de famílias da segunda maior favela do país.

A educação em Paraisópolis passou por diversas mudanças ao longo dos anos, principalmente no que se refere à primeira infância. O acesso cresceu, seja por meio das CEIs e EMEIs ou de instituições mantidas pela iniciativa privada na comunidade, como a Associação Crescer Sempre, com uma escola de educação infantil e ensino médio integral.

A ampliação educacional também se deu por meio de programas de contraturno escolar e de biblioteca aberta à comunidade, com a Escola Alef Peretz, de ensino médio, o CEI Ser, para crianças de 0 a 3 anos, e outros projetos que investem na educação de crianças, jovens e adultos de Paraisópolis, como Pró-Saber, Projeto Einstein na Comunidade e A Casa da Amizade.

Todas essas ações contribuem para a diminuição dos índices de analfabetismo e o aumento da conscientização dos pais sobre a importância da educação.

Dão também a perspectiva de um futuro aos jovens, que já almejam e alcançam a universidade, assim como adquirem condições de igualdade para brigar por espaço no mercado de trabalho.

Na crise da Covid-19, criamos o Comitê das Favelas e os "presidentes de rua", salvando vidas com vizinhos que cuidavam de vizinhos, além de ações para mitigar a fome e o vírus. Foram mais de um milhão de cestas básicas e dois milhões de refeições distribuídas desde o início da pandemia. ​

E, para enfrentar a crise econômica, impulsionamos negócios como Emprega Comunidades, que apoiou 7.000 diaristas, Mãos de Maria, que qualifica e empodera mulheres e Favela Brasil Express, colocando o CEP das favelas no ecomerce brasileiro.

Iniciativas como as hortas urbanas do Agrofavela Refazenda, G10 Bank, Galáxia Revendedora com oportunidades para mulheres terem independência financeira e Costurando Sonhos, que gera renda e confeccionou quase dois milhões de máscaras gratuitas, entre outras lideradas por empreendedores de Paraisópolis.

Celebraremos a data por meio de ações na comunidade, de 16 a 25 de setembro. Teremos cultura, empreendedorismo, esporte, moda, gastronomia e muito mais. E lançamos a campanha “Um Presente para Paraisópolis” para arrecadar alimentos e brinquedos para famílias em situação de vulnerabilidade.

Eu não sonhei em morar em favela, mas sonho com uma comunidade que não seja dividida por muros e com uma sociedade mais solidária. Sonho com uma favela que se transforma em bairro.

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