Descrição de chapéu África

Livro mostra como trabalhar com causas e em ONGs no Brasil e no exterior

A partir da própria experiência na África, ex-correspondente da ONU escreve "Pra Fazer a Diferença" com lista de organizações e plano de ação

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Fundar uma ONG ou ser voluntário de uma causa são maneiras óbvias de ter uma trajetória no terceiro setor. Mas não as únicas. O leque de opções para quem quer trabalhar com impacto social e ser pago por isso é apresentado pelo jornalista Lucas Bonanno, 40, no livro "Pra Fazer a Diferença" (Ed. Alta Books, 256 págs., R$ 64,90).

Aos 26 anos, Bonanno se mudou para a África. O objetivo era produzir reportagens para a Agência Aids, como consultor da ONU. Na época, 16% dos jovens e adultos viviam com o vírus HIV em Moçambique, um dos países em que ele atuou, enquanto a taxa e ra de menos de 1% no Brasil.

A primeira metade do livro explica como ele se deu conta de que "queria trabalhar para melhorar a vida das pessoas" e traça um plano de ação para quem fez a mesma descoberta.

dois homens sentados, sendo um branco e um negro, e uma criança no colo de um deles
O correspondente da ONU, Lucas Bonanno, em visita ao município rural de Morrumbala (Zambézia, Moçambique) em 2006 - Arquivo pessoal

"Eu me perguntava como as pessoas escolhem suas causas", diz Bonanno. "No meu caso, a morte prematura do meu pai mexeu comigo, acompanhei de perto quando ele teve um AVC aos 39 anos, foi traumático."

No capítulo "Fazer a diferença requer formação e preparação", além de deixar clara a importância do preparo técnico para servir de forma remunerada, o autor sugere características pessoais que facilitam o ofício. Entre elas, empatia, saber trabalhar em equipe, ter iniciativa e comunicar-se de forma efetiva.

No caso de uma atuação fora do país, ele destaca outras. "Respeito à cultura local, ouvir mais e falar menos, ir para somar forças."

Atributos que foram especialmente úteis para quebrar tabus em Moçambique, país com tradições culturais que facilitavam a contaminação por HIV. Umas delas era o "pitakufa", ritual em que viúvas eram obrigadas a manter relações sexuais sem preservativos com cunhados em troca de manter seus bens.

"Acabei participando de uma campanha com apoio do Unicef - Fundo das Nações Unidas para a Infância para incentivar o ‘pitakufa’ alternativo", descreve Bonanno.

"A viúva recebe algumas raízes, esfrega nas mãos e entrega a um casal da família do marido, que deverá ter relação sexual na sua frente e depois devolver as plantas para que ela passe no corpo para se purificar."

homem posa em frente a carro branco com coqueiro atrás
Visita ao município de Inhambane (Moçambique) em 2008 - Arquivo pessoal

Escrito durante quatro anos e finalizado na pandemia, o livro lista causas e organizações sociais que contratam profissionais na área, com a indicação de sites de vagas.

Com bastante conteúdo voltado à atuação internacional, há indicações de agências, fundos e escritórios especiais da ONU, ONGs internacionais e brasileiras –AACD, Fundação SOS Mata Atlântica, Instituto Ayrton Senna, Saúde Criança, entre outras.

"Eu queria mostrar que área social não é só associação comunitária, existe toda uma economia em torno do terceiro setor", diz.

Depoimentos de profissionais, inúmeros dados, siglas e questionários completam a primeira parte, que cumpre a função de munir o leitor de estratégias para encarar o setor.

É a partir da segunda metade que o livro ganha um relato mais saboroso e menos didático, pois Bonanno conta histórias vividas por ele nos países africanos. Em uma delas, narra como a camisa da seleção brasileira garantiu uma vaga na van para o escritório da ONU na África do Sul.

"Passei a observar as lotações em Joanesburgo e notei que elas só transportavam pessoas negras. Conversei com alguns funcionários do hotel e eles me explicaram que pessoas brancas não usavam transporte público. Não era algo excludente e imposto, como foi o regime do apartheid, mas consequência natural de um sistema econômico ainda muito desigual."

homem e menino vestidos de amarelo em estação de rádio
O correspondente da ONU, Lucas Bonanno, treina jovens no município de Nacala (Nampula, Moçambique) em 2008 - Arquivo pessoal

Em outra passagem, Bonanno conta como foi alugar um apartamento em Maputo e conviver com o proprietário dormindo à sua porta.

"Ofereci que ele entrasse e dormisse. Afinal, a casa, literalmente, era dele. Na noite seguinte, porém, lá estava ele de volta. Voltei a lhe oferecer abrigo, mas a partir da terceira noite, preferi nem ir até a cozinha ver se ele estava nas escadas. Não me senti bem em tomar tal atitude, mas um dos meus primeiros aprendizados na África foi começar a impor limites."

Na última parte do livro, o jornalista narra seu retorno ao Brasil, em 2010, e a reinserção no mercado de trabalho. Em sua avaliação, desde então o setor abriu mais portas a profissionais interessados.

"Ampliou bastante a ideia de negócios de impacto social e o mercado é enorme. Em um levantamento de vagas na ONU, há espaço tanto para técnicos que consertam rádios e satélites quanto para profissionais de saúde", afirma.

homem vestido de roupa preta está sentado em poltrona bege segurando livro, com plantas atrás e uma placa escrita fazer o bem
O jornalista Lucas Bonanno com seu livro "Pra Fazer a Diferença" - Arquivo pessoal

Nascido na Casa Verde, na zona norte de São Paulo, Lucas Bonanno aposta no livro como maneira de incentivar mais pessoas a se prepararem para atuar em causas socioambientais ao redor do mundo –especialmente no pós-pandemia.

"Assim como a Aids, que foi a causa que me levou para a África, a Covid-19 agravou a situação de diversos conflitos e tragédias que persistem há anos, como as guerras no Afeganistão e na Síria, a fome no Haiti, a crise dos refugiados em Bangladesh e Myanmar ou mesmo a desigualdade social, o desemprego e a violência no Brasil. Se trabalhar com projetos sociais for realmente seu desejo, desconheço momento mais propício."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.