Trabalhar durante as férias pode parecer uma má ideia, ainda mais sem receber salário. Mas há quem defenda que ser voluntário traz outra dimensão para o que seria apenas uma viagem comum.
"Não vejo mais graça em ser turista", diz a designer Joana Felippe, 28. Ela fez duas viagens como voluntária, uma delas num santuário de elefantes resgatados de maus-tratos, na Tailândia, outra para trabalhar com crianças na Cidade do Cabo, África do Sul.
No chamado turismo voluntário, ou "volunturismo", o viajante fica em alojamentos ou na casa de moradores e trabalha em projetos sociais. No tempo livre, consegue passear pelo destino escolhido.
"O turismo tradicional tira tudo do lugar e não deixa nada em troca", afirma a fotógrafa Iara Tonidandel, 55, que há dois anos passou a trabalhar durante suas viagens. "O voluntariado traz uma satisfação fantástica, porque você contribui, conhece as pessoas, os lugares, e entende melhor aquele espaço."
A experiência de ser voluntário virou livro nas mãos de Gustavo Fernandez, 31, que lançou "Africanamente: O que Vivi e Aprendi como Voluntário na África" (Autografia, R$ 44,90, 306 págs.) em 2017.
Desde 2013, ele já foi três vezes para o continente e trabalhou no Zimbábue, na Etiópia e na África do Sul. Sua experiência resultou ainda no site Trip Voluntária, uma consultoria para quem deseja viajar assim.
Há diversos tipos de trabalho voluntário, com diferentes cargas horárias. É comum ter jornadas de oito horas, de segunda a sexta.
As vagas mais procuradas, de acordo com Eduardo Mariano, fundador da Exchange do Bem, agência especializada, são para cuidar de crianças e de animais recuperados de maus-tratos.
Ensinar inglês também é possível, como fez Iara, que foi professora de monges budistas e de empreendedoras no Sri Lanka e na Tailândia.
Outras opções são ajudar em asilos, reservas ambientais e campos de refugiados, o que Joana fará na próxima viagem. Serão 10 meses pela África, Ásia e América Latina.
Quem é voluntário no exterior deve se preparar para ser criticado por ter escolhido ajudar pessoas de outro país.
"Quanto mais a gente faz, mais toma pedrada", afirma Joana. "Não compreendem que o meu interesse não é só ajudar o próximo, mas imergir nessas culturas."
"Meu objetivo não é assistencialismo, é mostrar que você pode passar férias na África porque ela não é só pobreza", diz Fernandez.
Eduardo Mariano está acostumado a ouvir esse tipo de crítica, apesar de também oferecer viagens para Manaus, comunidades do rio Negro (AM), Tapajós (PA), Lençóis Maranhenses e Cananéia (SP).
"Não é porque tem gente precisando de ajuda no Brasil que a pessoa vai deixar de fazer safári. Então é melhor que ela vá e aproveite para ser voluntária", afirma.
Outros projetos também colocam viajantes em contato com comunidades brasileiras que precisam de ajuda.
A Ginga FC, dos publicitários Felipe Oliveira e Felipe Rigolizzo, levou 35 pessoas para a vila de Suruacá (PA), em junho de 2017, e está organizando uma viagem para a aldeia Utawana, no Parque Indígena do Xingu, para 2019.
O voluntários ajudam a melhorar a estrutura esportiva das comunidades e dão oficinas relacionadas com suas especialidades.
A Vivalá, do também publicitário Daniel Cabrera, organiza expedições para Alter do Chão (PA), Lago da Acajatuba (AM), Cananéia (SP), Lençóis Maranhenses e Florianópolis, que combinam ecoturismo e apoio aos negócios locais. "É para conhecer a natureza e ser o mentor profissional de pequenos empreendedores", afirma.
Voluntários precisam ter cuidado com o que postam nas redes
A publicação de fotos de pessoas carentes em redes sociais é vista por parte dos viajantes como uma forma de atrair mais voluntários. Mas essa exposição pode ser negativa para quem recebe ajuda, de acordo com o Sahi (Fundo de Assistência Internacional dos Estudantes e Acadêmicos Noruegueses), que lançou em novembro passado um guia de mídias sociais para voluntários.
"A exposição de imagens que diminuam a dignidade da população local pode levar a apatia, em vez de motivar. Muitos podem se sentir mais inspirados a ser voluntários se forem expostos a fotos que mostrem os locais com dignidade", afirma Beathe Øgård, presidente do fundo.
Manual de etiqueta nas redes sociais
- Evite usar palavras que desmoralizem pessoas ou propaguem estereótipos
- Lembre-se que pessoas não são atrações turísticas
- Respeite a privacidade dos outros e peça permissão sempre que quiser tirar fotos e compartilhá-las em redes sociais
- Evite fotografar pessoas em situação de vulnerabilidade, como em hospitais
- Pergunte-se o motivo de compartilhar esse conteúdo. Dar visibilidade para os problemas ou arrecadar dinheiro para uma organização não é desculpa para desrespeitar a dignidade e privacidade alheia
- Use sua experiência para contar aos amigos e seguidores as histórias que precisam ser vistas
- Retrate as pessoas de forma a aumentar o sentimento de solidariedade e conexão entre elas e seus seguidores
Fonte: "How to Communicate the World - A Social Media Guide for Volunteers and Travelers", da SAIH (Fundo de Assistência Internacional dos Estudantes e Acadêmicos Noruegueses)
Países preferidos dos viajantes
PARA ONDE IR Na África, Quênia, Gana e África do Sul, além de países do Sudeste Asiático, como Tailândia e Nepal, e Peru
QUANTO TEMPO FICAR Pelo menos duas semanas, para o turista ter tempo de se adaptar à cidade e conhecer o projeto. A permanência ideal no mesmo trabalho é de um mês, podendo chegar a dois meses em alguns casos
Pacotes para fazer trabalho voluntário
R$ 1.300
3 noites, no Vivalá
Em Lago do Acajatuba (AM), para auxiliar pequenos empreendedores locais. Com uma noite em Manaus e duas em hotel de selva, transporte e passeios pela floresta. Sem passagem aérea
US$ 1.396 (R$ 5.081)
14 noites, na Experimento
Na Namíbia, para programa de trabalho voluntário no Namibia Medical Project, uma clínica comunitária. Com quarto compartilhado, traslados e refeições feitas pelos voluntários. Sem passagem aérea
US$ 1.442 (R$ 5.248)
14 noites, na CI
Na Cidade do Cabo, África do Sul, para auxiliar enfermeiras e visitar crianças doentes no Children's Hospital. Com acomodação compartilhada, traslado e uma excursão. Sem alimentação e passagem aérea
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