Viajante usa férias para fazer trabalho voluntário e imersão na cultura local

Turistas devem cuidar de animais e ajudar comunidades carentes sem explorar imagem da pobreza

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Homem ao lado de lousa explica algo para crianças negras sentadas no chão
Gustavo Fernandez, 31, dá aula de educação ambiental no Zimbábue - Divulgação
 
São Paulo

Trabalhar durante as férias pode parecer uma má ideia, ainda mais sem receber salário. Mas há quem defenda que ser voluntário traz outra dimensão para o que seria apenas uma viagem comum.

"Não vejo mais graça em ser turista", diz a designer Joana Felippe, 28. Ela fez duas viagens como voluntária, uma delas num santuário de elefantes resgatados de maus-tratos, na Tailândia, outra para trabalhar com crianças na Cidade do Cabo, África do Sul.

No chamado turismo voluntário, ou "volunturismo", o viajante fica em alojamentos ou na casa de moradores e trabalha em projetos sociais. No tempo livre, consegue passear pelo destino escolhido.

"O turismo tradicional tira tudo do lugar e não deixa nada em troca", afirma a fotógrafa Iara Tonidandel, 55, que há dois anos passou a trabalhar durante suas viagens. "O voluntariado traz uma satisfação fantástica, porque você contribui, conhece as pessoas, os lugares, e entende melhor aquele espaço."

A experiência de ser voluntário virou livro nas mãos de Gustavo Fernandez, 31, que lançou "Africanamente: O que Vivi e Aprendi como Voluntário na África" (Autografia, R$ 44,90, 306 págs.) em 2017.

Desde 2013, ele já foi três vezes para o continente e trabalhou no Zimbábue, na Etiópia e na África do Sul. Sua experiência resultou ainda no site Trip Voluntária, uma consultoria para quem deseja viajar assim.

Há diversos tipos de trabalho voluntário, com diferentes cargas horárias. É comum ter jornadas de oito horas, de segunda a sexta.

As vagas mais procuradas, de acordo com Eduardo Mariano, fundador da Exchange do Bem, agência especializada, são para cuidar de crianças e de animais recuperados de maus-tratos.

Ensinar inglês também é possível, como fez Iara, que foi professora de monges budistas e de empreendedoras no Sri Lanka e na Tailândia.

Outras opções são ajudar em asilos, reservas ambientais e campos de refugiados, o que Joana fará na próxima viagem. Serão 10 meses pela África, Ásia e América Latina.

Quem é voluntário no exterior deve se preparar para ser criticado por ter escolhido ajudar pessoas de outro país.

"Quanto mais a gente faz, mais toma pedrada", afirma Joana. "Não compreendem que o meu interesse não é só ajudar o próximo, mas imergir nessas culturas."

"Meu objetivo não é assistencialismo, é mostrar que você pode passar férias na África porque ela não é só pobreza", diz Fernandez.

Eduardo Mariano está acostumado a ouvir esse tipo de crítica, apesar de também oferecer viagens para Manaus, comunidades do rio Negro (AM), Tapajós (PA), Lençóis Maranhenses e Cananéia (SP).

"Não é porque tem gente precisando de ajuda no Brasil que a pessoa vai deixar de fazer safári. Então é melhor que ela vá e aproveite para ser voluntária", afirma.

Outros projetos também colocam viajantes em contato com comunidades brasileiras que precisam de ajuda.

A Ginga FC, dos publicitários Felipe Oliveira e Felipe Rigolizzo, levou 35 pessoas para a vila de Suruacá (PA), em junho de 2017, e está organizando uma viagem para a aldeia Utawana, no Parque Indígena do Xingu, para 2019.

O voluntários ajudam a melhorar a estrutura esportiva das comunidades e dão oficinas relacionadas com suas especialidades.

A Vivalá, do também publicitário Daniel Cabrera, organiza expedições para Alter do Chão (PA), Lago da Acajatuba (AM), Cananéia (SP), Lençóis Maranhenses e Florianópolis, que combinam ecoturismo e apoio aos negócios locais. "É para conhecer a natureza e ser o mentor profissional de pequenos empreendedores", afirma.

Voluntários precisam ter cuidado com o que postam nas redes

A publicação de fotos de pessoas carentes em redes sociais é vista por parte dos viajantes como uma forma de atrair mais voluntários. Mas essa exposição pode ser negativa para quem recebe ajuda, de acordo com o Sahi (Fundo de Assistência Internacional dos Estudantes e Acadêmicos Noruegueses), que lançou em novembro passado um guia de mídias sociais para voluntários.

"A exposição de imagens que diminuam a dignidade da população local pode levar a apatia, em vez de motivar. Muitos podem se sentir mais inspirados a ser voluntários se forem expostos a fotos que mostrem os locais com dignidade", afirma Beathe Øgård, presidente do fundo.

Manual de etiqueta nas redes sociais

  • Evite usar palavras que desmoralizem pessoas ou propaguem estereótipos
  • Lembre-se que pessoas não são atrações turísticas
  • Respeite a privacidade dos outros e peça permissão sempre que quiser tirar fotos e compartilhá-las em redes sociais
  • Evite fotografar pessoas em situação de vulnerabilidade, como em hospitais
  • Pergunte-se o motivo de compartilhar esse conteúdo. Dar visibilidade para os problemas ou arrecadar dinheiro para uma organização não é desculpa para desrespeitar a dignidade e privacidade alheia
  • Use sua experiência para contar aos amigos e seguidores as histórias que precisam ser vistas
  • Retrate as pessoas de forma a aumentar o sentimento de solidariedade e conexão entre elas e seus seguidores

Fonte: "How to Communicate the World - A Social Media Guide for Volunteers and Travelers", da SAIH (Fundo de Assistência Internacional dos Estudantes e Acadêmicos Noruegueses)

Países preferidos  dos viajantes

PARA ONDE IR Na África, Quênia, Gana e África do Sul, além de países do Sudeste Asiático, como Tailândia e Nepal, e Peru

QUANTO TEMPO FICAR Pelo menos duas semanas, para o turista ter tempo de se adaptar à cidade e conhecer o projeto. A permanência ideal no mesmo trabalho é de um mês, podendo chegar a dois meses em alguns casos

 

Pacotes para fazer trabalho voluntário

R$ 1.300
3 noites, no Vivalá 
Em Lago do Acajatuba (AM), para auxiliar pequenos empreendedores locais. Com uma noite em Manaus e duas em hotel de selva, transporte e passeios pela floresta. Sem passagem aérea

US$ 1.396 (R$ 5.081)
14 noites, na Experimento
Na Namíbia, para programa de trabalho voluntário no Namibia Medical Project, uma clínica comunitária. Com quarto compartilhado, traslados e refeições feitas pelos voluntários. Sem passagem aérea

US$ 1.442 (R$ 5.248)
14 noites, na CI 
Na Cidade do Cabo, África do Sul, para auxiliar enfermeiras e visitar crianças doentes no Children's Hospital. Com acomodação compartilhada, traslado e uma excursão. Sem alimentação e passagem aérea

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.