No Fiis, organizações ambientais demonstram preocupação com novo governo

Empreendedores da Rede Folha foram destaque em painéis no segundo dia do festival

Everton Lopes Batista
Poços de Caldas (MG)

​Fortalecer o ativismo ambiental e as denúncias de crimes contra a natureza devem ser prioridades para as organizações que trabalham com o tema no país, segundo especialistas que participaram de um painel no espaço da Rede Folha dentro do Fiis (Festival de Inovação e Impacto Social) neste sábado (3), em Poços de Caldas (MG).

“No novo governo federal, está claro que a questão ambiental é um inimigo. Temos de fortalecer as organizações de ativistas, que motivam inovações com suas denúncias”, disse  Luis Fernando Guedes Pinto, gerente de certificação agrícola do Imaflora, instituto que é referência em sustentabilidade agropecuária e florestal.

Para ele, o Congresso Nacional também deve ser um alvo, considerado um espaço fundamental para evitar retrocessos na proteção ambiental.

Os debatedores demonstraram ainda preocupação sobre a proposta do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) de fundir os ministérios do Meio Ambiente e Agricultura.

“Se a proposta fosse de unir as duas áreas para fazer melhorias, nós poderíamos pensar. Mas não podemos aceitar que o meio ambiente seja subjugado como uma secretaria do Ministério da Agricultura”, afirmou o biólogo Claudio Pádua, fundador do IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas).

O investimento em pesquisa para o meio ambiente seria uma saída para que o setor se desenvolva, segundo Pádua. “A agricultura brasileira é forte porque colocamos dinheiro na pesquisa, através da Embrapa. Deveríamos fazer o mesmo pela natureza”, disse.

Um outro objetivo deve ser levar a agenda ambiental para lideranças de diversos partidos, a fim de informar as demandas e tornar o tema primordial, de acordo com a cientista política Juliana Fratini.

“Se o agronegócio foi vendido como ‘pop’ para a sociedade, nós podemos fazer com que as demandas ambientais também sejam vistas dessa forma”, afirmou.

Dos 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), oito tratam de temas ambientais, como o desenvolvimento de comunidades sustentáveis e a produção de energia limpa.

 

Segundo Sérgio Andrade, fundador da Agenda Pública e diretor executivo da Escola de Políticas Públicas, é necessário que esses objetivos estejam conectados à realidade das pessoas para que possamos ver os reais impactos dessas ações na sociedade.

O mundo corporativo já começa a incorporar essa agenda na formação de executivos, de acordo com Ricardo Siqueira Campos, diretor de relações institucionais da escola de negócios FDC (Fundação Dom Cabral).

“Há uma demanda nas escolas de negócios para treinar os executivos do agro para a sustentabilidade e para a continuidade do próprio negócio. Não se trabalha mais com uma visão apenas extrativista”, afirmou.

“Os empresário se preocupam com a criação de modelos que sejam mais inclusivos, diversos e que criem produtos ambientais mais palatáveis”, completou.

Para Carlo Pereira, secretário-executivo da Rede Brasil do Pacto Global, isso acontece porque as companhias estão percebendo que tudo está vinculado. Assim, se a empresa quer exportar seus produtos, deve se adequar à lógica da sustentabilidade pois existem pressões externas que forçam esse comportamento.

Mas, se no mundo das grandes corporações existem as forças do mercado que muitas vezes levam as grandes empresas a criarem ações de impacto social positivo, iniciativas menores ainda dependem primordialmente da captação de doações para colocar em prática suas ideias.

O aumento do fluxo de doações esbarra em problemas culturais, segundo Paula Fabiani, diretora-presidente do Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social).

“O brasileiro, muitas vezes, não tem claro qual é a sua causa. Ele sabe que as coisas precisam mudar, mas não consegue dizer exatamente o que”, disse.

O não entendimento do papel das organizações sociais e a falta de confiança nas mesmas agravam o problema, segundo Paula.

“Doar deve ser cool”, afirmou Luciana Temer, presidente do Instituto Liberta, que também integra o Movimento Bem Maior. O movimento deve lançar em breve uma plataforma digital para impulsionar a cultura de doações no país, unindo potenciais doadores a projetos.

As microdoações também são alternativa, de acordo com Rodrigo Pipponzi, um dos fundadores da Editora Mol. A empresa edita publicações como livros e revistas e atua com parceiros do varejo para fazer a venda do material. Parte do dinheiro é revertido para causas de impacto social.

“Enquanto editoras tradicionais fecham, nós ampliamos as vendas através de um modelo que inclui a doação na rotina de consumo das pessoas”, afirmou Pipponzi.

No último painel do dia da Rede Folha, a discussão principal foi sobre como levar uma alimentação adequada para mais pessoas em um país que ainda desperdiça grandes quantidades de alimento.

Para Luciana Quintão, fundadora da ONG Banco de Alimentos, que coleta e distribui a comida que seria jogada fora, a solução pode estar na atuação de empreendedores sociais dentro da gastronomia.

A Saladorama é um exemplo. A empresa é um delivery de comida saudável feita por moradores da periferia do Rio.

Para Hamilton Santos, engenheiro e um dos idealizadores do negócio social, um desafio para esse tipo de empresa é incluir pessoas diferentes na hora de procurar saídas. “A discussão ainda acontece nos mesmos lugares de sempre, com as mesmas pessoas. Assim, vamos ter sempre as mesmas soluções. Precisamos abrir para que outros setores participem e tragam uma visão de fora”, disse.

Festival

O  Fiis acontece entre os dias 2 e 7 de novembro no Palace Cassino, em Poços de Caldas (MG). O evento agrega o encontro anual da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais, formada por cem líderes, o Congresso Sorriso do Bem, da Turma do Bem, correalizadora desta edição, e o Fórum Melhores Práticas para Saúde no Terceiro Setor, da Aliança Latina.

Na programação, temas como o futuro dos negócios sociais e das ONGs, captação, mobilização e conexão, inovação e novo significado do voluntariado serão discutidos durante masterclasses, workshops e painéis que contarão com a participação de empreendedores, investidores e empresas que atuam por impacto positivo.

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