Educador vira mestre em sustentabilidade
Jovem que correu 50 países voltou ao cerrado para criar centro de referência em comunidades ecológicas
Quando menino, o parque de diversões de André Soares eram as obras da Cohab (Cooperativa Habitacional) onde se criou, em Novo Hamburgo (RS): subia e caía de telhados inacabados, escondia-se em canos, saltitava entre pedreiros.
Hoje, aos 45, recorda a infância no playground que criou e que divide com crianças e adultos de vários países: o Ipec (Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado), maior centro de referência de sustentabilidade da América Latina.
Para completar esse ciclo, percorreu um longo caminho -ou, como prefere dizer, viveu mais do que a idade revela. Aos 12 anos construiu, na árvore, a primeira casa. Era o início do aprendizado que serviria para erguer muitas outras paredes.
O jovem militante social e educador, revoltado com o país ao fim da ditadura, tomou o rumo do exterior sem bilhete de retorno. Sem falar inglês e com bolsos vazios, percorreu mais de 50 países. Fez de tudo: limpou banheiros, plantou batatas, trabalhou em aldeias indígenas, labutou em cidades.
Em meio a essa peregrinação, em Jerusalém conheceu a pedagoga australiana Lucia Legan, 41, que se tornou sua principal fonte de inspiração -em uma lista que inclui os educadores Paulo Freire, Jean Piaget e Bill Mollison, considerado o pai da permacultura.
Juntos, foram viver na Austrália, onde vivenciou duas experiências marcantes: o nascimento da filha, Laila, e a descoberta da permacultura, que busca suprir necessidades básicas em comunidade, de forma ecológica e com custo baixo.
Simplicidade
O jovem rebelde que ensinava crianças a nadar em troca de bolsa da prefeitura passou a instruir os pequenos em conceitos de sustentabilidade visando a um sonho maior, o de "construir um mundo melhor para Laila", hoje com 16 anos.
Se a saída do país foi marcada pela desesperança, o retorno foi o oposto. "Questionei-me sobre quem poderia se beneficiar mais com o que aprendi, e o Brasil ressurgiu no horizonte."
Dessa vez, transformou a desilusão em energia para trabalhar. Com a mulher, viveu em uma favela em Brasília enquanto introduziu princípios da permacultura em 16 Estados.
À imagem do buriti (do qual se aproveita desde palha para cobrir casas até seiva para fazer vinho), plantou o Ipec. Perito em semear idéias, fez brotar soluções para problemas de alimentação, energia, saneamento e habitação. "Não se trata de outro mundo possível. Esse mundo existe: basta retomarmos a simplicidade da vida."
"Não pensava que estava destruindo [ao queimar pasto]. Não doía aqui dentro. Com o Ipec, aprendi a conservar a natureza" - ADEMAR DE OLIVEIRA, 62, ex-pedreiro