Tempo de construir
Arquiteta usa saberes tradicionais em favor do progresso comunitário
No "cronos", tempo cronológico de Rosana Bianchini, 37, o início dos anos 2000 foi marcado por rupturas: a morte do pai, uma referência, a insatisfação profissional e a mudança de Belo Horizonte para Nova Lima, na região metropolitana.
No "kairós", tempo do coração para os gregos, uma outra emoção dividia espaço no universo da arquiteta.
O nível da rua foi elevado, e uma das casas, antes com vista da vizinhança e da vegetação, passou a ter o concreto como "paisagem".
Pensou em pintar de árvores o muro da frente, mas desistiu: era sua percepção, não a do dono do imóvel.
Porém, permaneceu o desejo de mudança. O caminho encontrado foi a construção coletiva do Instituto Kairós, que oferece aos moradores projetos de saúde, educação e cidadania.
Por meio de cursos, oficinas e ações ligadas ao desenvolvimento socioambiental da comunidade, o Kairós amplia as possibilidades de renda e trabalho, a valorização da biodiversidade e as relações de identidade com a cultura local.
Os mais experientes, os griôs, cantam e contam histórias e lendas aos pequenos, que batucam, brincam e dançam.
Curandeiros e rezadeiras ensinam a usar ervas medicinais, distribuídas no posto de saúde. Tudo isso seguindo o "kairós".
Além de sensibilidade "para avaliar resultados no brilho dos olhos das crianças", a fim de manter o instituto de pé, foi fundamental ter muita força.
Como numa preparação do que viria adiante, no primeiro dia de construção do Kairós, caiu a primeira chuva da temporada e, com ela, o lamaçal deslizou sobre a obra.
No esforço de salvá-la, Rosana se deitou com outros moradores no barro, criando um muro protetor.
Estruturação
"Fiz muita força física", afirma, lembrando-se dos bambus que carregou para edificar a sede. "Emocional também."
Com o carregar de tijolos, estava acostumada. Desde criança, com a casa limpa, reunia-se com a prima para montar uma escolinha. A mãe apoiava.
"Falava que não podia tolher a imaginação dos meninos", diz, ressaltando que a família foi a principal base de sua formação.
Após a faculdade de arquitetura, queria mais. "Tinha vontade de entender o espaço real de intervenção do arquiteto."
Respostas vieram no mês em que ficou na Chapada Diamantina, onde experimentou construir coletivamente um espaço.
"Não está ligado só à técnica -tem um acordo coletivo que se cria. Uma construção. Isso é para tudo na vida", reflete.
Mesmo ciente de que a razão a paralisa e a emoção a conduz, planeja agora cuidadosamente os próximos passos.
Na mira, a profissionalização da gestão, com a Fundação Dom Cabral. "O Kairós é eterno. Eu não.''
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A comunidade protagonizando seu próprio desenvolvimento
Os cursos, oficinas e treinamentos desenvolvidos pelo Instituto Kairós têm por missão promover o desenvolvimento sistêmico sustentado do território, o fortalecimento de redes sociais e educativas, a autonomia produtiva e o protagonismo cultural das comunidades.
Dentre as atividades, praticam-se a permacultura (no planejamento de sistemas ambientais de culturas permanentes e integradas), a bioconstrução (na utilização de tecnologias construtivas de baixo impacto ambiental), a agroecologia (nos processos da agricultura familiar e no uso popular das plantas medicinais), além de atividades culturais, artísticas, educativas e de formação.
O que fundamenta tudo isso é o diálogo cultural no território e o jogo contínuo de criação e recriação de relações de identidade.
Para isso, o instituto vem promovendo a construção compartilhada de um arranjo produtivo educativo solidário que cria a malha multi e interdisciplinar e aproveita todas as ofertas possíveis existentes no território para o seu desenvolvimento.
A comunidade, fortalecida em sua identidade pela valorização de seus saberes e modos de fazer, passa a ser protagonista do desenvolvimento do seu próprio território e a influenciar a construção de ações de políticas públicas locais.
Em termos de estrutura organizacional, o Kairós está dividido em quatro áreas de atuação:
área socioeducativa, que desenvolve ações de educação continuada e integrada para as crianças e os adolescentes do município, fortalece a rede de educação informal da comunidade e reforça o universo infantil, entre outros
área sociocultural, que valoriza os saberes de tradição oral da comunidade, fortalece o lugar social dos mestres de tradição oral dentro e promove o diálogo intergeracional;
área socioeconômica, que valoriza os processos produtivos locais e sua articulação com novas oportunidades e tecnologias, pesquisa e desenvolve matéria prima local e desenvolve planos de negócios solidários, entre outros;
área socioambiental, que pesquisa e desenvolve matéria prima local, desenvolve ações de capacitação de multiplicadores locais e capacita grupos locais como agentes de desenvolvimento para protagonizar uma mudança de atuação ambiental no território, entre outros.
Conheça os principais projetos do Instituto Kairós
Programa Ação Integrada
Projeto Rede Escola Viva: oferece atividades extracurriculares no contraturno da escola formal para alunos da rede pública entre 4 e 14 anos
Programa Cultura Viva
Projeto Cultura Digital: inicia a comunidade nas linguagens da tecnologia digital e contribui com a formação de uma rede de comunicação comunitária
Comunicação Comunitária: visa despertar o protagonismo jovem para a articulação de uma rede de comunicação e informação comunitária
Griô: ação pedagógica, facilitadora do diálogo entre idades, escola, equipamentos culturais, comunidades e grupos étnicorraciais
Programa Economia Solidária
Projeto Capacitação Artesanal: qualifica artesãos para a criação de produtos artesanais, conhecimento e aplicação de técnicas de artesanato e utilização de materiais alternativos
Unidades produtivas: grupos produtivos formados pelos artesãos capacitados nas oficinas de aprendizado que se tornam aptos para o desenvolvimento de uma produção de qualidade para comercialização
Geração de renda: atividades voltadas à comercialização dos produtos gerados pelos artesãos das unidades produtivas
Programa Agroecologia
Farmácia Viva: implantação do serviço de fitoterapia no SUS para atender os postos de saúde de Nova Lima, investindo em um trabalho colaborativo de desenvolvimento social e em uma rede de ações sustentáveis que garantam a valorização ambiental e cultural das comunidades envolvidas
Agricultura Urbana/Segurança Alimentar: projeto voltado à disseminação de práticas seguras de saúde na comunidade e de processos orgânicos de produção de alimentos voltados à educação de práticas da segurança alimentar e da agricultura urbana
Gerenciamento de Resíduos Orgânicos: visa a implantação de um plano piloto de manejo de resíduos orgânicos gerados nas residências, estabelecimentos comerciais e condomínios da região
Programa Educação Ambiental
Sala Verde: tem o objetivo de produzir um ambiente dinâmico para o desenvolvimento da educação ambiental
Programa Permacultura e Bioarquitetura
Experimentação e desenvolvimento de tecnologias apropriadas: visa à pesquisa, ao desenvolvimento e à reaplicação de tecnologias apropriadas na área da permacultura (no planejamento de sistemas ambientais de culturas permanentes e integradas) e à bioconstrução (na utilização de tecnologias construtivas de baixo impacto ambiental).